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NOVA REGULAMENTAÇÃO DAS RECOMPRAS DE AÇÕES

A nova regulamentação de operações com ações de sua própria emissão abriu para as companhias abertas um leque de possibilidades. À primeira vista, salta aos olhos a maior complexidade da ICVM nº 567, quando comparada à sua longeva antecessora, a ICVM nº 10, mas esta característica não deve nublar a mais potente inovação: a ampla liberdade concedida aos órgãos da administração para empregar as ações em tesouraria em variadas operações.

Para apreciar devidamente a extensão desta modificação na norma, é preciso recordar que, anteriormente, negociações feitas fora de bolsa de valores deveriam, como regra geral, ser previamente aprovadas pela CVM. Tais pedidos tornaram-se usuais para a remuneração de administradores em ações (havia autorização regulamentar específica apenas para planos de opção), existindo também alguns precedentes de uso de ações como pagamento de preço em operações de aquisição de empresas.

Naquele cenário, ainda que o uso das ações em operações que demandassem a negociação privada pudesse ser permitido, enfrentava inconvenientes sensíveis para o ritmo dos negócios.

Em primeiro lugar, toda a operação que não tivesse sido previamente aprovada em termos análogos estava sujeita a razoável incerteza. Em segundo lugar, mesmo em relação àquelas operações para as quais havia precedentes que forneciam razoável segurança quanto à sua aprovação, havia a incerteza quanto ao momento de sua efetiva aprovação pela CVM.

Com a nova regulamentação, diversas operações que antes dependiam de aprovação pela CVM passam a ser aprovadas diretamente pelo Conselho de Administração ou pela Assembleia.

O Conselho de Administração poderá, por exemplo, aprovar operações com privadas com ações de própria emissão em diversas situações. Em outras hipóteses, será necessária a aprovação da assembleia. Mesmo neste caso, porém, é possível que haja mais celeridade no processo, e de todo modo a companhia poderá antecipar com maior precisão os prazos envolvidos no negócio.

Com isto, as ações em tesouraria passam a representar uma eficiente moeda de troca em operações celebradas pelas companhias abertas. Deste modo, uma das grandes vantagens de uma companhia aberta com ações negociadas em bolsa, que se encontrava trancada pela regulamentação, foi liberada. Os efeitos não podem ser menosprezados.

No âmbito desta liberdade, porém, algumas operações literalmente permitidas pela norma devem ser avaliadas com cautela. Em princípio, operações que não representem percentual significativo das ações em circulação, realizadas a preços de mercado, sem a finalidade de alterar controle ou administração, e que não envolvam partes relacionadas, poderiam ser deliberadas livremente pelo Conselho de Administração. Isto poderia levar à conclusão de que um programa de recompra poderia ser executado integralmente de forma privada, sem qualquer questionamento.

Neste caso, porém, a administração deverá ter cautela para o risco de que se questione, por exemplo, o critério para a seleção do acionista que terá suas ações recompradas.

A CVM, no relatório relativo a esta Instrução, destacou entender que as compras privadas de ações devem ser adotadas em casos pontuais, e com justificativas específicas, não havendo expectativa de que venha a ser realizado “programa de recompra” por meio de operações privadas:

Além disso, com relação à preocupação expressa por alguns participantes sobre a equitatividade entre os acionistas, cabe destacar que, independentemente do ambiente em que sejam cursadas as operações, os administradores estão sujeitos aos deveres fiduciários previstos nos art. 153 e seguintes da Lei nº 6.404, de 1976. Portanto, a mudança prevista na norma não deve de modo algum ser interpretada como uma permissão para que os acionistas sejam tratados de modo injustificadamente discriminatório.

“Nesse sentido, cabe ainda destacar que negociações de ações fora de mercados organizados tendem a ocorrer em situações pontuais e cujas justificativas poderão ser examinadas à luz das informações previstas no anexo à norma. Não se espera que companhias adotem “programas de recompra” de ações por meio de operações privadas e eventuais negociações que se aproximem de práticas dessa natureza serão objeto de análise diferenciada por parte da CVM.” (destacou-se)

Portanto, a finalidade da norma, ao permitir de forma razoavelmente abrangente negociações privadas, parece ser abranger situações particulares, e não operações que, em tese, poderiam ser cursadas em bolsa.

Ainda no âmbito da liberdade conferida pela novel regulamentação, cabe notar a admissão de negociações privadas, mesmo sem aprovação por assembleia, quando destinadas a cumprir planos de remuneração baseados em ações. Para tanto, é necessário que o plano tenha sido previamente aprovado em assembleia, e que contenha os parâmetros de cálculo do preço de exercício das opções de ações ou do cálculo do preço das ações, conforme o caso.

No caso dos planos de outorga de opções, a definição do parâmetro de cálculo do preço permite inferir qual o benefício econômico decorrente da outorga de um determinado número de ações, tendo em vista que este benefício será muito diferente caso o preço seja, por exemplo, de R$ 0,01 ou correspondente ao preço de mercado em determinado período.

Quando se trata, porém, de outros modelos de remuneração baseada em ações, o cálculo do preço de ações pode não ser relevante. Com efeito, frequentemente tais planos determinam que o Conselho de Administração fixará determinado número de ações a ser entregue aos beneficiários do plano, sem que haja um pagamento em contrapartida por parte dos beneficiários. Em tal modalidade de plano, a definição de um determinado parâmetro de cálculo de preço não afetaria o montante de ações a ser entregue aos beneficiários, justamente porque o preço das ações não determina nem a quantidade de ações a serem entregues, nem tampouco o montante da contraprestação a ser fornecida pelo beneficiário, tendo em vista que não há previsão de pagamento em dinheiro relacionado a esta remuneração baseada em ações.

Em tais modalidades, a melhor interpretação parece corresponder àquela de que a finalidade da norma seria atingida desde que o Programa, aprovado em assembleia, tenha fixado o parâmetro para estabelecer a quantidade máxima de ações que será objeto do Programa. Se a definição é com base em um determinado valor em moeda, que será convertido em ações, neste caso faz sentido que seja também fixado o parâmetro de cálculo do preço das ações. No entanto, se a definição for feita diretamente em número de ações, não seria preciso estabelecer tal parâmetro do calculo do preço.

A ampliação da variedade de operações com ações próprias confere às companhias abertas maior flexibilidade em suas operações, com potencial de gerar benefícios significativos para o mercado. Neste contexto, a nova regulamentação abriu diversas possibilidades para que tais operações sejam desenvolvidas, sem a necessidade de autorizações administrativas específicas. Por outro lado, em se tratando de regulamentação que vem substituir a duradoura ICVM nº 10, é natural que novos questionamentos passem a surgir a partir de sua efetiva aplicação, como é o caso do exemplo mencionado relativo aos programas de remuneração baseados em ações, para os quais um esclarecimento da CVM acerca das situações em que realmente é necessário fixar parâmetros de cálculo do preço das ações, e em que termos, fornecerá maior segurança para as operações.

Fernando de Andrade Mota
é bacharel em Direito, mestre e doutorando em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Societário pela Direito GV. Advogado em São Paulo.
fao@bmalaw.com.br


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