Eu sempre me pergunto, por que precisamos que aconteça uma tragédia para que nos mobilizemos sobre o assunto e ainda com o risco de cair no esquecimento ao longo do tempo. Nossa memória não faz esquecer a derrota do Brasil no mundial de 1950, nem a derrota para a Alemanha por 7 a 1, mas não tem a mesma compreensão com eventos de alta gravidade, salvo quem passou pelo problema.
O Caso Samarco talvez possa ser inscrito entre os 10 maiores desastres ambientais conhecidos desde o pós-guerra. Os impactos de ordem ambiental, social e econômico deverão ser enormes. Depois do fato, acontecem as reações sobre o que deveria ter sido feito e não foi...
Entretanto deve também vir à mente as perguntas do que deveríamos estar fazendo e não estamos. Investidores, vocês sabem onde estão investindo? Vocês sabem os riscos que seus investimentos estão expostos? Qual a importância que você dá a gestão de riscos ambientais e sociais? Qual a importância que você dá à gestão de resíduos (que já está regulamento por lei federal desde 2010); Público Interno: eles têm conhecimento das condições de trabalho e segurança operacional? Comunidades: elas são informadas dos riscos a que estão expostas? Existe plano de retirada da população em caso de iminência de desastre?
São questões importantes que compõem o princípio da Responsabilidade Social e de um conceito de Governança abrangente que envolve não apenas os interesses dos investidores, mas de todas as demais partes interessadas envolvidas, pois todos são interconexos, apesar de não raro conflitantes.
O fato é que enquanto estivermos presos a modelos “business as usual”, que desconsideram uma série de externalidades não contempladas no processo de criação de valor para a companhia (mas que podem destruir valor da natureza e criar custos sociais), novos acidentes ambientes poderão ocorrer, lembrando o vazamento da barragem da Bauminas Mineração no Rio Muriaé em 2003 (dois bilhões em rejeitos equivalentes a 5% dos rejeitos vazados na barragem do Fundão); Exxon Valdez no Alasca em 1989; Petrobras nas plataformas off shore, BP no Golfo do México e, ainda mais recente, o desastre em uma Mina de Jade em Mianmar, com morte de mais de 100 pessoas, etc. Exemplos não faltam.
É fato que a composição de finitude dos recursos naturais, a pressão pelo crescimento econômico sem limites, turbinado pela China desde os anos 1980, a população global rumo aos nove bilhões de habitantes até 2050 - vêm impondo um stress crescente ao meio ambiente. Isto já vem sendo relatado, com preocupação, em inúmeros estudos sobre macro tendências globais neste século XXI pelas grandes consultorias globais. E o Brasil, por ter uma natureza ainda preservada e importante para o equilíbrio climático, é player global em mineração, pecuária, agricultura e madeira que concorrem para o desmatamento da Mata Atlântica (só restam 7%) nos últimos 480 anos, e da Amazônia e Cerrado nos últimos 50 anos. A Natureza vem sendo submetida a forte stress e esse é o foco dos problemas.
Devemos lembrar que os acidentes ambientais são de recuperação lenta, quando recuperáveis, e provocam prejuízos imediatos e significativos à população atingida. No caso do Rio Doce, em sua bacia habitam dois milhões de pessoas, das quais mais de 500 mil foram diretamente atingidas em sua estrutura social e econômica.
É importante dar mais atenção ao fato de que a perenidade de qualquer atividade econômica depende do uso sustentável dos recursos naturais, o que pressupõe medidas de preservação e regras rigorosas de gestão e governança do clima, das águas, das florestas, de suas minas e dos resíduos de exploração dos recursos, que incluem as barragens de rejeitos ainda usadas necessárias no setor de mineração em Minas Gerais e outros Estados.
Recentemente, na 2ª Conferência EFFAS-Apimec, os investidores estrangeiros ressaltaram que todos os riscos diretos ou indiretos, objetivos ou subjetivos que envolvam possibilidade de impacto econômico-financeiro, devem ser informados e considerados nos modelos de avaliação de empresas. Isso não é usual.
Problemas dessa natureza geram impactos sérios nas atividades e resultados das empresas e os prejuízos costumam ser expressivos, sendo difícil imaginar que o seguro (quando há) seja capaz de cobrir os prejuízos que ainda estão para ser apurados.
Chama ainda a atenção, no caso Samarco, a incoerência na relação entre controladoras e controladas quanto à questão do acordo de não interferência na gestão e ao papel do Conselho de Administração que tem quatro conselheiros todos da Vale e da BHP. É preciso entender como são definidas as estratégias de gestão e governança. Se os princípios são definidos pelo Conselho, o modelo de governança deve contemplar informações aos representantes dos acionistas sobre o status quo das questões relevantes e, a gestão de resíduos de minas é relevante, nesse caso, pela grande quantidade de rejeitos, em especial aqueles gerados por métodos que demandam o uso mais intensivo de água.
Mas surge uma dúvida. Essa incoerência é exclusiva dessa relação Vale-BHP/Samarco ou acontece em outras empresas? Isso é muito importante no caso das empresas congêneres dos setores de extração mineral e energia, inclusive as empresas controladoras de capital fechado, em que a transparência tende a ser menor. O que acontece por responsabilidade delas vai gerar os mesmos problemas e repercussões sobre o funcionamento de todo o setor. Devemos cobrar a prestação de contas dessas empresas com a sociedade em termos de exposição de riscos de externalidades severas? Como essa prestação de contas deve ser difundida?
É justo pressionar empresas de capital aberto que têm modelos de governança mais transparentes e sobre os quais ainda podemos exercer pressões por mais transparência? Sim é justo. Mas ficar no escuro com relação às empresas de capital fechado é tolerável? Não é. É importante que essas empresas, quando tiverem um determinado porte, exponham à sociedade a materialidade de seus riscos, sendo igualmente obrigadas a reportar sobre suas atividades.
Não resta dúvida que a Samarco, a Vale e a BHP deverão assumir todos os ônus da tragédia mesmo que legalmente a responsabilidade seja apenas da Samarco. Sabemos que vai haver mais rigor por parte da Vale e da BHP no controle desses riscos daqui por diante, depois do fato.
A questão fundamental é que os modelos de negócios das empresas devem evoluir e serem formulados a partir de seus objetivos sociais, cumpridos através de um processo econômico organizado, que dependem na totalidade da capacidade de prestação de serviços ambientais, e da importância da preservação do meio ambiente. A nova empresa integra Meio Ambiente, Sociedade e Economia através de um sistema de Governança que permita a correção permanente de rumos. Se assim fizermos estaremos partindo de fato para um novo conceito de negócios e consequentemente para novos paradigmas de avaliação de investimentos e de desempenho das empresas.
É importante que a relação com o Meio Ambiente seja redefinida em termos de sua materialidade nas recomendações e decisões de investimento e seja considerado não somente como condicionante de todas as atividades econômicas e sociais, mas também inspirador de novas oportunidades de negócios apoiadas em recursos renováveis e gestão eficiente de resíduos.
Quanto ao setor público, esperamos que o episódio Vale-BHP/Samarco sirva de modelo para tornar as questões ambientais transversais a todas as atividades econômicas e aos setores da administração pública que os fiscalizam e que ele atue efetivamente de maneira mais firme na prevenção dessas tragédias. Mas se verificarmos qual a parcela do Ministério do Meio Ambiente tem no orçamento federal para executar suas atividades veremos que o episódio requer uma revisão de prioridades.
Eduardo Werneck
é analista de investimentos CNPI, diretor de Educação e Sustentabilidade da Apimec, membro do Conselho Consultivo de Educação da CVM, membro do Conselho do CDP, membro do Grupo GT Investidores da Comissão do Relato integrado Brasil.
eduardowerneck@mls.com.br