Ou, melhor dizendo, aquilo que produzem os analistas de mercado, oficialmente designados como Analistas de Valores Mobiliários, atende ao que necessitam acionistas, investidores e as próprias empresas?
Não se trata de aspectos comportamentais ou desvios de conduta. São muito raros no mercado brasileiro os casos em que se verificou ou sequer suspeitou de inidoneidade por parte dos analistas de mercado. Além do mais, pode-se dizer que as instituições financeiras, inclusive, as de porte médio e até menores, mostram-se bastante atentas no tocante à probidade de seus funcionários e de todos que, de certa forma, as representam.
Por outro lado, conforme, aliás, bem exposto no artigo: “O Analista de Valores Mobiliários no Brasil”, de Reginaldo Ferreira Alexandre, publicado no número 193, desta revista (RI-Maio.2015), os profissionais cuja atividade foi regulamentada ainda em 2003, através da Instrução nº 388, da CVM - Comissão de Valores Mobiliários, possuem boa formação e, de modo geral, conhecimentos técnicos aprofundados, sobretudo, em assuntos financeiros, contábeis e, em alguns casos, inclusive fiscais. Isto fica evidenciado pelo exame das exigências para a obtenção de Certificação, em cada uma de suas categorias.
Sendo assim, como explicar alguns fatos e situações que recentemente afetaram o mercado acionário brasileiro cuja ausência dos devidos alertas, mesmo tímidos e envoltos na proteção da condicionalidade, resultaram em perplexidade, convertida em indignação tão intensa quanto o tamanho do prejuízo que o investidor arcou?
Cumpre assinalar que não incluo a Petrobrás neste elenco de situações nas quais os investidores viram-se privados de análises aprofundadas e recomendações prudentes. A situação da empresa, seu vultoso e crescente endividamento, a nefasta manipulação política, a sucessão de decisões no mínimo questionáveis e muitas outras ocorrências, já há tempos vem sendo largamente comentadas pela imprensa. Ou seja, ao investidor cauteloso não faltaram informações e, assim como a quase totalidade da sociedade brasileira, os analistas de mercado, apesar de acompanharem com atenção a empresa, não poderiam conhecer os fatos que, lamentavelmente, migraram da esfera do mercado acionário para a esfera criminal.
Sem retornar ao tétrico ano de 2008, quando os erros foram aberrantes, Bolsa à 85.000 pontos e reiteradas recomendações de compra de papéis “X”, entre outras, dois casos recentes são marcantes e ilustram bem o propósito deste artigo.
O primeiro vem a ser o conflito societário na Usiminas, que, somente à partir de meados do ano passado, veio a ser destacado e objeto de repetidas matérias na imprensa, muito embora sua gênese esteja na aquisição das ações ordinárias feitas pela argentina Ternium. Entretanto, até este transbordamento para a imprensa, sucediam-se análises e comentários otimistas por parte de instituições renomadas, inclusive, com atraentes projeções de lucro por ação, isto quando o embate entre os grupos distintos que compartilhavam o controle começava a ganhar intensidade. Pouco, na verdade quase nenhum comentário era feito acerca da difícil convivência entre os dois grupos que dividiam o controle, de origens, culturas corporativas e doutrinas de gestão muito distintas e, consequentemente, a complexidade e abrangência do acordo de acionistas.
Sem falar no questionamento que logo surgiu se tal aquisição configurava efetiva alteração de controle, o que deflagraria a cláusula de tag along. Conforme observado, independente da crise econômica brasileira e sua repercussão no setor siderúrgico, as animadoras projeções ficaram muito longe da realidade. É plausível aceitar que, se tivesse sido descrita esta situação de conflito societário, ou, até mesmo, sua probabilidade de ocorrência, mesmo ao lado de projeções positivas, muitos seriam os investidores que optariam por liquidarem suas posições.
O outro caso refere-se às instituições de ensino universitário cujas ações são negociadas na BOVESPA. Até muito próximo do final de 2014, este era, talvez, o mais louvado dos setores, o objeto dos mais entusiasmados comentários, das mais positivas análises. Elogios não escassearam. O destaque, em termos mundiais, de alguns de seus indicadores. Uma vez mais, o mundo achava-se curvando diante do Brasil. Só que os analistas de mercado não perceberam ou, se o fizeram, não relataram com a ênfase que seria necessária, a significativa vinculação com recursos oriundos do governo federal por intermédio do FIES, Fundo de Financiamento Estudantil.
E onde existe vinculação coexiste vulnerabilidade. E, se a vinculação é com o governo, a vulnerabilidade torna-se incrementada. A história econômica brasileira é pródiga em exemplos que confirmam a limitada confiabilidade e o elevado risco da dependência de recursos governamentais.
Cumpre ressaltar, não há críticas à atuação das empresas, não há questionamento quanto à capacitação de seus dirigentes, nem de sua governança corporativa. Elas atuaram, e o fizeram de forma competente, de pleno acordo com as regras então vigentes e, até mesmo, coerente com discursos e promessas que predominaram no período eleitoral. Entretanto, dos analistas de mercado muito pouco, quase nada, se ouviu. Terão eles feito esta indagação, qual o impacto de uma redução ou alteração de critérios do FIES?
O fato é que, não surpreendentemente, era de pleno conhecimento que os ajustes exigidos na economia brasileira viriam a implicar em cortes de verbas e se tais reduções abrangeriam o financiamento estudantil era puramente especulação, mas, não poderia deixar de ser perguntado aos dirigentes das empresas suas opiniões à respeito e, havendo ou não resposta, os analistas de mercado jamais poderiam ter deixado de mencionar enfaticamente tal vulnerabilidade.
Os analistas de mercado brasileiros são tecnicamente competentes e devidamente versados em matéria contábil e financeira, o que resulta na correta elaboração de projeções, baseadas nas informações prestadas pelas empresas combinadas com a observação do mercado.
Mas, estarão fazendo as perguntas certas? Estarão imergindo suficientemente nas decisões estratégicas das empresas e elaborando cenários consequenciais independentes das declarações dos DRIs (Diretores de Relações com Investidores)? E a complexidade jurídica, inclusive regulatória, que hoje caracteriza diversas empresas está sendo adequadamente perscrutada?
Até algum tempo atrás, os encontros entre analistas de mercado e representantes das empresas, em geral Diretores Financeiros e, por vezes, o Presidente, não havia a designação de DRIs, consistiam em um único analista de mercado, às vezes dois, encontrando de um a três dirigentes da empresa. Hoje, isto tem se alterado e algumas instituições financeiras já agendam tais encontros informando que levarão uma equipe multidisciplinar, o que recomenda às empresas que deixem, pelo menos de sobreaviso, dirigentes e especialistas igualmente titulares e versados em temas distintos.
A meu ver, este é o caminho correto e que deve ser trilhado pelas instituições financeiras. Visitas com equipes familiarizadas com aspectos distintos da operação e, através de análise, discussões e devido planejamento prévio, cientes do que querem e necessitam saber. Ou seja, não apenas analistas, mas, igualmente, investigadores, esta atitude precedendo, lógico, a anterior.
Na busca por melhor corresponder ao que investidores e acionistas necessitam, nada substitui a eficácia de encontros assim construídos. As apresentações de empresas para analistas de mercado são válidas como oportunidades de networking e, especialmente, de aquilatar a competência de instituições financeiras competidoras pelas perguntas formuladas, sendo de escasso valor no tocante à obtenção de reais conhecimentos acerca da empresa. Na maior parte das vezes é um exercício autocongratulatório, no qual nem o café-da-manhã se salva.
De acordo com a natureza da empresa e seu mercado, é válido que a equipe de analistas de mercado recorra a consultores especializados que lhes orientem acerca do que buscar conhecer e como entender as informações recebidas e suas repercussões.
Exemplo elucidativo é o caso da WEG, em minha opinião a melhor empresa do mercado acionário brasileiro, cabendo-me reconhecer o especial apreço pela empresa pelo fato de ter liderado a equipe no antigo Banco Brascan de Investimento que conduziu sua abertura de capital. A empresa, além de outros países, acha-se presente na China e na Índia, o que já provoca o questionamento se o atual crescimento indiano, superior ao chinês, irá perdurar e qual o equilíbrio planejado na devida alocação de recursos, inclusive gerenciais. Por outro lado, a meta pretendida de auferir 60% da receita líquida oriunda do mercado externo torna-se ameaçada se for alterada a relação de crescimento entre estes dois países? Enfim, não dá para tecer considerações nem, muito menos, elaborar projeções ou sequer questionar os dirigentes da empresa sem um adequado embasamento geopolítico.
Muito além dos DRI’s, saber o que perguntar e como fazê-lo. Entender as respostas e informações recebidas. Engajar, se for o caso, o concurso de consultores. Acompanhar detidamente o mercado, seus órgãos regulatórios e suas transformações. Conhecer os consumidores, intermediários e finais, estimar suas alterações de comportamento e os canais para atingi-los. Conhecer como a legislação, as fontes e respectivos custos de recursos, bem como a tecnologia repercutem sobre a empresa. Quem é, como se comporta e quem poderá vir a ser competidor.
Finalmente, cabe a pergunta: o analista de mercado deve exprimir uma recomendação de “Comprar”, “Manter” ou “Vender”, que, afinal de contas vinculará a instituição à qual pertence ou, como defendem alguns, ao analista de mercado cabe apresentar fatos, números, cenários alternativos e comentários, cabendo ao investidor a decisão? Reforça esta posição o histórico de relutância de analistas de mercado em recomendarem “Venda” e o código que, pelo menos nos Estados Unidos, teria sido consagrado onde o Hold (Manter) deve ser lido como caia fora...
Não é, portanto, difícil de perceber que o analista de mercado é o mais importante elemento em qualquer mercado acionário e que jamais será substituído por um software ou robô. E, quando se trata de um analista de mercado competente, estudioso e dedicado, a questão não é se o que ele produz é confiável, é reconhecer que ele é imprescindível, fazendo ou não recomendações.
Ruy Flaks Schneider
é engenheiro e M.Sc. em Engineering Economy pela Universidade de Stanford. Conselheiro de Administração certificado pelo IBCG, tem integrado diversos Conselhos de empresas em recuperação judicial. Conferencista da Escola de Guerra Naval e do Curso Superior de Defesa.
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