Com mais de 50 anos de vivência no mercado de capitais e intransigente defensor de seu desenvolvimento, certamente colocaria a Lei 4.728 de 1965 como um de seus documentos mais relevantes. Na mesma escala de importância, incluiria também a reforma da Lei das S/A, e a que criou a CVM, ambas de 1976. Poderia também lembrar a criação do Novo Mercado no ano 2000, mas não no mesmo grau de relevância das anteriormente citadas.
A Lei do Mercado de Capitais, dentre os diversos acontecimentos importantes ocorridos em 1965, foi a que maior impacto causou e, positivamente, aquele que nos anos seguintes foi o fator chave na evolução do mercado. Tendo como ponto de partida um estudo preparado por grupo de trabalho especialmente nomeado pelo Ministro da Fazenda, a Lei do Mercado de Capitais (Lei 4.728 de 14/07/65) passou a ser o objetivo principal de todos direta ou indiretamente ligados ao mercado.
A iniciativa privada pode livremente apresentar seus comentários e sugestões ao documento, e a Lei foi finalmente aprovada pelo Senado Federal em julho de 1965 e imediatamente sancionada pelo Presidente da República. Nela encontraremos, além de uma linha de incentivos fiscais reclamados por aqueles preocupados em estimular o investimento em ações, e um conjunto de inovações e instrumentos até então inexistentes para a mobilização da poupança privada. Isso tudo sem falar no grande mérito da Lei de reunir num só documento todos os capítulos de diversas legislações que até então orientavam o mercado de capitais no Brasil.
Entre os incentivos fiscais criados pela Lei, vale lembrar:
Quanto aos novos instrumentos colocados à disposição das empresas e dos investidores, registraria:
A lei veio dotar o Banco Central de funções disciplinadoras e fiscalizadoras do mercado, atribuições essas delegadas à GMEC, Gerência de Mercado de Capitais. Dentre as funções disciplinadoras, convém mencionar a de obrigar o registro de qualquer emissão junto à Gerência, sem o que o lançamento público poderia ser a qualquer momento impugnado e fiscalizar o cumprimento por parte das sociedades anônimas de capital aberto de certas exigências que, em sua condição de empresas democratizadas e com uma pluralidade de acionistas, deveriam respeitar (full disclosure). Mais tarde, em 1976, essas funções, e outras de regulação do mercado, foram transferidas à CVM.
O conceito de especialização que foi um dos pilares da 4.728, (cada macaco no seu galho), acabou mais tarde não vingando com a chamada universalização dos bancos, em que uma única instituição liderada pelo Banco Comercial, passou a atuar em todos os segmentos da atividade financeira (a exceção dos seguros).
Os títulos do governo acabaram paulatinamente por ocupar um papel crescente na absorção poupança com lugar de destaque na alocação de recursos, tornando difícil a competição com os títulos de emissão privada.
Mas o ano de 1965 também teve outros importantes acontecimentos no mundo financeiro. Vale lembrar que o pedido de concordata de diversas companhias que operavam ilegalmente no chamado mercado paralelo de emissão de títulos de crédito, trazendo enormes prejuízos para milhares de indivíduos não esclarecidos sobre os riscos daquele tipo de aplicação, que culminou com o caso Mannesmann, com projeção internacional que não honrou no vencimento títulos de sua emissão. Foi um estouro com repercussões desfavoráveis para o mercado, para a economia geral, para o Brasil e para a própria matriz da Mannesmann na Alemanha, que certamente deve ter sentido seu prestígio internacional abalado por acontecimento tão desagradável.
É difícil apontar o maior responsável nesse episódio negativo da história do mercado de capitais brasileiro. Sem falar na total e completa responsabilidade da Mannesmann brasileira, não se pode deixar de criticar a atitude das autoridades monetárias que fizeram vista grossa ou não tomaram providências enérgicas a respeito das contínuas e crescentes emissões de promissórias que a companhia colocava no mercado.
Outro fato importante que marcou o ano de 1965 no mercado de capitais foi a volta do título público para consideração pelos investidores. Eram conhecidas as razões pelas quais o título público no Brasil naquela ocasião não despertava a atenção dos investidores. O mau serviço da dívida pública com a conhecida impontualidade no pagamento de juros e de resgates nas épocas devidas, e, de outro lado, a insuficiência de rendimentos. Os certificados eram mais valiosos como peça para colecionadores.
Tornou-se inviável aos governos sequer cogitar sobre emissões para lançamento público, tendo em vista as taxas então vigentes no mercado, com as quais o governo absolutamente não podia competir. Instrumento poderoso na política econômica de qualquer governo, não podia o título público no Brasil ser utilizado, tornando-se rotina a cobertura dos déficits orçamentais por meio de emissão de papel-moeda. Dessa forma, o montante da dívida pública no Brasil, comparado ao de outros países do mundo ocidental, era muito baixo.
Dentre as primeiras preocupações do governo militar, destacou-se justamente a de criar um título público que, reunindo todos os atrativos (ou pelo menos a maior parte) dos títulos particulares, pudesse, por meio de algumas inovações e de esforço de implantação, reconquistar uma parcela do mercado para esse tipo de aplicação. As primeiras providências foram tomadas em 1964, quando a Lei 4357 autorizou a emissão das obrigações reajustáveis de três a cinco anos de subscrição voluntária e compulsória. Esta última destinada às subscrições do fundo de indenização trabalhistas e como substituto aleatório do fundo de indenizações trabalhistas e como substituto aleatório do pagamento do imposto de renda nos casos de reavaliação do ativo. Os atrativos das obrigações reajustáveis voluntárias foram de duas categorias:
1. Atrativos já institucionalizados no mercado
2. Novos atrativos criados
A primeira série de obrigações reajustáveis foi lançada sob a forma nominativa ao apagar das luzes de 1964 com fria receptividade. No entanto, durante o transcorrer de 1965, a medida que se notava aumento de liquidez, crescente confiança no governo, e principalmente após a autorização dada pela Lei do mercado de capitais para emissão de obrigações no sistema voluntário, com prazo de um ano e cláusula de reajuste cambial, consolidou-se o interesse por esse tipo de aplicação e as obrigações passaram a ser vendidas até pelas casas de câmbio.
De qualquer forma, e quaisquer que seja o ângulo da análise, a Lei 4.728 foi um marco histórico para nos lembrar que o mercado de capitais é instrumento fundamental para o desenvolvimento do país, como o ano de 1965 também ficou marcado na lembrança dos investidores pela volta dos títulos públicos ao mercado.
Roberto Teixeira da Costa
economista, foi o primeiro presidente da CVM,
e um dos responsáveis pela organização e instalação
da Comissão de Valores Mobiliários no Brasil.
roberto.costa@sulamerica.com.br