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BÔNUS DE PRODUTIVIDADE, PREVISTO NA MP 765, PODE DESFIGURAR O CARF

Em dezembro do ano passado o governo editou a Medida Provisória 765, que dentre vários pontos, criou o Programa de Produtividade da Receita e o Bônus de Eficiência e Produtividade na Atividade Tributária e Aduaneira. A medida foi a saída encontrada pelo governo para aumentar a remuneração de auditores fiscais sem conceder aumento salarial. De acordo com a MP, o dinheiro para pagar o bônus virá de um fundo composto das multas que forem aplicadas a contribuintes em autuações fiscais. A decisão veio em resposta a uma greve dos auditores que afetou o funcionamento do órgão e reduziu a arrecadação tributária.

Evidentemente que ninguém é contra a recomposição dos salários dos servidores, que consideramos uma reivindicação justa e possivelmente necessária. Porém a forma como esta recomposição está sendo feita compromete seriamente a imagem do órgão e de seus profissionais. Afinal, a nova norma cria conflito de interesse em uma atividade onde este tipo de dúvida não pode existir.

O ponto que mais chama atenção na MP 765 é o seu artigo 5º que cria o bônus de produtividade e eficiência, cujos critérios serão definidos por um Comitê Gestor e a base de cálculo será mensurada conforme valor arrecadado das seguintes fontes:

I - arrecadação de multas tributárias e aduaneiras incidentes sobre a receita de impostos, de taxas e de contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil a que se refere o artigo 4º da Lei no 7.711, de 22 de dezembro de 1988, inclusive por descumprimento de obrigações acessórias; e

II - recursos advindos da alienação de bens apreendidos a que se refere o inciso I do § 5º do artigo 29 do Decreto-Lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976.

O ponto mais preocupante para as companhias abertas é que os membros do setor público do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), por serem ocupantes dos cargos efetivos na Receita Federal, também farão jus ao pagamento do bônus, o que cria um potencial conflito de interesse. Afinal são eles que votam pela condenação ou não da empresa em relação à autuação fiscal. Como o CARF poderá manter a imparcialidade diante do interesse de atingir metas para receber bônus? Qual será a interpretação dada ao artigo 42 do Regimento Interno do CARF, que impõe o dever de os Conselheiros se declararem impedidos quando houver “interesse econômico ou financeiro, direto ou indireto” na causa?

Inconstitucionalidade
Segundo o tributarista Igor Mauler Santiago, a criação do bônus é inconstitucional e levará o Brasil de volta à época dos contratadores de tributos, responsáveis por colher os impostos à Fazenda Real de Portugal durante o período colonial. Pelas regras da época, os contratadores tinham de atingir as metas estipuladas pela metrópole, mas podiam ficar com o excedente. Um contratador famoso foi Joaquim Silvério dos Reis, o delator de Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira.

Outra questão polêmica é que os auditores fiscais receberam o bônus em dezembro e janeiro a título de “antecipação de cumprimento de metas”. E nos períodos subsequentes, permanecerão ganhando um valor fixo mensal até o Comitê Gestor do Programa de Produtividade instituir a metodologia para a mensuração da produtividade global e a criação do Índice de Eficiência Institucional.

Cabe aqui uma comparação: se uma empresa pagasse a seus empregados Participação nos Lucros e Resultados (PLR), sem que houvesse metas previamente definidas, certamente os valores acabariam tributados ou cancelados pelas autoridades fiscais. No entendimento do próprio Conselho, qualquer pagamento de PLR só pode ocorrer com base em regras previamente fixadas. Ora, se esta interpretação da legislação vale para as companhias, por que tem que ser diferente para o CARF?

A importância do CARF
O Grupo Tributário da Abrasca, que recentemente debateu a MP 765, destacou que a medida não respeita a lógica da proposta de bonificação por produtividade, pois os analistas aposentados e os pensionistas – que já não produzem - também farão jus ao bônus.

Embora a premissa geral de isenção e profissionalismo seja inquestionável em relação às autoridades fiscais, no entendimento dos associados da Abrasca, a medida pode incentivar excessos em certos casos o que também descaracteriza o objetivo de incentivar a produtividade.

Cabe lembrar que, em março de 2015, o CARF foi alvo da Operação Zelotes da Polícia Federal, que apurou suspeita de manipulação no resultado de julgamentos. Este fato afetou seriamente a imagem do órgão, que sofreu novo abalo em 2016 com a greve dos técnicos da Receita Federal e pode ficar paralisado novamente por conta da MP do bônus. Uma nova paralisação poderia fortalecer o Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados para extinguir o Conselho, que remonta uma tradição desde a década de 20 do século passado.

No entender dos representantes das companhias abertas a extinção do Conselho seria negativa, pois o tribunal apresenta qualidade na formação das suas sentenças. Além disso, julga mais rápido do que a Justiça, o que é o mais importante. Em 2016, mesmo parado por dois meses, o CARF proferiu mais de 10 mil decisões que, do contrário, seriam encaminhadas aos tribunais.

Portanto, a Abrasca defende a supressão do artigo 5º da MP 765, que cria o bônus de produtividade e eficiência, não apenas por sua inconstitucionalidade como também para preservar a imparcialidade do CARF, que representa a última instância administrativa para pessoas físicas e jurídicas questionarem autos de infração da Receita Federal.

Antonio D. C. Castro
é presidente da ABRASCA - Associação Brasileira das Companhias Abertas.
abrasca@abrasca.org.br


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