Educação Financeira

O PASSADO, O FUTURO & A PREVIDÊNCIA

Há algum tempo debati com meus alunos de Finanças Pessoais sobre a necessidade de os jovens se prepararem para a aposentadoria desde o momento em que começam a trabalhar. Ao final da aula, fui abordado por uma estudante, que questionou a preocupação com o futuro. A aluna tinha nas mãos um livro de citações com uma bela receita de felicidade.

A frase, talvez com uma longínqua inspiração Epicurista*, dizia: “para ser feliz, esqueça o passado, pois ele já passou. Não se preocupe com o futuro porque ele é apenas uma possibilidade. Concentre-se no presente, pois ele é a única coisa que de fato existe. Por isso leva o nome de Presente!”.

(*) Epicurismo é o sistema filosófico baseado nos ensinamentos do filósofo grego Epicuro de Samos, que viveu em IV a.C. e teve inúmeros seguidores durante cerca de sete séculos, perdendo representatividade durante a Idade Média. Epicuro propunha uma vida de contínuo prazer como chave para a felicidade.

A receita é muito bonita e atrativa à primeira vista, mas carece de compreensão sobre o funcionamento da mente humana. No processo evolutivo, o cérebro foi ganhando novas funções. Os mamíferos adicionaram ao velho cérebro dos répteis um sistema límbico afetivo. A afetividade era fundamental aos mamíferos, que precisam fazer uma troca não hedônica – a amamentação de seus filhotes, fundamental à preservação e multiplicação da espécie.

Acima do sistema límbico de algumas espécies de mamíferos começou a se desenvolver um sistema cortical, que (entre outras funções) cuida da racionalidade. Esse processo se acelerou nos hominídeos e, finalmente, o homo sapiens ganhou um proeminente córtex pré-frontal que tem por função pensar no passado e projetar o futuro.

Com o córtex ganhamos capacidade de pensar racionalmente e de criar aquilo que ainda não existia. Foi ele que permitiu, nos anos recentes da evolução, que nossa espécie dominasse o planeta. Pode até ser que tal capacidade de modificar o ambiente venha a inviabilizar nossa permanência na Terra e que tenhamos que devolver o planeta aos répteis e insetos, com seus cérebros antigos e simples.

Mas nosso cérebro, queiramos ou não, tem um “departamento” específico para pensar no passado e se preocupar com o futuro. Não há interruptor que permita desligar essa estrutura para finalmente nos concentrarmos apenas no presente. Ninguém com o cérebro humano conseguiria levar a vida de uma vaca, como sugerem algumas leituras extremamente simplificadas de Epicuro – que defendem que o homem deve buscar referências nos animais para se afastar da dor e se aproximar do prazer sem preocupações atemporais.

O valor substantivo do dinheiro
Queira ou não, o homem tem preocupações com o seu futuro e o de seus descendentes. Muitos podem até fazer de conta que não se preocupam com o que vai acontecer amanhã, mas só o que conseguem é isso mesmo: fazer de conta. Comandar o córtex a parar de pensar no futuro é o mesmo que tentar fazer com que o cérebro mande o coração parar de bater. Não vai adiantar, porque ele continuará batendo.

Temos aqui, então, um paradoxo. Para que as preocupações com o futuro não estraguem nossa qualidade de vida presente precisamos realmente nos preparar para o futuro. Quando nos preparamos para imprevistos e para a velhice, conseguimos reduzir nossas preocupações com o futuro e ganhamos mais tranquilidade para aproveitar o presente.

Quando a pessoa sabe que não tem qualquer reserva para imprevistos passa a temer que alguma coisa de ruim aconteça. Isso faz com que o cérebro preocupado com o futuro, o córtex pré-frontal, dedique muita energia nessa tarefa – atrapalhando as estruturas mais profundas e também o bom aproveitamento do presente.

Pense, por exemplo, em um casal que está fazendo uma viagem de carro por uma região desabitada e que leva um pneu reserva. É possível que a preocupação com os pneus do carro sejam mínimas. Talvez eles nem pensem na possibilidade de precisar trocar algum pneu. Mas se algum deles furar e eles passarem a não ter mais possibilidade de substituição, é provável que venham a ter grandes preocupações no restante da viagem.

Gerar tranquilidade para que as pessoas tenham mais paz de espírito e possam aproveitar mais o presente é o melhor que o dinheiro pode comprar.

O que fazer
Precisamos nos preparar para o futuro para poder viver em paz no presente. É claro que ao deixar de consumir agora para se preparar para o futuro corre-se o risco de não viver até lá. Mas não se preparar para a velhice é um erro que, além do risco de passar necessidades, agrega a certeza de um presente intranquilo.

Portanto, é aconselhável que as pessoas se preparem desde o primeiro dia de trabalho para o momento da aposentadoria. O teto da previdência vem caindo (atualmente está em R$ 4.663,75) mas projeções indicam que no futuro a previdência oficial vai pagar no máximo dois salários mínimos. Pagar a previdência oficial é muito importante pois ela também embute um excelente seguro para adversidades. Quem é empregado com carteira assinada é obrigado a pagar a previdência oficial. Autônomos, porém, muitas vezes acabam pagando a previdência por valores muito menores do que sua renda. Um profissional liberal que ganhe R$ 8 mil deve pagar a previdência pelo teto. Assim, caso tenha um problema que o incapacite para o trabalho - ou caso venha a faltar - conseguirá garantir o teto da previdência para si mesmo ou para seus dependentes.

Aqueles que desejarem se aposentar com mais do que dois salários mínimos precisam aderir a um plano de previdência complementar. Caso não queiram, precisam formar um bom pecúlio para sua aposentadoria, lembrando que aplicação em ações é fundamental para esta reserva.

Quanto mais tempo a pessoa demorar para se preparar para a aposentadoria, mais difícil será a tarefa de construir um bom pecúlio que garanta uma velhice tranquila. Quanto mais cedo a pessoa começar a acumular para a aposentadoria, mais riscos pode se dar ao direito de correr e, portanto, poderá ter mais expectativa de retorno sobre os investimentos.

Um jovem pode ter uma parcela muito grande do seu fundo de previdência aplicado em ações – o que não é aconselhável para uma pessoa que já esteja muito próxima da aposentadoria. Como aplicações constantes e diversificadas em ações trazem maiores expectativas de ganhos do que aquelas feitas em renda fixa, a carteira de um fundo com uma parcela maior de ações tende a render mais no longo prazo.

Além de um plano de aposentadoria, é muito importante a constituição de uma reserva para imprevistos e emergências. Essa reserva deve ser equivalente a três meses de gastos de uma família, no mínimo, e deve estar depositada em uma caderneta de poupança ou em alguma outra aplicação de elevada liquidez e baixo risco. Mesmo rendendo pouco, essa aplicação evita que a pessoa tenha que recorrer constantemente a empréstimos emergenciais muito caros, como o cheque especial e o financiamento de cartão de crédito.

Já os profissionais autônomos, como têm incertezas tanto nos gastos quanto nos ganhos, por não ter salário fixo, precisam ter a reserva um pouco maior. Também é importante que esses profissionais não deixem de pagar a previdência oficial.

Preocupar-se demais com o futuro pode ser um erro tão grave quanto não pensar nele. Quem se preocupa muito com o futuro estraga o momento presente. Pessoas que constituem reservas grandes demais acabam criando para si uma nova preocupação, que é o medo de perder o enorme patrimônio.

Levando em conta tudo isso, aquela frase do início do artigo poderia ser assim: “procure compreender e aceitar o passado, tirando dele lições para o futuro. Prepare-se para o futuro sem excesso de preocupações e não deixe de viver intensamente o presente”.

E, como não canso de repetir, só existem dois erros financeiros na vida:

1 - Economizar muito e morrer cedo.
2 - Economizar pouco e demorar para morrer.

Espero que você não cometa nenhum deles!


Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


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