O cenário “sombrio” que se desenha para a economia brasileira em 2016, é que será mais um ano perdido. Na visão de economistas e especialistas do mercado financeiro e de capitais, não está descartado um agravamento da crise atual. Há controvérsias sobre o quanto o PIB cairá. Já a continuidade da recessão em 2016 é consenso.
No momento, o maior entrave é a situação fiscal. Os anos de desajuste das contas do governo pesam e forçam o Estado a cortar gastos e aumentar impostos. O pacote fiscal, doloroso primeiro passo para a recuperação conforme os economistas e analistas ouvidos pela Revista RI, depende da boa vontade política, fator que inexiste neste momento.
“O mais importante é reduzir gastos com mais intensidade, o que demanda esforço político. No entanto, há um elevado nível de intransigência do Congresso”, observa o presidente do Ibmec, Thomás Tosta de Sá, para quem as dúvidas quanto à permanência da presidente Dilma no poder pioram ainda mais o quadro.
Essa instabilidade política dificulta vislumbrar um cenário para 2016. “É difícil prever o quadro político. Entretanto, se o ajuste e as reformas estruturais forem realmente perseguidos, os investidores podem voltar”, afirma Marcelo Mesquita, sócio-diretor da Leblon Equities.
A falta de apoio político deixa o atual Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de mãos atadas e sem forças para levar a cabo o necessário ajuste das contas. “A nossa chance é resolver a crise política, para resolver a crise fiscal e, aí, a econômica”, diz o economista Ricardo Amorim, da Ricam Consultoria. Sua avaliação é de que a economia brasileira precisava de três ajustes principais. Destes, apenas dois são enfrentados.
O primeiro está relacionado ao desajuste das contas externas. “O estímulo ao consumo provocou o aumento das importações. Tal questão está sendo resolvida pela forte valorização do dólar”, explica. O segundo entrave consiste na persistência da inflação alta. O governo segurou o reajuste de uma série de preços, como gasolina, energia elétrica para depois das eleições, o que, agora, contamina os índices. Isso levou o Banco Central a elevar a taxa de juros, de 7% para 14,25%. “O processo de alta dos juros aliado à recessão, que reduz o consumo, devem levar a inflação ao controle. Existe a pressão cambial, mas no patamar atual é mais provável que o dólar caia do que suba. Isso ajudará a inflação a recuar e abrirá espaço para a queda dos juros”, projeta Amorim.
Resta o pior dos problemas e o mais difícil de ser enfrentado: o ajuste fiscal, que requer o corte de gastos e o aumento de impostos. “O componente político está afetando muito o desempenho da área econômico-financeira. Assim, fica muito difícil avaliar a atuação da Fazenda e do Bacen. O Banco Central depende da política fiscal que o Ministro busca aprovar no Congresso. Se o Congresso não aprovar as medidas em análise, o que não creio que acontecerá, a situação pode se agravar”, diz Roberto Teixeira da Costa, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários e conselheiro de empresas.
O primeiro governo Dilma gerou os problemas atuais. O segundo tenta resolvê-los. “A situação é complicada. Quanto mais demora o ajuste fiscal, pior fica o quadro. Levy está tratando da doença do desajuste econômico. É como um câncer tratado com quimioterapia. O remédio mata o câncer, mas, num primeiro momento, o doente fica mais fraco”, explica Ricardo Amorim. O economista não descarta que ocorram surpresas positivas no segundo semestre de 2016, mas tudo depende do lado político. “O início do ano será péssimo, mas em 2016 pode acontecer a virada”, destaca.
Mais otimista ainda é Roberto Troster, ex-economista chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Ele acredita que o dólar permanecerá no patamar atual e que a inflação recuará para menos de 6% ao ano, o que permitiria que a taxa de juros fosse reduzida ainda no primeiro semestre. No entanto, sua expectativa é de que o desemprego continue a subir e o PIB caia. “A intensidade depende de quão rápidas forem as correções na política econômica; se forem no atual ritmo, é um quadro que preocupa”.
Na mesma linha, vai o economista chefe para a América Latina do BNP Paribas, Marcelo Carvalho. “A política econômica que faz sentido é a que o governo busca fazer. O ajuste fiscal é dolorido, mas é o que tem de ser feito agora”, diz. Ele alerta que, mesmo que o governo consiga tal feito, surgem, num horizonte próximo, outras urgências. “Nos próximos dois ou três anos, será imprescindível ajustar a Previdência e a carga fiscal. São pontos que, se não forem corrigidos, resultarão em novas quedas no rating do país. Bons desempenhos terão os países que fizerem por merecer. É como em um jogo de cartas. Alguém pode começar com uma mão boa, mas quem ganha é aquele que joga melhor”, afirma.
Troster também considera que os problemas não se resumem ao ajuste fiscal. “O BC tem um discurso de baixar a inflação, o que é correto. A execução é passível de retoques. Mas a grande lacuna é o total descaso com a política de crédito. A inadimplência está batendo recordes e a autoridade monetária é totalmente omissa a respeito”, aponta. Quanto à Fazenda, Troster critica que a única preocupação seja alcançar o superávit primário em 2015 e 2016. “A questão das dinâmicas da dívida pública e do crescimento, que são a base do longo prazo, são ignoradas. Num momento como o atual, a prescrição clássica é a contundência, mas não está sendo seguida”, avalia.
Rebaixamento
Um complicador a mais para 2016 pode ser uma nova piora do rating do país. O próximo rebaixamento, acredita Marcelo Carvalho, virá novamente da Standard & Poor's. Esse, porém, não seria o maior dos problemas. “A S&P está com o dedo no gatilho e, se nada for feito, rebaixará a nota. Porém, o que complicaria mais a situação seria a retirada do grau de investimento por outra agência de peso”, diz. Em sua avaliação, a Moody’s não deve fazê-lo no curto prazo. “Mas a Fitch não se mostra otimista com relação ao país. Muitos fundos não podem deixar recursos em países que não têm grau de investimento”, alerta.
Expectativas deterioradas
Diante do quadro atual, marcado pela contração econômica, aumento do desemprego e a persistência da inflação, a crença geral é que tudo pode piorar. “Há um clima ruim. As expectativas pioram a cada mês e isso, por si só, acaba por piorar ainda mais a situação”, diz Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da CVM e sócio da Motta Fernandes Rocha Advogados.
A análise de Cantidiano fica evidente quando se olha as projeções do relatório Focus, publicação semanal do Banco Central que congrega as estimativas do mercado financeiro. Ao final de 2014, a mediana das estimativas dos economistas era de que o PIB brasileiro crescesse, em 2015, 0,55%, a inflação medida pelo IPCA atingisse 6,53%. A taxa Selic encerraria o ano em 12,5%. Durante 2015, mês a mês, as projeções pioraram. Na última pesquisa, divulgada em 20 de novembro deste ano, são previstos PIB negativo em 3,15%, IPCA em 10,33% e taxa Selic em 14,25%.
Para 2016, o mercado acredita em uma queda de 2% no PIB. No entanto, Marcelo Carvalho vislumbra um cenário ainda pior. A previsão do BNP Paribas é de uma retração de 3,2%. “Será um ano de recessão com alguma retomada no segundo semestre. A projeção de queda de 2% não me parece negativa o suficiente. A recessão é mais profunda e prolongada, lembrando que o Brasil não registra dois anos de recuo do PIB desde a década de 30”, afirma. A série histórica do PIB, medida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) demonstra que, por pior que fosse a situação econômica do país durante a década de 80, os anos de forte queda do PIB eram sucedidos por outros de crescimento.
Já a mediana das projeções de inflação para 2016, segundo o relatório Focus, é de que o IPCA ficará em 6,64%. “A boa notícia é que a inflação deve ceder diante da recessão, mas ainda se mantém pressionada devido à inércia cambial e ao aumento de impostos”, explica Carvalho. A expectativa do BNP Paribas é de que o indicador fique ao redor de 8% no próximo ano.
Com relação à taxa de juros, não há perspectiva nem de que o Banco Central decida elevar a taxa nem de que faça algum corte significativo. O mercado estima que a Selic saia dos atuais 14,25% para 13,75% ao final de 2016. A sinalização do próprio BC é de que, mesmo com a pressão inflacionária, provocada pelo câmbio, não haverá aumento de juros no curto prazo.
O pessimismo generalizado freia o consumo, um dos pilares do crescimento econômico anterior, que deve permanecer em queda. O Índice de Confiança do Consumidor, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), recuou 0,8% em outubro de 2015 e atingiu 75,7 pontos. Foi o quarto mês consecutivo em que o estudo atinge sua menor série histórica.
O mesmo se nota entre o empresariado. De acordo com a FGV, a prévia de novembro de 2015 do Índice de Confiança da Indústria (ICI) registra queda de 1,9 ponto em relação ao número final do mês anterior, ao passar de 76,2 para 74,3 pontos. A Fundação consultou 784 empresas entre os dias 03 e 17 de novembro. Já o Índice de Confiança do Comércio (ICOM) recuou 2,3% em outubro, atingindo 80,6 pontos, o menor nível da série iniciada em março de 2010 e sexto recorde mensal negativo do indicador. O resultado sucede quedas de 4,0%, em setembro, e 4,0%, em agosto.
Liquidação
Para os investidores estrangeiros, o Brasil tem se tornado barato, diante do real depreciado e da queda dos preços dos ativos. Mas o retorno do capital internacional depende da sinalização da política econômica, principalmente do ajuste das contas do governo. De acordo com Troster, na atual situação, uma política “contracionista” (juros altos e aperto fiscal) teria um efeito expansionista em função da reação que provocaria nos investidores.
Amorim concorda. Se demonstrar que o ajuste fiscal será realizado, o país retomará a confiança externa. “O Brasil está em liquidação para o investidor estrangeiro, o que irá gerar um ciclo positivo no futuro”, avalia.
Mas, conforme Nuno da Silva, diretor para América Latina do BNY Mellon, os investidores internacionais (assim como todos que cá estão) não conseguem visualizar qual será a agenda econômica do país. Porém, mesmo com incertezas quanto a reformas e o impacto do cenário político no econômico, o país ainda é visto como atrativo. “O que não se sabe é qual o momento certo de ingressar”.
Essa não é, porém, uma visão compartilhada por todos, particularmente por alguns investidores que passaram por aqui. Os investimentos internacionais feitos nas “top ten” brasileiras sofreram baixa de 37% desde 2010. “As empresas brasileiras terão de buscar novos investidores. O que se vê nas conferências é que há oportunidades. Mas, quem saiu do país só voltará diante de cenários político e econômico claros”, acrescenta.
As características que tornaram o Brasil atrativo no passado, muito vinculadas a variáveis externas, como o crescimento chinês de dois dígitos e recessão na Europa e nos Estados Unidos, não existem mais. Portanto, avalia Silva, preços podem estar baixos para o estrangeiro, mas não será um mercado para todas as empresas. “O que se observará atentamente é a situação financeira de cada companhia. O custo do capital permanecerá elevado e a boa performance será privilégio dos que dispuserem de recursos próprios”, afirma.
Cantidiano, porém, vê a depressão das ações e a alta do dólar como fatores que podem trazer alento à bolsa no médio e longo prazos. “Os papéis estão muito baratos”. Ao mesmo tempo, é esperado um movimento mais forte no segmento de private equity. Muitos captaram recursos para investir nas empresas, mas os empresários estavam cobrando caro. “Agora, como o valor está mais baixo, a compra de participações deve se intensificar”, acredita.
O empresariado vem se ajustando a esse quadro político-institucional e tomando medidas prudenciais para superar o difícil momento. “Devemos reconhecer que a crise pode ter aberto excelentes oportunidades para investimentos. Os investidores estrangeiros estão interessados e já tomando posições”, observa Teixeira da Costa.
Diante deste quadro, o profissional de RI deve ficar atento às circunstâncias que possam ocorrer no relacionamento com o mercado e, assim, tornar o mais transparente a estratégia de sobrevivência da empresa. “Particularmente o investidor internacional olhará não para o mercado, mas para cada empresa. Não será para todos. É um cenário em que o profissional de RI se torna essencial. A comunicação com esse público não poderá ser falha”, conclui Nuno da Silva.