É inegável que o mercado tem exigido mais transparência nas demonstrações contábeis e tem aumentado a demanda por relatórios mais efetivos. Os usuários das demonstrações contábeis brasileiras às vezes criticam o volume desnecessário de notas explicativas e a dificuldade para entendê-las. Mas este não é um problema unicamente do Brasil. Várias jurisdições internacionais estão reavaliando maneiras de melhorar o processo dos reportes corporativos e a comunicação com o universo investidor. O acompanhamento deste assunto é de suma importância para o profissional de Relações com Investidores.
Diante desse cenário, apresentar dados de forma mais sucinta, direta, simplificada e inteligente representa uma clara oportunidade de gerar valor e reduzir custos. Para isso, destaca-se a importância de conhecer o leitor, identificar os assuntos relevantes, sempre atentando para as exigências dos vários reguladores, as práticas contábeis e a relevância e a materialidade das divulgações.
Após a adoção em 2010/2009 dos pronunciamentos técnicos de IFRS emitidos pelo IASB e homologados pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, as demonstrações contábeis foram expandidas e atingiram recordes de páginas. Não é incomum encontrar demonstrações contábeis com mais de 150 páginas. Uma recente pesquisa da PwC Austrália constatou que a quantidade de páginas das demonstrações contábeis anuais aumentou 36% entre 2003 e 2013, passando de 150 para 189, em média.
Muitas informações trimestrais de empresas abertas repetem as mesmas informações das anuais, sendo que deveriam focar nas variações relevantes de saldos, novas operações, novas praticas contábil e mudanças de estimativas em relação aos relatórios anuais.
Além da quantidade de páginas, o linguajar denso e técnico também dificulta o entendimento dos leitores. Por exemplo, a frase: O valor histórico do imobilizado da divisão sofreu impairment de R$ 650.000,00 com base no valor em uso como resultado de um evento significativo seria mais facilmente compreendida da seguinte forma: Um incêndio na fábrica de Bangu causou um dano estimado em R$ 650.000,00. Nessa mesma linha, o leitor realmente precisa saber o número e em qual Vara se encontra um processo judicial? Provavelmente, não. Referenciar as normas contábeis (o número do pronunciamento) e datas das leis/decretos/deliberações é uma informação pouco útil para entender a posição financeira da companhia e os seus resultados financeiros.
Flores, Santos e Carvalho mencionam alguns motivos para o desinteresse do leitor, como o excesso de informações sobre situações sem relevância, explicações prolixas sobre atos legais ou normativos, a apresentação de diagramação precária de quadros analíticos e a duplicidade de itens.
Ao eliminar informações irrelevantes reduz-se o custo e o tempo de revisão pela Administração e pelos auditores independentes e também o gasto com a publicação em jornais.
Em momentos turbulentos, quando há escassez de capital, a complexidade e o volume de informações financeiras prejudicam ainda mais a análise de eventuais investidores, fazendo com que optem por investir em empresas cuja comunicação seja mais clara, direta e acessível. Numa pesquisa realizada globalmente pela PwC, 80% dos analistas de investimento disseram que as informações financeiras influenciam a percepção da qualidade da gestão.
Esta dificuldade não é enfrentada somente pelos leitores das demonstrações contábeis no Brasil, mas também em outros países pelos principais órgãos reguladores e normatizadores. O regulador norte-americano, a SEC, elaborou um comunicado em setembro (Disclosure effectiveness initiative) incentivando uma discussão mais ampla. O Brasil saiu na frente com a emissão da OCPC 07- Evidenciação na Divulgação dos Relatórios Contábil-Financeiros de Propósito Geral, no final de 2014, que estabelece as diretrizes para elaboração de notas explicativas a partir daquele ano e foi aprovada pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e pelo CFC (Conselho Federal de Contabilidade).
A PwC tem trabalhado ativamente com o Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado – CODIM, responsável por estabelecer as melhores práticas de divulgação para atender às necessidades do mercado e que tem auxiliado diversas empresas na simplificação de suas demonstrações contábeis.
Mais importante do que a simplificação, é a chamada “geografia” das notas explicativas, que estará causando uma revolução no formato do relatório. Neste aspecto, as empresas australianas estão realizando mudanças radicais, como as divulgações da Iron Road ao apresentar gráficos, Transurban ao apresentar as políticas contábeis de reconhecimento de receitas na respectiva nota que apresenta os saldos por tipo de receita e o Southern Cross Media Group ao apresentar as estimativas e julgamentos relevantes na nota explicativa juntamente com os saldos. A Westfarmers reduziu o volume de suas demonstrações contábeis em 35% e a Amcor, em 28%. No Brasil, a EDP pode ser considerada uma referência com divulgações mais claras e inovadoras.
Globalmente a PwC tem promovido algumas alterações em seu modelo ilustrativo das demonstrações contábeis em IFRS, publicado em setembro de 2015, e a firma brasileira está lançando o modelo da “Companhia ABC” nestes mesmos moldes.
O foco não é somente a redução da quantidade de páginas, embora este seja o resultado obtido com o agrupamento e reorganização das informações, mas também a maneira de apresentar as principais políticas contábeis e o julgamento crítico referente aos respectivos saldos. Além disso, busca-se a integração dos KPIs (Key Performance Indicators) em todas as formas de divulgação da companhia: press release, relatório da administração, MD&A, ITRs, demonstrações contábeis anuais, Formulário de Referência (e o Formulário 20-F), relatório de sustentabilidade, relato integrado, entre outras, para maior consistência entre as diversas mensagens.
Após a leitura detalhada do material técnico, o Diretor de Relações com Investidores deve trabalhar com os outros diretores para melhorar a forma de divulgação das informações financeiras da empresa. A primeira etapa é ouvir e entender as necessidades dos usuários, compreender as exigências contidas nas normas, avaliar o canal de comunicação e elaborar uma nova estrutura de apresentação.
A segunda fase é a preparação do relatório, a partir do entendimento das análises internas e do processo decisório e o uso de recursos e estruturas disponíveis (comitês, manuais, entre outros) para alcançar os objetivos pretendidos.
A apresentação das informações financeiras afeta a percepção da eficácia da Administração da empresa. As demonstrações contábeis, Formulário de Referência, relatório anual da administração, press release, Formulário 20F entre outros, devem comunicar uma mensagem, focando nos KPIs, e coordenada entre si e com o Relatório Integrado. Esta mensagem deverá estar alinhada também com os seis princípios incorporados no ESG Report (Environmental, Social, and Governance Report) do PRI - Principles for Responsible Investment, que já demonstra uma tendência forte no Brasil por uma divulgação mais transparente dos aspectos Ambientais, Sociais e de Governança.
Enquanto não existe um “mapa” ou manual para elaborar demonstrações contábeis mais inteligentes, reunimos cinco dicas para otimizar as divulgações financeiras:
Dica #1: Crie um framework - Agrupe o conteúdo em seções de maneira lógica. Assim a informação fica fácil de ser encontrada. Por exemplo: na indústria de bens de capital, aluguéis + imobilizado, enquanto para uma instituição financeira, receita com juros + empréstimos + depósitos. Agrupar a nota de análise (com os saldos) + a nota da prática contábil + a nota de riscos + a base das estimativas, alterando a geografia e a sequência das notas.
Dica #2: Considere a materialidade - Somente inclua as divulgações que são materiais para o entendimento do desempenho. O conceito de materialidade deve ser utilizado para determinar o que é relevante para os usuários das demonstrações contábeis e omitir as informações que não são materiais, focando nos saldos e transações materiais. Assim os usuários não serão distraídos por informações que não afetam suas decisões.
Dica #3: Destaque as informações importantes – Dê destaque às informações mais críticas, assim como às variações relevantes de saldos, novas operações, novas práticas contábeis e mudanças relevantes nas estimativas, não repetindo nos reportes intercalares as informações, padrões e políticas apresentadas no relatório anual (incluir nota explicativa direcionando o leitor para estas informações). Transfira detalhes e raciocínio jurídico para as respectivas seções do Formulário de Referência, sem prejudicar a leitura das demonstrações contábeis.
Dica #4: Use linguagem clara - Use explicações com linguagem simples e evite a utilização de jargões. Se questione - o leitor consegue entender nosso negócio com base no que está descrito nas notas explicativas?
Dica #5: Melhore o visual - Use cores, cabeçalhos, gráficos em barras (com saldos contábeis de referência) e tabelas para auxiliar os leitores a navegar no relatório e melhorar a legibilidade.
Estamos presenciando uma verdadeira revolução na maneira de apresentar as divulgações financeiras das entidades e os benefícios são muitos: alinhamento entre os porta-vozes e meios de comunicação, maior confiança na qualidade das informações por meio da criação de Comitês de Divulgação e processos de revisão, vinculação de políticas contábeis, cumprimento das normas contábeis e regulatórias, simplificação das informações trimestrais com foco nos acontecimentos do período, relegando as informações não críticas a outros veículos de comunicação (Formulário de Referência, relatório da administração, etc).
O papel do DRI (Diretor de Relações com Investidores) e do Presidente do Comitê de Auditoria (ou do Conselho) é fundamental para estabelecer um norte alinhado com os interesses dos stakeholders na promoção de uma comunicação financeira mais inteligente. Neste fim de ano o DRI terá uma oportunidade de trabalhar para melhorar a comunicação com os analistas de mercado.
Douglas Ribeiro é Gerente Sênior da PwC Brasil