Orquestra Societária

APROFUNDANDO O MODELO DE GESTÃO

Na edição 195 desta Revista RI, discorremos sobre modelos de gestão, genericamente, e sobre o Modelo de Gestão representado na Orquestra Societária, conceituada na edição 193, modelo esse que agrega dois níveis: Planejamento e Controle (Nível 1) e Liderança (Nível 2).

Conforme prometido, neste artigo, retomamos esses níveis procurando melhor qualificá-los por meio de perguntas e respostas. Iniciemos pelo Planejamento e Controle, conforme figura 1:

Figura 1 – O Modelo de Gestão e o Planejamento e Controle (Nível 1)

Notas:
1) O tracejado evidencia as três células-exemplo do Painel, focalizadas neste artigo.
2) O Painel é indicativo e tem caráter conceitual. Seu propósito é ilustrar o potencial de monitoramento.
3) Dos “sócios” aos “outros stakeholders”, a visão é a dos públicos estratégicos, ou seja, os stakeholders. Já a “estrutura e processos” se referem aos aspectos internos que não sejam o capital humano.

O que o Painel de Bordo contem?
O Painel apresenta os seguintes conteúdos principais, enfatizando-se que a estratégia representa sua variável mais abrangente: (i) objetivos, indicadores, metas e projetos para cada célula da matriz acima representada; (ii) apuração de dados qualitativos e quantitativos egressos da realidade observada; (iii) comparação entre o que foi planejado e o que foi executado. Quando se cria o Painel e se acompanham suas informações, pode-se afirmar sem medo de errar que se está fazendo gestão da estratégia. Ao mesmo tempo, o Painel contempla a equação da Orquestra Societária, apresentada no topo da figura 1, abrangendo, além dos resultados esperados para os vários públicos que orbitam ao redor da empresa, seu status quanto ao alinhamento e à mitigação de riscos.

Por que a estratégia se sobrepõe às demais variáveis sob sua influência?
A estratégia, que pode ser definida preliminarmente e de forma simplificada como sendo um caminho de sucesso da organização, para ser bem sucedida, deve dispor e, de fato, dispõe livremente sobre as demais variáveis. Cuidar da estratégia é trabalho inconteste dos dirigentes organizacionais.

Como estão representadas a ética, a governança e a sustentabilidade no Painel de Bordo?
A ética é premissa basilar de trabalho, está representada na parte inferior da figura 1 e deve perpassar todas as demais partes do Painel, a cada momento. Nesta oportunidade, sugerimos a leitura – ou releitura - do nosso artigo O império da ética, publicado na edição 192 desta Revista RI.

A premissa das boas práticas de governança corporativa está representada na parte inferior da mesma figura, estando também evidenciada nos seguintes tópicos: (i) na construção, execução e monitoração da estratégia, responsabilidade dos dirigentes e que resulta no próprio Painel de Bordo; (ii) na busca de compreensão do pensamento e das expectativas de stakeholders, primários e secundários, representados no Painel (sócios e demais); (iii) na criação de estruturas e processos de governança, alguns dos quais existem em função da legislação, regulamentação e autorregulação dos mercados em que a empresa opera. Mesmo assim, a criação de um item denominado “governança corporativa” no Painel, representado, por exemplo, ao lado do item “estruturas e processos”, poderia ser feita, para fins de detalhamento específico de aspectos de governança.

A premissa de sustentabilidade, assim como no caso da premissa de governança, está representada na parte inferior da figura 1, além de mais evidenciada em alguns tópicos: (i) na representação de variáveis econômicas, sociais e ambientais no Painel; o meio ambiente afeta, em especial, as gerações futuras; (ii) nas intervenções realizadas em estruturas e processos para inserir o conceito; (iii) na monitoração dos riscos. Similarmente à governança, um item denominado “Sustentabilidade” também poderia ser criado, para conferir mais destaque ao tema no Painel.

Como as três componentes da equação da Orquestra Societária – resultados, alinhamento e mitigação de riscos - se materializarão no Painel de Bordo?

Talvez esta seja a melhor pergunta da presente série e comecemos a resposta pelos resultados: eles serão materializados por meio de indicadores e intervenções para melhorá-los. Considerando, inicialmente, a célula destacada à esquerda, na figura 1 – Resultados x Finanças (Sócios), indicadores clássicos de finanças podem ser adotados para fins de planejamento e controle, a exemplo dos seguintes:

EXEMPLOS DE INDICADORES O QUE ELES MEDEM
Lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização
(Earning before interest, taxes, depreciation and amortization)
LAJIDA
(EBITDA)
Geração de caixa da empresa, a partir de suas operações
Lucro operacional
Operating profit
LOLIR Lucro da operação deduzido do imposto de renda e contribuição social. Não são consideradas as despesas e receitas financeiras e outras não operacionais ou não recorrentes
Lucro líquido
(Net profit)
LL
(NP)
Resultado final das operações, após depreciação, amortizações, receitas e despesas financeiras, imposto de renda e contribuição social
Retorno sobre o capital investido
(Return on invested capital)
RCI
(ROIC)
Retorno sobre os investimentos realizados, que deve ser superior ao custo de capital
Valor econômico agregado
(Economic value added)
VEA
(EVA)*
Lucro econômico, ou seja, valor econômico adicional criado em relação ao custo de capital
Custo médio ponderado de capital
(Weighed average cost of capital)
CMPC
(WACC)
Média entre os custos de capital próprio e de terceiros
Valor de mercado
(Market value)
VM
(MV)
Valor total de uma empresa ou ativo, calculado com base no preço de mercado

Nota - Indicadores não exaustivos. (*) EVA = Marca registrada Stern Stuart.

Consideremos, em segundo lugar, a primeira célula destacada à direita da anterior, na figura 1 – Mitigação de Riscos x Mercado (Clientes). Oscilações de preços de produtos e serviços são o exemplo clássico do risco de mercado no capitalismo, mas na célula em questão, os riscos associados ao mercado são considerados de forma mais abrangente e podem incorporar ameaças de atuação de concorrentes, novos entrantes e outras.

No Painel de Bordo da Figura 1, a dimensão “Mitigação de Riscos” poderia, eventualmente, ser ampliada para “Mitigação de Riscos e Identificação de Oportunidades”, haja vista que nem sempre as dúvidas em relação ao futuro significarão possibilidade de perdas; entretanto, para fins de detalhamento conceitual da Orquestra Societária, deixemos, por ora, o Painel tal como se encontra.

Prosseguindo na resposta da pergunta subjudice, consideremos, neste ponto, a célula destacada à direita, na figura 1 – Alinhamento x Pessoas e Recompensas. As pessoas e o sistema de recompensas são tão importantes que cabe aqui, uma reflexão, com base na pesquisa realizada pela consultoria PwC e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/EAESP), brevemente descrita adiante.

Essa pesquisa identifica desalinhamento claro entre desempenho e remuneração de executivos para as empresas pesquisadas. O que essa constatação sugere? A nosso ver, que o Painel de Bordo da figura 1 não pode prescindir de um indicador focado no alinhamento entre as duas variáveis citadas, ainda que esse seja qualitativo e possibilite duas alternativas de acompanhamento: “sim, existe alinhamento” e “não, não existe alinhamento”.

Os resultados dessa pesquisa são, de fato, surpreendentes e o desalinhamento entre desempenho e remuneração, que consome LAJIDA (EBITDA) de forma improdutiva, não é o único que pode ser identificado quando se consideram as pessoas e o sistema de recompensas, cabendo as dirigentes e aos seus staffs técnicos refletir em profundidade sobre focos adicionais de desajustes que podem destruir valor para os sócios e outros stakeholders. Desalinhamentos podem ocorrer de múltiplas formas, entre atores, processos, sistemas e outros elementos e o mais importante é atacar as fontes certas de desajuste improdutivo e destruição de valor.

PESQUISA PwC e FGV/EAESP
REMUNERAÇÃO EXECUTIVA E GERAÇÃO DE VALOR - PRÁTICAS DE REMUNERAÇÃO
E DESEMPENHO EM EMPRESAS DE CAPITAL ABERTO NO BRASIL  

Pesquisa publicada pela PwC e FGV/EAESP este ano, com dados de demonstrações financeiras e relatórios de gestão publicados de 2010 a 2013 de 62 empresas de capital aberto com ações listadas no Novo Mercado da BM&FBovespa, sendo 61% de grande porte e 84% de capital nacional, revela que: (i) o modelo de remuneração executiva no Brasil apresenta os mesmos componentes de modelos internacionais; porém, com ênfase nos componentes fixos de remuneração e na remuneração variável de curto prazo; (ii) a evolução da remuneração dos executivos apresentou baixa correlação com o crescimento das empresas; (iii) a remuneração dos executivos e a lucratividade das empresas caminharam em direções diferentes; (iv) a remuneração variável premiou, na maioria das organizações, fatores diferentes do desempenho econômico; (v) nas empresas que geraram valor, o modelo de remuneração é mais consistente e os executivos ganham mais do que a média do mercado; porém, na maioria da amostra, a remuneração não está orientada para a geração de valor; (vi) os mecanismos de governança corporativa para tratar a remuneração executiva evoluíram, mas ainda precisam ser aprimorados.

Destacam-se, aqui, três das seis conclusões dos pesquisadores João Lins, sócio da PwC, e Oscar Malvessi, coordenador do Núcleo de Value Based Management no Instituto de Finanças da FGV/EAESP:

  • Remuneração e lucratividade – houve um descolamento entre a lucratividade, medida pela variação do EBITDA, LL e LOLIR e a remuneração dos executivos. Enquanto a lucratividade da amostra caiu de 2010 a 2013, sendo mais significativa a queda de 31 %, a remuneração dos executivos cresceu no mesmo período 7%.
  • Desempenho econômico e remuneração variável – a remuneração variável premiou, na maioria das organizações, fatores diferentes do desempenho econômico. O descasamento entre a evolução da lucratividade e da remuneração variável leva ao aumento da parcela do lucro destinado a pagar a remuneração variável nas empresas. A manutenção deste desalinhamento pode representar um risco para as finanças da empresa e para a sustentabilidade do modelo de remuneração executiva de longo prazo. Pode gerar, também, um enfraquecimento dos princípios meritocráticos que norteiam os modelos de remuneração variável.
  • Remuneração e geração de valor – principalmente no período 2010 a 2013, as empresas de capital aberto analisadas apresentaram perdas na geração de valor medido pelo VEC, uma vez que o ROIC é inferior ao WACC. Entretanto, a remuneração total dos executivos cresceu, demonstrando claro desalinhamento com os interesses dos acionistas e com a geração de valor para a sociedade. Importante destacar que este comportamento não foi homogêneo, pois algumas empresas apresentaram geração de valor e evolução da remuneração executiva coerente com os resultados.

A pesquisa destaca que a remuneração variável é o principal mecanismo para vincular remuneração a desempenho, combinando elementos de curto e longo prazos, além de critérios e indicadores consistentes, e contribui para um melhor alinhamento estratégico entre o modelo de remuneração e a geração de valor no longo prazo, quando bem desenhada.

Um ponto de especial destaque no Painel de Bordo da figura 1 é a interconexão entre as várias células. Um projeto estratégico criado para contemplar um dado objetivo estratégico pode beneficiar indicadores de distintas células? Certamente e a relação de projetos estratégicos perpassa todo o conjunto de indicadores.

E por falar em indicadores, não estamos sugerindo que sejam criados muitos, mas entendemos que também não se pode engessar o trabalho da administração; os indicadores devem ser aqueles que fazem sentido.

Como se dará o alcance do Painel por toda a Organização?
Esta é uma questão importante e que será abordada com mais detalhes em nosso próximo artigo. Por ora, adiantamos que o Painel de Bordo deve facilitar o trabalho dos dirigentes e, enfim, de toda a organização. Assim, os níveis de acesso às várias partes do Painel devem ser criteriosamente pensados.

Consideremos, a partir deste momento, o Nível 2 do Modelo de Gestão da Orquestra Societária, conforme a figura 2, sem perder de vista as reflexões apresentadas nos artigos das edições 193 a 195 desta Revistas RI:

Figura 2 – O Modelo de Gestão e a Liderança (Nível 2)
 

O que é ser líder, no contexto da Orquestra Societária?
A Orquestra Societária contempla uma proposta de liderança baseada na lógica de trabalho dos maestros reais em relação às orquestras reais por esses regidas. Nesse contexto, ser líder, é atuar como maestro diferenciado. Nessa perspectiva, o maestro-líder exercerá sua a liderança de maneira suavemente firme, desafiando liderados a perseguir ideais, ajustando atividades onde e quando pertinente e extraindo o melhor que as pessoas têm a oferecer.

Como estão representadas a ética, a governança e a sustentabilidade no trabalho do maestro-líder?
Os princípios éticos, bem como a busca das boas práticas de governança e da sustentabilidade são elementos de sustentação do trabalho do maestro-líder. Todos esses elementos estão representados na parte inferior da figura 2.

Como o maestro-líder pode incrementar a administração das pessoas e do sistema de recompensas?
No que concerne às pessoas, e em consonância com o que temos dito em artigos anteriores, é fundamental ampliar sua percepção, de forma que essas se tornem cada vez mais conscientes quanto à visão do todo. Além disso, destacamos, uma vez mais, os seguintes pontos relevantes para um maestro:

- Visão - Criar uma percepção do futuro a ser construído.
- Fluxo - Permitir que o trabalho flua, sem interferências desnecessárias.
- Observação - Observar não apenas o que mas também como as coisas estão sendo feitas.
- Controle - Discernir o que deve do que não deve ser controlado, evitando sobrecarregar o Painel de Bordo.

Já no que tange ao sistema de recompensas, espera-se que o maestro-líder procure estimular níveis de satisfação intangíveis, como por exemplo, o bem estar resultante de contribuir para a Sinfonia Corporativa, buscando, concomitantemente, reconhecimento equilibrado das contribuições das várias partes da Orquestra. 

Como se dará o alcance da liderança dos maestros-líderes por toda a Organização?
A Orquestra Societária não é um modelo restrito ao corpo de administradores de uma empresa, devendo alcançar toda a organização.

Após essas considerações, finalizamos prometendo contemplar, na próxima edição, práticas de governança corporativa e a sustentabilidade, temas trepidantes a serem tratados no âmbito da Orquestra Societária; ao longo dessa nova etapa, as reflexões sobre liderança e maestros-líderes serão ampliadas.


Cida Hess
é gerente executiva da PwC, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia.
cida.hess@br.pwc.com

Mônica Brandão
tem atuado como profissional de finanças e estratégia, conselheira de organizações e professora em cursos de pós-graduação.
mbran@terra.com.br


Continua...