O engenheiro e economista Leonardo Pereira, a frente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), desde novembro de 2012, está empenhado para acelerar o trâmite dos processos sancionadores e, também, para que as punições às companhias que cometem irregularidades sejam mais rigorosas, desencorajadoras de novos atos prejudiciais ao mercado. A autarquia já preparou um projeto de lei que, entre as sanções, prevê valores de multas atualizados e compatíveis com as dimensões das infrações. Com um mandato vigente até 14 de julho de 2017, Leonardo afirma, com entusiasmo, que a CVM tem conseguido cumprir as metas estabelecidas em seu plano estratégico.
Antes de assumir a CVM, Leonardo Pereira foi vice-presidente executivo e de Relações com Investidores da Gol Linhas Aéreas, além de ter sido conselheiro e presidente da Companhia Vale do Araguaia. Foi também diretor de planejamento corporativo e de relações com investidores da Globopar e diretor executivo financeiro da Net Serviços de Comunicação. Formou-se como engenheiro de produção e como economista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela Universidade Cândido Mendes, respectivamente, tendo cursado o programa de Executivo Sênior na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
A seguir, acompanhe a entrevista concedida por Leonardo Pereira, com exclusividade, à Revista RI:
RI: Neste mês de julho, a Lei no. 4.728/65 - que disciplina o mercado de capitais, completa 50 anos de sua promulgação. O primeiro objetivo dessa Lei é facilitar o acesso do público a informações sobre os títulos ou valores mobiliários distribuídos no mercado e sobre as sociedades que os emitirem. Outros dois relevantes intuitos são: proteger os investidores contra emissões ilegais ou fraudulentas de títulos ou valores mobiliários e regular o exercício da atividade corretora de títulos mobiliários e de câmbio. Como o senhor avalia a evolução do nosso mercado ao longo desses 50 anos?
Leonardo Pereira: Com essa pergunta, me lembrei de quando comecei a trabalhar no mercado há mais de trinta anos. O mercado de capitais era mais frágil porque as noções de transparência eram ruins e as questões ligadas aos direitos equitativos entre acionistas não eram discutidas, desta forma, havia muitos conflitos de interesses. Eu comecei a trabalhar logo após a criação da CVM. De lá para cá, considero que houve uma evolução tremenda. Paralelamente, o mercado anda muito com a economia. Nos últimos anos, a economia brasileira se desenvolveu bastante. Hoje, não se tem dúvida de que é uma economia chamada emergente, porém, dentro do grupo de países emergentes, o Brasil tem uma economia muito forte, a sétima do mundo. O Brasil é membro ativo do G-20. O mercado de capitais também evoluiu ao longo dos anos. Atualmente, estamos discutindo problemas complexos de governança corporativa, de conflito de interesses, de abuso de poder de controle, do papel dos conselheiros e as responsabilidades dos administradores. Está em andamento o debate sobre o código nacional de governança corporativa. Eu não tenho dúvidas de que houve uma transformação positiva e esse movimento continua. Recentemente, o fato de terem ocorrido casos ruins, não representa retrocesso. Sempre vão existir casos ruins, o problema é como lidar com eles. E cada vez mais, essas situações têm representado amadurecimento, um aprendizado, isto é, uma reflexão mais profunda. O mercado brasileiro vive um momento fruto da evolução dos últimos 50 anos.
RI: Como está o evoluindo a execução do Plano Estratégico da CVM que lista objetivos a serem perseguidos pela autarquia até 2023?
Leonardo Pereira: O andamento vai muito bem. Eu fiz vários planos estratégicos ao longo da minha vida profissional mas esse especificamente, não pelo fato de ser o mais recente, tem um diferencial. A parte de acompanhamento está sendo feita de uma forma muito positiva. Contamos com um Comitê de Gestão Estratégica que se reúne uma vez por mês, religiosamente na segunda semana de cada mês, e discute os projetos e as prioridades. Fizemos a mudança do site da CVM, uma coisa que se debatia há muito tempo. Há uma mobilização intensa, as áreas estão se falando, se integrando. No ano passado, o investimento em capacitação do corpo funcional foi quase 9 vezes maior do que o aportado em 2013. Em termos de supervisão e sanção, as metas de 2014 foram plenamente atingidas no sentido de limpar estoques. Quanto as metas de 2015, estamos totalmente focados e certamente iremos atingi-la. Até junho, tudo correu bem. Outra coisa interessante é que estamos promovendo um debate sobre um projeto para lidarmos melhor com insider trading, inclusive o IBRI participa desse grupo de discussões. Avaliamos o que podemos fazer para evitar essa prática extremamente negativa para o mercado. Ainda temos muitos desafios em relação ao planejamento estratégico mas já registramos progressos satisfatórios.
RI: Em relação à transparência, como o senhor avalia o fato de ainda 33 grandes empresas listadas na bolsa, amparadas por uma liminar judicial, não publicarem informações relativas a “Remuneração de Executivos”, requeridas no item 13.11 do Formulário de Referência? Como a CVM tem lidado com essa questão?
Leonardo Pereira: Respeito a opinião das empresas. Na época que saiu a medida, eu mesmo achava necessário um período de adaptação, porém, esse tempo passou. As preocupações que se tinha naquela época em fazer a divulgação, na minha visão, não são mais pertinentes. Ao longo do tempo, muitas companhias passaram a discutir essa questão das remunerações de maneira muito formal. Avalio que é muito importante os investidores entenderem como os administradores estão sendo remunerados. Afinal, os administradores estão ali para criar valor para a empresa e para os investidores.
RI: Como a CVM tem agido para que os direitos dos acionistas minoritários sejam respeitados? O presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Mauro Cunha, por exemplo, tem afirmado que os tratamentos não-equitativos entre acionistas controladores e minoritários consistem em forte empecilho ao desenvolvimento do mercado de capitais...
Leonardo Pereira: Sim, a CVM tem trabalhado para que os direitos dos acionistas minoritários sejam respeitados. Observe as normas. Houve o aperfeiçoamento da Instrução 480, promovemos mudanças em dispositivos do formulário de referência. A Instrução 358 também sofreu alterações com a flexibilização da forma de divulgação de ato ou fato relevante, ou seja, uma adaptação aos novos meios de comunicação, muitas vezes, mais rápidos e eficientes. Por sua vez, a Instrução 561 é uma nova norma que auxilia os acionistas em decisões da companhia ao possibilitar a participação e o voto à distância em assembleias gerais. Posso mencionar ainda a reforma da indústria de fundos, alteração da instrução 409.Tudo isso foi feito com o objetivo de assegurar mais transparência e informações equitativas. Claro que ainda existem questões a serem resolvidas, no entanto, a partir dos processos sancionadores também buscamos dar orientações ao mercado. No ano passado, tivemos 42 processos sancionadores e, em 2013, foram 58.
RI: Mas pode-se considerar que os tratamentos não-equitativos entre acionistas controladores e minoritários sejam obstáculos ao desenvolvimento do mercado?
Leonardo Pereira: Esse conflito sempre vai existir, ocorre em todos os mercados do mundo, por esse motivo, as coisas têm que ser discutidas com os reguladores. É natural que se tenha duas visões e, por isso, as regras merecem ser cada vez mais aprimoradas. Considero fundamental essa discussão sobre governança corporativa, de criação de um código único.
RI: O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) tem se manifestado e preparado artigos sobre a necessidade de melhoria da governança corporativa das sociedades de economia mista de capital aberto. Recentemente, o IBGC suspendeu temporariamente a Petrobras de seu quadro por considerar que a empresa não apresenta práticas de governança adequadas. Como o senhor analisa essa situação?
Leonardo Pereira: Estamos, justamente, tratando desse assunto. A CVM atua de duas formas. Primeiro, a autarquia está participando de um trabalho que a BM&FBovespa está desenvolvendo de discussões abertas na sociedade sobre como deveria ser a governança nas companhias de economia mista de capital aberto. E, em segundo lugar, estamos investigando a Petrobras. Cada vez que lidamos com esses temas, damos orientações. Nos últimos 12 meses, tivemos dois julgamentos, um envolvendo a Petrobras, especificamente em relação às assembleias e como deveria ser a votação dos minoritários, e o outro, o caso da Eletrobras.
(Nota: A CVM condenou a União no final de junho por conflito de interesses na administração da Eletrobras, empresa estatal de capital misto com ações na bolsa. A autarquia atribuiu multa de R$ 500 mil, a mais alta que pode ser aplicada. A CVM entendeu que a União, no papel de acionista controlador da Eletrobras, atuou contra os interesses financeiros da companhia durante o processo de redução das tarifas de energia elétrica a partir de 2012. Cabe recurso).
RI: As punições às empresas que cometem irregularidades são muito brandas? Há algum projeto para atualização dos valores das multas e sanções administrativas, assim como, para agilizar as investigações?
Leonardo Pereira: Existe um projeto de lei que já saiu da CVM e está em Brasília (o Ministério da Fazenda está terminando a análise e encaminhará à Casa Civil). Estamos propondo, do ponto de vista de proteção dos investidores, que haja melhor proporção nas penalidades. Os valores devem ser atualizados. A função da penalidade é desencorajar as irregularidades e há um sentido pedagógico. Quando as penalidades são muito baixas acabam sendo incluídas no custo das transações, sem querer.
RI: O ano de 2015 teve até o momento apenas uma abertura de capital (IPO) da Par Corretora, no entanto, ocorreram fechamentos de capital (OPAs). O que explica essa situação e como revertê-la?
Leonardo Pereira: Em todos mercados do mundo ocorrem fechamentos de capital, isso é muito comum. Mas o que também acontece em outros mercados é um volume considerável de aberturas de capital. Quanto ao Brasil, não fico apreensivo com os recentes fechamentos de capital, o que preocupa é não ocorrerem aberturas de capital em número suficiente. Agora, devemos ponderar que o país passa por uma fase de transição. A CVM não tem deixado de trabalhar, continua aperfeiçoando as normas para remover barreiras para que o mercado de capitais seja, cada vez mais, uma ferramenta do desenvolvimento econômico do país. Por exemplo, a atualização da Instrução 476 que insere ações no rol de ativos de ofertas públicas com esforços restritos. Temos que ficar otimistas de que a economia vai estabilizar e voltar a crescer. As empresas não abrem capital por conta da volatilidade da bolsa, das incertezas em relação à economia, mas isso, certamente, vai passar.
RI: O senhor acredita que o mercado de capitais se fortalecerá e terá espaço importante no país nos próximos anos, sobretudo, com a diminuição da capacidade de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)?
Leonardo Pereira: Realmente, não vejo outra alternativa. Os bancos estarão cada vez mais restritos em termos de fornecer crédito e, ainda, há compromisso das economias do G-20 para os próximos anos, de criação de empregos e realização investimentos, respeitando-se o equilíbrio nas contas dos governos. Então é natural que o mercado de capitais seja uma fonte complementar, alternativa e forte de financiamento. É a solução matemática para o Brasil continuar crescendo. O país tem grandes oportunidades de investimentos em infraestrutura e um enorme setor de pequenas e médias empresas que precisa se desenvolver. As médias empresas de hoje serão as grandes companhias de amanhã.
RI: O mercado de capitais pode ser o canalizador de recursos para a infraestrutura do país? Por quê? Isso é fundamental para o Brasil próximos anos?
Leonardo Pereira: Para o Brasil crescer de forma sustentável e equilibrada, o mercado de capitais tem que ser utilizado. Hoje, o nosso mercado de capitais é o 11º do mundo, no entanto, o Brasil é a 7ª. maior economia global. Há muito espaço para crescimento, o país precisa de mais empresas listadas e mais investidores. A bolsa é um dos indicadores, um dos termômetros, mas temos ainda a indústria de fundos, debêntures e estruturas de dívida, há outros componentes importantes que vão trabalhar juntos.
RI: Considerando que hoje no Brasil, apenas um número irrisório de pessoas físicas investem na Bolsa, como o senhor vê a necessidade e a importância de um amplo e permanente programa de educação voltado à criação de uma verdadeira Cultura de Investimento em Ações entre investidores individuais, e como a CVM pode contribuir para isso?
Leonardo Pereira: A educação é importante e deve ser um processo contínuo, mesmo que o país passe a contar um dia com muitos investidores na bolsa. Hoje já são aproximadamente 10 milhões de investidores em fundos de investimentos, pessoas que estão dentro do mercado de capitais, se não olharmos só a bolsa propriamente dita. A educação financeira é fundamental e está em evolução. Na CVM, entendemos que a educação financeira passa pelas redes sociais e temos um núcleo de estudos comportamentais como se fosse um advisory board onde temos antropólogos, sociólogos, médicos, psicólogos e professores trabalhando juntos. O objetivo é identificarmos as melhores formas de regulação e direcionamento da nossa atividade educacional. Em dezembro, vamos promover um congresso internacional de educação financeira com ênfase em finanças comportamentais.
RI: Quais as suas considerações a respeito do profissional de relações com investidores?
Leonardo Pereira: O profissional de relações com investidores assume importância cada vez maior diante de negócios complexos e da tecnologia da informação. Ele assegura a informação correta e tempestiva, sendo que o mercado de capitais é fundamentado em transparência e confiança. Por isso, o papel do IBRI é fundamental. A profissão foi regulamentada recentemente e, certamente, está evoluindo...
O lema Brasil, pátria educadora passa bem longe do mercado de capitais. O desconhecimento da população e a falta de poupança privada é o grande entrave para o desenvolvimento do mercado. Hoje, menos de 0,3% dos 200 milhões de brasileiros investem em ações, sem contar que parte desse público é formado por especuladores e não investidores de longo prazo. Na avaliação de um dos idealizadores da Lei do Mercado de Capitais, Ronaldo Nogueira, o diagnóstico pode ser resumido em uma palavra: desconhecimento.
Em entrevista exclusiva à Revista RI, Nogueira avalia a evolução do mercado de capitais brasileiro ao longo dos últimos 50 anos. Acompanhe a entrevista.
RI: Como o mercado era na época em que surgiu a Lei do Mercado de Capitais e o que mudou principalmente?
Ronaldo Nogueira - Na época as sociedades anônimas eram todas registradas em uma bolsa de valores, mas apenas algumas eram negociadas. O pregão durava uns 20 minutos e os corretores de fundos públicos ganhavam mais dinheiro no mercado de câmbio. Com a lei, isso tudo mudou. Foram criadas as sociedades corretoras de bolsa e as corretoras de câmbio em separado. Abriu-se a venda de carta patente para as corretoras. A sucessão não era mais por herdeiros. Muitos formaram sociedades corretoras e os que já estavam no mercado tiveram que se adaptar à nova lei. Isso mostrou que o governo passou a dar uma maior atenção ao mercado de capitais.
RI: O que falta para o desenvolvimento do mercado?
Nogueira - Eu digo em uma única palavra: educação. A oportunidade que houve durante a criação dos Fundos 157 não foi aproveitada. Não se criou a cultura de investimento. Isso também ocorreu quando houve a liberação das ações da Petrobras e da Vale para investimento com recursos do Fundo de Garantia. Vários brasileiros investiram, mas não houve o mais importante: a educação. Desde pequeno seus pais lhe ensinam a fazer as coisas. A gente aprende tudo. Os hábitos são criados por programas educacionais, mas não foi criado o hábito de investir na bolsa. Ninguém ensinou que comprar ações pode ser um bom negócio. Eu me lembro que quando foi criada a correção monetária as pessoas desconfiavam das entidades de poupança. Tinha gente que colocava dinheiro de manhã e tirava no dia seguinte. Então, ao longo dos cerca de 50 anos, hoje você tem 130 milhões de brasileiros com depósito de poupança. No mercado hoje, o número de investidores cadastrados na Bolsa, está em algo em torno de 600 mil, sendo que apenas 100 mil são considerados ativos, ou que operam a cada 12 meses. É um número pífio diante de uma população de 200 milhões. Como é que você vai desenvolver o mercado apenas 100 mil investidores? Os cadastrados na bolsa variam de 500 a 600 mil. O resto da população brasileira ignora o mercado de ações. Por quê? São várias as razões: falta educação e há o encolhimento do mercado que está perdendo cada vez mais investidores. Dos 100 mil, há um grande número de especuladores que participa da bolsa para ganhar no dia seguinte. Com espírito de investidor mesmo existe muito pouco. Eu diria que o nosso mercado está virtualmente dominado por especuladores.
RI: Mas não é somente a educação. Episódios de falta de governança em que as pessoas perdem rios de dinheiro, também afastam os investidores do mercado e deixa a imagem da bolsa como um cassino...
Nogueira - Porém esse tipo de informação atinge apenas uma parcela dos 100 mil. Pergunta para um médico ou arquiteto se eles acompanham esse tipo de notícia. Vão dizer que não interessa porque não têm ações. Se eles fossem investidores isso os afetaria. Se você pensar em investir esbarra no momento em que pretende se tornar investidor. Vá a uma corretora qualquer e diga que quer investir R$ 5 mil. Eles vão te empurrar um fundo de investimento porque R$ 5 mil não compensa para eles. Não vão perder tempo com você.
RI: Essa situação é que está fazendo as corretoras falirem e demitirem funcionários...
Nogueira - É exatamente isso. O mercado está estreitando. Como disse, hoje são algo como 100 mil. Se nada for feito, vai cair para 80 mil, 50 mil, até acabar. Quem faz o movimento da Bolsa? Como você vê as ações da Petrobras irem a R$ 8 depois a R$ 12 ou R$ 14 em poucos dias?. Não é o pequeno e médio investidor, mas sim o investidor pesado, o especulador nacional ou estrangeiro. Na grande maioria, o estrangeiro não está investindo na Bolsa brasileira com o objetivo de ganhar ao longo dos anos, mas sim ao longo de dias. Quando há um feriado lá fora, o volume da nossa bolsa cai enormemente. O que acontece é que o número de investidores aqui é cada vez menor. Veja o caso das corretoras que oferecem “cursos para investidores”. São programas de três a quatro horas e, se você for bem, elas dão o valor do curso na forma de corretagem para você “jogar” na Bolsa. Na tentativa de atrair novos investidores, estão atraindo incautos para o mercado. São 200 milhões de brasileiros. Aquele que entrou e perdeu não quer nem saber, mas têm outros que ainda não testaram e são atraídos apesar de pouco ou nada conhecerem sobre o mercado. Tudo o que falta, no final, é a educação. Em qualquer corretora você vai e diz: quero comprar ações. O cara vai te mandar comprar um fundo. Porque ele administra com um só profissional. O que não se dão conta é que R$ 50 de um garçom pode ser pouco, mas R$ 50 de muitos garçons transformam-se em um volume considerável.
RI: E as companhias abertas? Vemos hoje uma postura de saída da bolsa e ainda existem muitas que não saem pelos entraves para fechar o capital...
Nogueira - Quando você cria uma empresa, seja do que for, precisa vender para consumidores. É claro que se você abrir uma sapataria já conta com quem use sapato, mas no nosso mercado de ações, há o produto e não tem quem compre. E não tem quem compre porque falta conhecimento e educação de quem vai comprar, e das próprias corretoras. Hoje existem cerca de 350 empresas listadas na Bolsa. Na minha época, eram 1.000. As empresas foram saindo. Muitas faliram, ou foram incorporadas ou saíram simplesmente. A pergunta é: por que a empresa abre seu capital? Para permitir a participação de outras pessoas para ajudar a empresa a crescer. Esse objetivo está completamente distorcido. Hoje tem ações que nem se mexem no dia. São poucas que tem liquidez. A Souza Cruz, uma das pioneiras na Bolsa, agora quer fechar o capital, certamente porque o mercado não atende mais. O que existe hoje não é somente característica de Brasil. Outros países têm situações semelhantes. No próprio Estados Unidos, as ordens na Bolsa estão sendo dirigidas por computadores, levando o número de investidores individuais a cair substancialmente. O investidor está sendo substituído pelas máquinas. No entanto, lá ainda existe a preocupação de que a pensão futura está baseada em ações. Há um vínculo do mercado de ações à uma atividade de investimento. Veja a Apimec, da qual sou fundador (Abamec 1970). No início as pessoas iam nas reuniões para conhecer e fazer perguntas sobre a lucratividade, a expectativa futura da empresa. Existiam mais de 3 mil associados na Abamec no Brasil. Hoje são 600 pessoas. Eu me lembro que há alguns anos fui à 3 reuniões na sociedade dos analistas de Nova Iorque. Começava com um café, depois um almoço e outra sessão à tarde. Eram três empresas se apresentando e muitos interessados. Hoje em dia isso não acontece mais. A internet substituiu uma porção de coisas e nos EUA isso é um fato. No Brasil, tirando os 100 mil, você têm 200 milhões que não sabem nem que existe mercado ou que tem uma visão deturpada da bolsa.
RI: Quais os movimentos que as entidades têm feito para desenvolver o mercado?
Nogueira - Eu soube que existem mais de 800 iniciativas para promover o mercado de capitais no Brasil. Eu entrei em contato com a entidade formada com esse objetivo e falei do trabalho que estávamos fazendo para estimular o mercado no Brasil. Daí quis saber quais eram esses projetos e a resposta foi: é sigiloso. Não querem que seu projeto seja divulgado. De que adianta ter 800 iniciativas? A CVM está promovendo a regulamentação para pegar falhas na comunicação das empresas, para promover a abertura de capital, mas como podemos estimular a empresa a abrir capital sem estimular as pessoas a comprarem ações? Os estímulos a abertura de capital podem ser inúmeros, mas se você não disser para o futuro investidor que comprar é um bom negócio, não vai vender nunca. Tanto que o número de empresas listadas está diminuindo. Se você fizer uma pesquisa nessas mais de 300 empresas listadas e perguntar quais gostariam de fechar o capital, o número de respostas sim será bastante grande.
RI: Há alguns anos, o senhor criou o Instituto Nacional dos Investidores (INI), justamente para combater o problema da falta de educação. Como foi o projeto e por que não deu certo?
Nogueira - O INI não deu certo por falta de objetividade. A ideia nasceu há mais de dez anos exatamente com essa preocupação, de que faltavam investidores. O INI foi espelhado na NAIC - National Association of Investors Corporation, uma entidade americana cuja missão é formar pessoas para atuarem no mercado de ações, ensinando-as a investir através de pequenos clubes de investimentos. Eu fui em uma reunião de um desses grupos em Nova York, que contava com 14 pessoas e que já existia há mais de dez anos. A presidente do clube era uma enfermeira. Eles se reuniam todos os meses e a primeira parte da reunião era dedicada à educação. Já a segunda parte era dedicada a tomada de decisões. Ao fim da reunião, todos pagaram US$ 300, que era a contribuição mensal ao clube de investimento. Após a reunião fui conversar com eles no jantar. No clube tinha aposentados, engenheiros, advogados, as mais variadas profissões. Perguntei qual o montante de recurso do clube: US$ 220 mil dólares. Quando perguntei o montante da carteira própria de cada um caí para trás: o que tinha menos possuía US$ 400 mil. Daí perguntei por que quem tem isso na carteira própria participaria de um clube de investimento? A resposta foi simples: o grupo é o comitê de investimento. As decisões do clube influenciava a carteira individual de cada um. Daí eu trouxe essa ideia para o INI com o apoio da NAIC e da Bovespa. A ideia era formar pequenos clubes de investimento em todo o Brasil, mas isso, por outras razões, virou uma imitação dos fundos de investimento. As pessoas faziam clubes no Brasil para ter um tratamento diferenciado do fundo e poucos funcionaram como verdadeiros clubes. O problema é que as corretoras, nas atuais condições do mercado, perdem com pequenos investidores, pois a estrutura é cara. O INI nasceu espelhado na NAIC com as adaptações necessárias. Conseguimos apoio e dinheiro para a largada, para sustentar o instituto nos primeiros anos até que a ideia se espalhasse. O objetivo era que o INI fosse autossustentável com as anuidades dos clubes de investimentos. Infelizmente, quando o INI foi formado, eu tinha outras atividades que impediam minha participação integral. No final o objetivo do INI de educar através dos clubes nunca foi levado à frente. Foi distorcido desde a largada. Tanto é que teve que ser fechado há dois ou três anos. Agora voltei com a mesma ideia, mas com o aprendizado anterior. Quero criar um programa de educação financeira no Brasil inteiro.
RI: Uma das críticas que escutamos comumente é que o BNDES é o grande financiador das empresas quando deveria ser o mercado de capitais. O senhor acredita que essa concorrência está minando o mercado?
Nogueira - Quando não tem mercado de capitais para financiar as empresas, alguém precisa fazê-lo. O BNDES vem fazendo isso, ganhando poderes e escolhendo as empresas que quer financiar. No mercado de capitais, você vai e apresenta seu projeto e os investidores decidem. Uns entram e os outros não. No caso do BNDES você vai lá e apresenta seu projeto e uma pessoa decide se bota ou não o dinheiro. O BNDES ocupou um espaço que o mercado criou para ele. Não é ele que está matando o mercado. Alguém precisa financiar. Não há outra alternativa.
RI: É preciso apertar o cerco para o aprimoramento da governança no Brasil, diante dos recentes escândalos?
Nogueira - Os escândalos de mercado estão restritos a quem tem ações. Os cerca de 200 milhões de brasileiros estão alheios a esses escândalos. Não falo no escândalo de Petrobras que é público. Você conhece muita gente preocupada com governança? A maioria nem sabe o que é, e se sabem se perguntam: e daí? Não é comigo eu não tenho ações dessa empresa.
RI: Qual seria o mundo ideal?
Nogueira - Acredito que em termos de legislação, estímulos para abrir o capital e tudo o mais já existe o suficiente. Nós temos agora é que criar estímulos para que as pessoas participem do mercado e, para isso, é preciso educá-las e criar condições para que participem. As pessoas precisam saber disso, assim como as corretoras precisam permitir a participação de um maior número de brasileiros. Não falo dos 200 milhões, mas um salto de 100 mil para um milhão já representa dez vezes mais. Hoje, são 28 milhões de brasileiros que pagam imposto de renda, e desses só 100 mil estão na bolsa. É necessário um processo de educação com a participação das corretoras, da Bolsa, da CVM, etc. É preciso entender que qualquer um pode ser investidor e não podemos limitar o acesso a quem tem mais de R$ 300 mil reais. A educação através dos clubes de investimentos é o ideal. Estimular todos a participarem das reuniões, ensinar a poupar com o que puder. No início que o dinheiro vai para uma caderneta de poupança, mas com o tempo, os participantes vão sendo apresentados ao mercado e passam a comprar ações. As pessoas vão ficando conscientes. Uns aprendem mais rápido outros demoram, mas vão se movimentar. Ao mesmo tempo as corretoras passarão a se acostumar a atender o pequeno investidor e, certamente, terão mais negócios. Educação é a palavra.
Ronaldo Nogueira
Nasceu em Fortaleza (CE) no dia 31 de julho de 1938. Na infância morou em Montevideu (Uruguay) e Pelotas (Rio Grande do Sul) e desde 1948 está no Rio. Aos 21 anos, passou um ano na Europa, estagiando em bancos na Suécia e na Alemanha. Em 1961, formou-se em economia pela Faculdade Nacional de Ciência Econômicas da Universidade do Brasil, no Rio. Em 1966 passou um ano em Nova York, onde estudou no Graduate School of Business Administration da New York University, e estagiou nos bancos de investimentos Smith Barney e Kuhn Loeb. Durante sua vida profissional, além de trabalhar em instituições do mercado de capitais no Brasil, tendo sido fundador da ABAMEC, do IBRI e do INI. Desde 1989 tem ocupado até hoje o cargo de diretor de vários fundos de investimentos americanos (inclusive o Brazil Fund) e europeus.
ronaldoafnogueira@gmail.com