Seção de Cartas

DE: ABRASCA | PARA : REVISTA RI  

PRE-019/15.
Rio de Janeiro, 12 de junho de 2015.

 

Ilmo. Sr. Ronnie Nogueira
Diretor Editorial, Revista RI
ri@imf.com.br

Prezado Senhor,

A Revista RI publicou, no número 193, entrevista que contém a seguinte afirmativa: “(...) não é o recuo do PIB nem o cenário de instabilidade política no país que tem prejudicado o desenvolvimento da Bolsa. A causa (…) é microeconômica: os tratamentos não-equitativos entre acionistas controladores e minoritários”.

Tal afirmativa é flagrantemente destituída de fundamento. Causa-nos surpresa que a Revista RI tenha reverberado uma análise tão exótica, para dizer o mínimo, como pretendemos demonstrar a seguir.

A função social do mercado de capitais é canalizar poupança para o setor produtivo através da subscrição de ações no mercado primário. Assim, o volume de emissões de ações é o principal indicador do “desenvolvimento da Bolsa”: encontramos o valor de R$ 32 bilhões em 2009, um enorme crescimento para R$ 152 bilhões em 2010 e uma queda tremenda para R$ 18, 8 e 19 bilhões, respectivamente, nos três anos subsequentes. Mesmo retirando da série o valor da emissão da Petrobras, 2010 foi um ano acima da média. Essas altas e baixas tão bruscas nos volumes emitidos seriam explicadas por causas “microeconômicas: os tratamentos não-equitativos entre acionistas controladores e minoritários”?

Evidentemente que não. Não houve mudanças regulatórias e legais no tratamento dos minoritários que explicassem as oscilações nos volumes de emissões. As causas verdadeiras para os anos pujantes residem na vigorosa recuperação da China em face da seriíssima crise de 2008, que manteve elevados os preços das commodities exportadas pelo Brasil, na competente resposta do Banco Central, que destravou rapidamente a liquidez em nossa economia, e nos estímulos econômicos corretamente promovidos, à época, que fizeram o PIB brasileiro crescer 7,5% em 2010.

Foi quando a revista Economist publicou na capa o Cristo Redentor decolando feito um foguete. O Brasil tornou-se o queridinho do mercado. O mundo queria estar no Brasil. Todos queriam participar das poucas economias com dinamismo. Os países desenvolvidos patinavam sem perspectiva de sair da crise. Todos olhavam com prioridade os BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

A partir de 2011, os volumes de emissões caem por várias razões de natureza macroeconômica. A inflação visada pela política monetária passou a ser, na prática, algo abaixo do limite superior da banda e não mais a meta. A contabilidade criativa tentou tapar o sol com a peneira em relação ao aumento do déficit público. Voltou a malfadada busca de controlar a inflação por meio do represamento dos preços e tarifas das empresas estatais, o que gerou desequilíbrios perigosos. A confiança na política macroeconômica brasileira se esfumaçou. Os preços das commodities exportadas pelo Brasil caíram. Ocorreu o escândalo na Petrobras. Os Estados Unidos começaram a vencer a crise e a atrair capitais. Uma radical e dramática reversão do quadro.

Há uma recente declaração atribuída a Jim O'Neil, criador do termo BRICS e ex-economista chefe do Goldman Sachs, segundo a qual “está na moda odiar o Brasil” (página 112 da Revista Exame 1090, de 27/5/15).  Na opinião de Vadim Zlotnikov, estrategista chefe de mercados da gestora AllianceBernstein, responsável pela gestão global de 486 bilhões de dólares, para que os investidores estrangeiros retornem ao Brasil, “ou os ativos ficam muito mais baratos ou temos uma clareza inequívoca de mudança política” (Valor, página D1, 11/4/15). A Economist fez nova capa: um símbolo do Brasil agora atola na lama.

Artigo do professor Mauro Saiar Ferreira, publicado na página A10 da edição do Valor de 21/5/15, mostra que há uma correlação inversa entre a taxa de risco do Brasil medida pelo EMBI e o investimento como percentual do PIB. O risco Brasil medido por esse indicador subiu nos últimos três anos de uma faixa em torno de 100 basis points para um patamar próximo a 300 basis points. Ou seja, ocorreu uma deterioração significativa do risco Brasil. Como o mercado de ações pode passar imune a tal redução da propensão ao investimento?

Mas, segundo a opinião publicada pela Revista RI, nada disso tem importância. Só os tais fatores microeconômicos é que são relevantes para explicar o que prejudica o “desenvolvimento da Bolsa”. Fala sério!

Além desse, há outro erro gritante no seguinte trecho da entrevista “(...) essa situação dramática do mercado não se deve a um problema de risco político ou às perspectivas econômicas ruins, porque todos esses fatores macro afetam tanto compradores como vendedores, assim sendo se existisse um mercado funcionando esse ajuste se daria no preço, isto é, haveria queda no preço. O que está acontecendo é que o mercado não está funcionando.” O erro é que esse ajuste não se dá pelo preço.

A ordem de valores que sustenta o raciocínio apresentado no trecho citado no parágrafo anterior é característica de investidores de curto prazo, mas não de empreendedores vinculados a investimento real na atividade econômica. Quando um empresário controlador de uma companhia fechada recebe uma oferta de venda das ações de sua empresa, num IPO, abaixo do que ele acha que elas valem, ele não vende. Nessas circunstâncias, o mercado trava, não funciona realmente.

Em 2010, o mercado passou por uma fase de projeções extremamente otimistas em relação ao futuro do Brasil. Os lucros futuros superavaliados descontados a taxas de juros baixas redundavam em valores presentes altos em relação ao preço que os empresários consideravam justos para suas ações. Aí tem negócio. Na situação inversa, o mercado não ajusta o preço para baixo. Ele simplesmente trava por causas que não se relacionam com governança e sim com os fundamentos de preços.

Resumindo: as cotações das ações brasileiras caíram devido a mudanças na conjuntura econômica tanto internacional como doméstica e, nesse nível de preços, não há muitos empresários interessados em fazer IPOs. Pelo contrário, para alguns vale a pena recomprar as ações que venderam na alta e fechar o capital das companhias. É pura fantasia atribuir a problemas de governança a razão determinante da redução da demanda pelas ações de companhias brasileiras, que deprime os preços e trava o funcionamento do mercado.

As análises delirantes da entrevista publicada na Revista RI nº 193 seriam apenas um conjunto de opiniões bizarras se não concluíssem por manchar a imagem dos acionistas controladores das companhias abertas, apontados como a causa do que prejudica o “desenvolvimento da Bolsa”.

Na realidade, esses empreendedores são bem-sucedidos promotores do crescimento de suas empresas, da geração de emprego e do recolhimento de parcela relevante da arrecadação tributária brasileira num ambiente econômico muitas das vezes adverso. São indivíduos que comprometeram suas vidas e muitas vezes arriscaram todo o seu patrimônio para desenvolver suas empresas. Merecem admiração e não o opróbio que a entrevista injustamente lhes atribui.

Cabe destacar, finalmente, que o movimento destrutivo à credibilidade dos agentes e instituições do mercado, expresso na referida entrevista, é reincidente, sendo essa mais uma das razões que nos movem a dirigir a presente correspondência ao editor da Revista RI. O título em destaque na capa da edição nº 183 -  "A CVM errou" - é um primor de equívoco que tem origem na mesma fonte da entrevista que ora criticamos. Trata-se do exercício inútil do jus esperneandi em detrimento da credibilidade do órgão regulador e fiscalizador do mercado de capitais brasileiro.

Nos julgamentos em que há duas partes, uma tem seu direito reconhecido e outra não. A parte que perde, mesmo contrariada e inconformada como sempre ocorre, não pode sair atacando os tribunais, acusando-os de erro. Deve-se lembrar que o tribunal sempre estará “errado” para uma das partes. Seria um desgastante festival de acusações inevitáveis.

As lideranças responsáveis e maduras buscam preservar as instituições e não submetê-las a arroubos críticos juvenis desprovidos de fundamento.

Atenciosamente,


Alfried Plöger
Presidente em exercício
ABRASCA - Associação Brasileira das Companhias Abertas
abrasca@abrasca.org.br


Continua...