As dificuldades em prever como e quando se resolverá a grave crise político-econômica, que atravessou 2015 - provocando expressiva desvalorização do real frente ao dólar - reduziram o potencial de atração de investidores estrangeiros para transações de M&A (Fusões e Aquisições) e operações do mercado de capitais, no país. Em dólar, o market capitalization (valor de mercado) das companhias abertas na BM&FBovespa, por exemplo, caiu de US$ 844,5 bilhões em 2014 para US$ 554,5 bilhões este ano (novembro), representando uma perda de quase 40%.
Para agentes do mercado, isso ocorreu porque o risco cambial e outras variáveis fundamentais para atuar nesses mercados, como crescimento econômico, juros e emprego ficaram praticamente imprevisíveis, fazendo com que o Brasil que hoje está barato, possa sair caro amanhã.
Segundo pesquisa da PwC, no período de janeiro a outubro deste ano a participação dos investidores estrangeiros nas transações de M&A foi de 51%, com aumento de apenas 5% em relação ao mesmo período do ano passado. Os Estados Unidos tiveram a maior participação no total de transações com 36%, seguido pelo Reino Unido, 7% e Alemanha, 6%.
O número total de as operações de M&A no país foi o menor dos últimos quatro anos. Atingiu 618 transações nos últimos nove meses, o que representou uma redução de 14% em relação ao mesmo período de 2014, quando foram realizadas 717 operações. Na comparação outubro de 2015 e o mesmo período de 2014 a queda foi de 31%, de acordo com a pesquisa.
No mercado de capitais, o saldo entre compra e venda de ações realizadas por estrangeiros ficou positivo e sem mudanças significativas em relação a 2014. Até novembro, o saldo estava positivo em R$ 20,8 bilhões, em comparação aos R$ 20,3 bilhões no fechamento de 2014. Em 2015 houve apenas um IPO realizado pela Par Corretora de Seguros e em 2014 também, com a abertura do capital da Ourofino de produtos veterinários.
Este ano, os estrangeiros responderam por 52,9% do volume de negócios da BM&FBovespa, cuja média diária foi de R$ 6,8 bilhões (US$ 2,1 bilhão), dados de novembro. Em 2014, a participação havia sido de 51,2% e a média diária de negócios e R$ 7,2 bilhões (US$ 3,1 bilhões).
Cálculo relativo
Para José Cláudio Securato, presidente do IBEF (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças) e da Saint Paul Escola de Negócios, enquanto os políticos continuarem impactando o cenário econômico, dizer que o Brasil está barato é um cálculo relativo. O investidor estrangeiro tem que ver valor no negócio quando entra, mas também quando sai, e nesse momento a variação cambial é um risco muito alto.
De acordo com Rogério Gollo, sócio da PwC, especialista em fusões e aquisições, os estrangeiros não compram só porque está barato. De modo geral as operações realizadas pelos estrangeiros têm como objetivo aumentar market share no Brasil, o que sem o crescimento da economia e do emprego não faz sentido. Decisões por fusões e aquisições estão baseadas em horizontes de três a cinco anos, dependendo do setor, aponta.
Também afetou o movimento desses mercados, a operação “Lava a Jato” e a decisão de adiar negócios tomada por empresas que tinham programa de abrir o capital ou fazer uma operação de M&A, mas preferiram esperar um cenário cambial mais favorável.
Segundo Marcela Waksman Ejnisman, sócia da área de fusões e aquisições do TozziniFreire Advogados, empresas envolvidas na “Lava a Jato” não são atrativas para estrangeiros por questões de compliance. Além disso, estão expostas a questões jurídicas complexas sobretudo porque as leis que punem casos de corrupção não conversam entre si.
Henry Sztutman, sócio do escritório Pinheiro Neto e presidente do Cojur (Comissão Jurídica da Abrasca), observa que empresas que estão sem liquidez por razões internas como contratura do crédito por causa da crise concordam em fazer negócios a preços menores. Na avaliação dele, de modo geral, o que existe é uma letargia de negócios, devido a uma forte neblina que não permite sequer enxergar 2016.
Previsões na berlinda
As previsões para 2016 ainda estão na berlinda. O ano poderá ser melhor ou pior dependendo dos rumos da crise político-econômica. Além disso, pesa sobre elas, o risco país. Tudo pode mudar se o país perder mais um grau de investimento na sua classificação de risco por empresas de rating, afirmam.
No feeling de Securato, o dólar continuará valorizando e o câmbio poderá ficar acima de R$ 4,00, em 2016. Para o próximo ano ele também se arrisca a prever redução de 2,5% para o PIB, desemprego em 11%, inflação em 7% e juros de 15,50%. Mas, conforme ressalta, tudo depende muito dos desdobramentos políticos e variáveis tais como: taxa de juros dos EUA, balanço de pagamentos, evolução da China.
Securato observa, porém, que o país tem muito mais a sensação de que tudo parou do que está de fato ocorrendo. “A redução de 3% do PIB em 2015 é um número para o Brasil inteiro e o Brasil é feito de negócios de setores, de regiões. Tem setores que ainda não apresentam nenhuma deterioração”. Entre eles, cita saúde, educação, tecnologia da informação, seguros, que são setores com altíssima qualidade de expansão, geração de caixa e rentabilidade.
Aquecimento na educação
No setor de Educação, a expectativa é de aquecimento de operações de fusões e aquisições e de abertura de capital, devido a necessidade das empresas de acompanhar o avanço tecnológico e de serem administradas de forma mais profissional, de acordo com Daniel Faccini Castanho, presidente da Anima Educação. Para ele, porém, este é um setor onde a participação de estrangeiros deverá ser modesta.
Para Castanho, ninguém vai conseguir ficar sozinho no mercado de educação porque seu core business será fortemente impactado pela tecnologia que vai criar o novo aluno, o novo professor, novos negócios. Apesar disso, ele não acredita numa consolidação radical no setor com meia dúzia de grupos atuando. “Empresas pequenas poderão ser alvos de vendas. Mas não vão desaparecer as empresas regionais porque há um sentimento de manter sua história e por isso ficar com quem vai continuar essa história”, acrescenta.
Pela pesquisa da PwC, este ano, TI foi o setor em que mais ocorreram transações nos últimos nove meses, foram 108. Em seguida, aparecem o setor de serviços auxiliares, que engloba segmentos como consultoria, administração, marketing e propaganda, assessoria e corretagem, e o setor de finanças, que acumularam 67 e 54 transações, respectivamente.
Por região, a pesquisa da PwC aponta que o Sudeste continuou liderando na preferência de investidores, com 73% de todas as transações feitas de janeiro até outubro deste ano. O estado de São Paulo concentrou 56% das transações realizadas na região. Em segundo lugar ficou a região Sul, com 77 operações,12% superior ao mesmo período de 2014.
Segundo Gollo, o potencial geral do movimento de M&A para 2016 é positivo. Muitos setores ainda são dominados por empresas pequenas que devem passar por uma consolidação. Além disso, o vendedor vai procurar outra atividade para aplicar os recursos obtidos, observa.
Aumento de alíquota
Na avaliação de Marcela Ejnisman, uma outra variável deverá impactar as operações de M&A: o aumento da alíquota do imposto de renda sobre ganho de capital, que vai passar para 30%, para valores acima de R$ 20 milhões. Segundo ela, a mudança já está tendo reflexos nas operações de novembro. “Estamos sentindo um movimento mais forte de fusões e aquisições neste final de ano, com empresas correndo para fechar operações antes da mudança fiscal.”
Duas grandes operações foram divulgadas em novembro. A compra de 44% da Alpargatas pela J&F, controladora da gigante de carnes JBS, por R$ 2,7 bilhões e o acordo anunciado pela companhia aérea Azul para receber uma injeção de capital de R$ 1,7 bilhão do grupo chinês HNA.
De acordo com a pesquisa “Perspectivas para o ambiente jurídico brasileiro em 2016”, realizada pelo escritório TozziniFreire, que ouviu mais de 120 executivos de companhias públicas e privadas do Brasil e do exterior, 36% dos participantes afirmaram que planejam participar de operações de M&A no próximo ano. Os setores mais ativos em termos de fusões e aquisições serão construção, hospitalar e tecnologia da informação.
Andando de lado
No mercado de capitais, 2016 não será o ano de retomada de IPOs. Analistas acreditam que o mercado de capitais vai continuar com muitos desafios e andando de lado (não cresce, mas não diminuiu). Segundo observam, para os estrangeiros o Brasil é um dos principais polos de investimento no mundo e continuará a ser porque quem concorre com o país é mais desestruturado.
Também não é esperada uma onda de fechamento de capital de empresas na bolsa. As operações serão isoladas. No entanto, empresas que já tinham intenção de fechar o capital poderão apressar suas operações porque o momento é favorável para isso.
Alfried Plöger, vice-presidente da Abrasca, não acredita que possa haver uma onda de operações de fechamentos de capital, por conta de um movimento de aquisições das companhias brasileiras por estrangeiros. Não é opinião dele, no entanto, isso seria melhor para a economia do país do que uma onda de falências, provocada pela falta de crédito e de investimentos, decorrentes da crise.
“Sou a favor que entre mais capital externo que traga benefícios para o país.” Segundo ele, as expectativas para o mercado de capitais não são otimistas. “A situação é ruim e uma redução do tamanho do mercado nas atual situação seria normal e saudável para criar condições de buscar novo crescimento. Encolher para arregimentar forças.”