Em 2009, o etnógrafo e escritor Simon Sinek viralizou um vídeo que o tornou conhecido em todo o mundo graças a uma pergunta formulada por ele e postada aos internautas. Ele indagava: “Por que você agiu dessa forma?” Seu questionamento surgiu de sua curiosidade em saber porque diversas pessoas haviam cometido atos de sacrifício por outros, em organizações como o Exército americano.
O resultado das conversas realizadas por ele e apresentadas no vídeo viralizado mostrou que, periodicamente, os internautas mantinham uma repetição lógica nas respostas, seguindo o mesmo padrão de percepção e valor. As respostas eram sempre: “porque os outros fariam o mesmo por mim”. Interessante citar sua fala em uma entrevista sobre a sua popularidade após a publicação do vídeo concedida ao jornal Valor, em 2015, quando indagado pela repórter sobre a importância de se construir confiança em uma empresa.
“Sem confiança”, disse ele, “uma organização não é nada, pois não é a estrutura corporativa que produz resultados, mas a confiança que essas pessoas sentem uma pela outra”. E ressaltou ainda: “ela permite que ideias, colaboração e trabalho floresçam; oportunidades sejam criadas e perigos sejam prevenidos”.
Em artigo de 2009, outros autores (Zanini, M. Lusk e E. & Wolff, B.), no artigo acadêmico intitulado “Confiança dentro das Organizações da Nova Economia: uma Análise Empírica sobre as conseqüências da Incerteza Institucional”, inserem o termo confiança na reciprocidade e na boa vontade instaurada entre os pares, momento no qual ela se transforma em poderoso indicador de competência da empresa em criar contextos capacitantes para a flexibilidade e a inovação - baseados em relações de cooperação que se tornam espontâneas.
Esse padrão de relacionamento torna-se extremamente eficiente para evitar muitos problemas já que se tratar da obtenção de um nível adequado de confiança a partir das palavras dos outros. Não se trata de uma commodity que pode ser facilmente comprada, mas de um “lubrificante” que confere eficiência às transações econômicas.
Sob esse prisma, confiança está relacionada à ideia de risco, já que sempre que transações se caracterizam por relações repetidas entre os agentes, com certa probabilidade de continuidade, a sua presença emerge como um mecanismo social para a sua redução, componente inerente a qualquer relação humana. Afinal, segundo os autores, “quando uma pessoa confia à outra um determinado valor, antecipadamente, ela pré antecipa a possibilidade de aferição de resultado positivo”.
Enfim, se a relação se sustenta na confiança, ela acaba transformando-se, ao longo do tempo, em fonte de vantagem competitiva, ampliando o olhar externo, o compartilhamento e a ligação superior com todos os stakeholders, o que gera valor.
Os significados do termo confiança nunca estiveram tão alinhados com o contexto do mundo atual e com os termos que contemplam o tema principal deste artigo. Relacionar e ilustrar a sintonia existente entre norma, compliance, reputação e comunicação é nosso principal desafio.
A confiança organizacional ou sistêmica serve como fonte de informação para que indivíduos possam transacionar e realizar investimentos em determinados sistemas sociais de menor escala como uma empresa. De acordo com os autores anteriormente citados, essa confiança envolve três níveis: o primeiro está relacionado ao grau de desenvolvimento de uma sociedade, sendo o mais difícil de ser observado já que se refere ao compartilhamento de uma mesma visão de mundo e de suas verdades relacionadas. O segundo, ao compartilhamento de determinadas normas e valores pelos membros desta sociedade, de forma a dirigir comportamentos e atitudes e o terceiro refere-se ao grau de confiabilidade percebido pelos seus membros.
Muitos instrumentos institucionais reforçam e asseguram os investimentos de confiança em uma sociedade complexa como a contemporânea. Dentre os exemplos apontados por diversos autores estão: contratos, certificações, garantias e, por último, reputação, sinalizando certo grau de confiabilidade e mediação às interações humanas.
O sistema capitalista é, sob a perspectiva weberiana, historicamente dependente de regulamentações e normas que alinhem seus objetivos e seu processo de expansão à uma “normalidade” macro, garantindo a continuidade, a renovação e o fluxo contínuo desse processo.
O grande desafio para toda empresa nos dias atuais, de uma sociedade e ambiente econômico complexos, interconectados, “mundializados” e em mutação a cada 24 horas, é obter a sintonia exata entre as normas que permeiam o ambiente externo do cotidiano do indivíduo - onde se encontram os indicadores de confiança e geração de valor dos ativos “intangibilizados” das empresas -, às normativas institucionais e regulatórias.
As normas implicam em um conjunto de regras e leis que servem para determinar comportamento e que devem ser cumpridas em um determinado lugar e tempo. São distintas e normalmente estão relacionadas diretamente ao organismo que as promulga e cuja função é fazer com que sejam cumpridas por aqueles que lhe devem obediência. No cômputo, podemos distingui-las das sociais, universo no qual estão os costumes, as tradições, a cultura relacionada ao cotidiano da vida, da existência, da vivência do coletivo de dada sociedade, de suas tradições e história.
Além da religiosa, as morais relacionam-se diretamente à consciência do indivíduo, seus valores, muitas vezes definindo suas atitudes e impactando seus julgamentos.
Nesse universo situamos a reputação, mas àquela que extrapola o universo racional da gestão empresarial e da imagem das organizações. Refiro-me a reputação que se sustenta nas virtudes, no universo da moral e no limiar das coerências entre esta e o respeito, a justiça e a verdade, transparecidas e percebidas, experimentadas, vivenciadas pelos diversos e sujeitos das relações de cada empresa. É nessa ambiência que transitam as bases da confiança – base, na configuração das relações econômicas na contemporaneidade, que gera percepções de valor futuro e garante, em consequência, a materialidade dos ativos.
Se a relação entre normas, reputação e confiança transpassa pelo comportamento e a garantia do valor depende de uma resposta comportamental positiva em relação aos significados proferidos e às interpretações que passam pelo universo moral de cada contexto organizacional, a urgência na adoção de procedimentos é premente. Assim, as recentes normativas globais impostas por organismos como a ISO (International Standard Organization) - uma das organizações mais confiáveis quando se trata do estabelecimento de normatizações técnicas em escala global - ganha importância significativa no processo, minimizando comportamentos “divergentes” daqueles percebidos como virtuosos ou reputáveis por cada empresa.
Chegamos, enfim, às normativas que vêm sendo impostas globalmente às empresas, tanto no universo da gestão, como àquelas que fornece diretivas ou um conjunto de guidelines, como por exemplo, a ISO 19600:2014 – Compliance Management Systems – Guidelines, disponibilizandoum conjunto de disciplinas utilizadas para fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as políticas e as diretrizes estabelecidas para o negócio e as atividades da empresa, bem como evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer. Ela baseia-se no modelo PDCA (Plan – Do – Check – Act) para a construção de uma estrutura de controle e melhoria contínua de processos.
O compliance é, na realidade, uma das maiores preocupações da Administração atual para a Gestão de Riscos e implica na implantação de um amplo programa, que em seu âmago, estrutura-se quase como uma “Legislação” organizacional que orienta comportamentos - “elencados” aos valores morais (dos líderes e liderados) e éticos de cada empresa.
Quando estes vão sendo alinhados dentro das diretrizes traçadas pela NR, essa nova “ISO” tem-se transformado em importante auxílio não apenas na minimização dos riscos, como dos potenciais problemas de corrupção, fraude e de má conduta, além da integridade dos processos e dos procedimentos a serem adotados, por exemplo, em uma crise, de qualquer nível de relacionamento, com stakeholders – que pode impactar em perda de confiança e, em consequência, reputação.
Uma das peculiaridades dessa Normativa ISO19600 é que, de acordo com os especialistas, ela foi elaborada como uma diretriz, ao invés de um sistema de gestão certificável, o que abre a possibilidade para que, não apenas médias e grandes empresas tenham acesso, mas também pequenas empresas possam avaliar e implementar soluções adequadas às suas operações, criando um sistema de gestão que atenda, especificamente, às suas necessidades e possibilidades.
A prática do Compliance Corporativo é um dos temas mais atuais e de discussão global que auxilia as empresas no desenvolvimento de uma plataforma sólida, proporcionando integridade na relação das pessoas e dos negócios. Ele tem sido percebido como o suporte que a gestão dispõe para não apenas minimizar os riscos, mas como uma norma efetiva que fornece a diretriz de como orientar-se nas mais diversas situações e problemas que possam impactar no risco de perda Reputacional.
O grande desafio, extrapolando esse modelo racional é manter a coerência dos discursos em relação aos valores organizacionais m relação às práticas do dia a dia frente aos desafios do complexo ambiente de negócio.
O que sempre tenho orientado às empresas é que quando partirem para a adoção de um amplo Programa de Compliance extrapolem a imposição do “certo e errado”. Antes de definir a Lei, busquem o entendimento das diversas interpretações morais existentes em seu ambiente organizacional. Difícil, impossível! ouvi de muitos. Não é, respondo, e lembrem-se, caros executivos, que nos dias atuais qualquer que seja o Programa adotado, ele não oferecerá nenhuma garantia se, efetivamente, não houver envolvimento, dialogo, negociação e comprometimento com a(s) regra(s) que estão sendo estruturadas.
A partir dessa negociação e do estabelecimento dos limites e da aceitação das mesmas, transformados em Norma (Oficial, Institucional) da organização que é que se pode passar a gerir os riscos. Se compromissados, entendidos e assumidos por todos, a empresa poderá, em situações efetivas de potenciais crises, minimizar ao máximo as perdas potenciais – sejam elas de percepção positiva de imagem de marca, de reputação de empresas ou de confiança nos discursos - sejam eles para qual público que estejam sendo direcionado, proferidos. Dessa maneira, a sintonia entre a Norma Organizacional e a confiança poderá validar os títulos e premiações, certificações gerais que validam a reputação virtuosa.
Essa reputação, quando alcança esse padrão, torna-se referência de compliance para os demais agentes econômicos e, nesse momento, a empresa adquire o grau de confiança necessário para a perenidade de seus ativos. Exemplos? Podemos citar alguns, mas seríamos injustos com os demais que estão, efetivamente, esforçando-se para atingir esse patamar Reputacional. Estes que se esforçam estão galgando, com certeza, os novos paradigmas das organizações do novo universo do capital cognitivo, alinhadas com os paradigmas que norteiam a geração de valor dos novos ativos da economia contemporânea – inteligência, conhecimento, inovação, responsabilidade, equidade, sustentabilidade, etc.
Voltando ao questionamento realizado pelo escritor Simon Sinek, citado no início deste artigo: “Por que você agiu dessa forma?” E a sequência de respostas obtidas por ele: “porque os outros fariam o mesmo por mim”.
Assim vamos a um simples exercício, seguido de um grandioso desafio. Seria ótimo dispor de um feedback dos leitores bem como dos gestores do universo das relações – internas e externas de sua Companhia – responderiam “porque esta marca, esta empresa, faria o mesmo por mim”! Aqui está o grande desafio da relação entre Norma, Compliance, Reputação.
A conclusão que eu posso fornecer a esse artigo? “Fazer o mesmo por mim” tem a mesma proporcionalidade de dependência e relação com o grau de dialogo mantido e a inteligência, a postura assumida pelo processo adotado pela comunicação em sua empresa. As divagações e o que significa esse processo ficam para um próximo artigo.
Ana Lucia De Alcântara Oshiro
é consultora em reputação, comunicação das organizações e diretora geral da Tatica Consultoria em Reputação, Comunicação e Marca. Autora do livro Reputação, Norma, Confiança e a gestão virtuosa Integradora, editada pela Buqui Editora.
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