Em um cenário corporativo em constante transformação, como os Conselhos podem se reinventar e adotar um propósito alinhado com uma visão mais ampla de prosperidade?
Em um mundo corporativo cada vez mais complexo e interconectado, uma questão tem emergido com força: um conselho, seja ele de administração ou consultivo, deve ter um propósito próprio? Esta indagação, que pode parecer retórica à primeira vista, nos convida a uma profunda introspecção sobre os valores, princípios e diretrizes que moldam as decisões estratégicas nas organizações.
Há algum tempo defini um propósito para minha trajetória que, acredito, poderia servir como um farol para todos os conselhos: buscar a prosperidade consciente e sustentável. Esta visão não se limita ao meu bem-estar individual, mas estende-se à minha família, minha comunidade, minha empresa, meus sócios, colaboradores, clientes e fornecedores. Mas o que realmente significa essa prosperidade consciente e sustentável?
A prosperidade, em sua essência, vai além da mera acumulação de riquezas ou do sucesso financeiro. Ela engloba um estado de plenitude, onde há equilíbrio entre o bem-estar material, emocional, social e espiritual. Neste contexto, é fundamental considerar as contribuições de pensadores como Amartya Sen e Martha Nussbaum. Sen introduziu o conceito de "capacidade" como uma medida do bem-estar humano, argumentando que a verdadeira prosperidade envolve a liberdade das pessoas para escolher e viver vidas que tenham razão para valorizar. Já Nussbaum, inspirada por Sen, desenvolveu uma lista de "capacidades centrais" necessárias para uma vida digna, como saúde, integridade corporal e razão prática. Ambos os filósofos enfatizam que a prosperidade e o desenvolvimento devem ser avaliados não apenas em termos materiais, mas também em termos de oportunidades e liberdades reais disponíveis para as pessoas.
O conceito de capitalismo consciente surge como uma resposta a essa visão ampliada de prosperidade. Capitalismo consciente é uma filosofia de negócios que acredita que empresas podem ser conduzidas de forma a beneficiar o próprio negócio juntamente com seus trabalhadores, sua comunidade e o meio ambiente. Em vez de almejar apenas o lucro como objetivo principal, uma empresa consciente possui três pilares: pessoas, planeta e lucro. O capitalismo consciente é uma visão mais ampla da responsabilidade das organizações para transformar o mundo. A ideia é trazer resultados positivos para a empresa e para a sociedade como um todo. O conceito foi desenvolvido por John Mackey e Raj Sisodia, que fundaram o Instituto Conscious Capitalism em 2010. O capitalismo consciente é uma prática que usa a força das empresas para servir ao desenvolvimento da humanidade, com o propósito de construir um mundo mais justo, sem perder de vista o lucro para os acionistas. Dentro da minha filosofia de vida e deste conceito, acredito firmemente que a geração de riqueza não pode advir do sofrimento ou prejuízo de ninguém, uma premissa básica que simplifica o entendimento.
A Sustentabilidade, por sua vez, é a chave para garantir que essa prosperidade seja duradoura. Não se trata apenas de adotar práticas que respeitem os limites do nosso planeta, mas também de garantir que a prosperidade seja constante ao longo do tempo. Uma prosperidade sustentável deve possuir mecanismos de retroalimentação, ser adaptável, resistir às mudanças e, acima de tudo, ser antifrágil. Nassim Nicholas Taleb, em seu conceito de antifragilidade, argumenta que sistemas antifrágeis não apenas resistem ao estresse e ao caos, mas se beneficiam deles, tornando-se mais fortes. Assim, uma prosperidade sustentável deve ser capaz de se adaptar e crescer diante de adversidades e incertezas.
Diante desses conceitos, surge um novo desafio para os conselhos: como incorporar essa visão de prosperidade consciente e sustentável em suas estratégias? Como garantir que as decisões tomadas hoje não comprometam o futuro da empresa e da sociedade?
Convido a todos a mergulharem nessa reflexão. A adoção de um propósito claro e alinhado com a prosperidade consciente e sustentável pode ser o diferencial que as empresas precisam para se destacar em um mercado cada vez mais competitivo e volátil. Além disso, ao adotar essa postura, os conselhos estarão não apenas atendendo aos objetivos imediatos de suas organizações, mas também pavimentando o caminho para um legado positivo e duradouro.
Em um mundo onde a mudança é a única constante, talvez a verdadeira questão seja: podemos nos dar ao luxo de não adotar um propósito tão nobre e essencial? E, se a resposta for afirmativa, como podemos começar essa transformação hoje?
Marcelo Murilo
é co-fundador e VP de Inovação e Tecnologia do Grupo Benner, Palestrante, Mentor, Conselheiro, Embaixador e Membro da Comissão ESG da Board Academy e Especialista do Gerson Lehrman Group e da Coleman Research. Fala sobre Inovação, Governança e ESG.
marcelo.murilo@benner.com.br