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Afinal, o que é Bitcoin, criptomoedas e Blockchain?
No ano de 2008, alguém que se identificou como Satoshi Nakamoto apresentou o conceito Bitcoin em um grupo de discussões chamado The Cryptography Mailing. No ano seguinte, em 2009, lançou a rede Bitcoin com a emissão da primeira moeda digital mundial descentralizada. Embora tenha alegado ter 37 anos e ser japonês, sabe-se que isto não deve ser uma realidade, pois seu inglês é perfeito e seu software Bitcoin não foi documentado ou rotulado no Japão. Não se pode nem auferir seu sexo ou se é apenas um gênio ou um grupo de pessoas. Sabe-se que “Satoshi” em japonês significa “pensamento claro, inteligente, rápido”. “Naka” está relacionado aos conceitos de “médio, interior ou relacionamento”. Já “Moto” pode significar “origem”, ou “fundação”.
Um dos empresários que tentou assumir a identidade de Satoshi Nakamoto como o criador do Bitcoin foi o australiano Craig Wright. O fez em entrevistas à BBC e à revista The Economist. No entanto, não apresentou provas suficientes, pois desistiu de realizar uma transferência que provaria que era mesmo o criador da moeda criptográfica Bitcoin. Mais recentemente, Sahil Gupta, ex-estagiário da SpaceX, afirmou que Elon Musk, fundador da PaylPal e CEO da Tesla, provavelmente era Satoshi Nakamoto. O boato foi desmentido pelo próprio Musk. A identidade do criador da Bitcoin permanece um mistério.
Duas pizzas por US$ 110 milhões
Em meados de maio de 2010, o programador Laszlo Hanyecz, fez uma oferta inusitada: pagaria 10 mil Bitcoins por duas pizzas. Esta foi a primeira vez na história que uma moeda virtual foi usada para pagar algo real. Mas seu comprador até hoje deve se arrepender amargamente do feito. Se, na época, cada Bitcoin valia poucos centavos de dólares, hoje vale mais de US$ 11.000,00.
Segundo o Twitter Bitcoin Pizza, conta voltada a mensurar diariamente o valor da pizza paga pelo programador, em valores do início de dezembro de 2017, a refeição custou cerca de US$ 110.000.000,00 (cotação de 03/12/2017). O valor não é comparável a nenhum caviar, foie gras ou qualquer espécie de carne nobre servida nos mais luxuosos restaurantes do mundo.
O valor da Bitcoin passou a subir a partir de 2013, quando começou a se tornar um ativo especulativo. Para se ter uma ideia, em meados de 2014, os Bitcoins pagos por Hanyecz pelas duas pizzas valiam US$ 5 milhões. Somente em 2017, a valorização soma cerca de 900%. Hoje cada criptomoeda deste tipo está cotada em mais de US$ 11 mil e, apesar da elevada volatilidade, a expectativa é de que supere rapidamente os US$ 12 mil e por aí vai.
Além da Bitcoin, existem cerca de 1.300 criptomoedas no mundo, número que já se encontra defasado, pois a cada dia surgem novos ativos do gênero. Entretanto, a liquidez está concentrada em um número pequeno de criptomoedas. Segundo a Coinmarketcap.com, no dia 3 de dezembro, o valor de mercado destes ativos era de US$ 330.220.409.445. Apesar de tanta diversidade de ativos, os cinco primeiros da lista, com destaque para a Bitcoin, concentravam na data 83% do valor de mercado: US$ 269.899.701.578.
Somente a Bitcoin responde por US$ 184.078.706.696 ou 55,74% do total. O valor atual das Bitcoin em circulação supera o da Disney, cerca de US$ 160 bilhões. A diferença é que a Disney tem ativos reais enquanto que a Bitcoin não é sequer uma empresa. O sistema é completamente descentralizado. “Qual é o lastro? Há o argumento do Blockchain como lastro, mas ele apenas garante a existência da Bitcoin. Não há como se avaliar a dinâmica de preços. Estes ativos não existiam e sua dinâmica não é conhecida”, observa o estrategista-chefe da Eleven Financial, Adeodato Volpi Netto.
Para Rodrigo Batista, CEO da Mercado Bitcoin, o que está ocorrendo no momento é que o mercado está tentando descobrir quanto vale o ativo, que passa a ser usado como uma reserva de valor, característica do ouro, que movimenta trilhões de dólares no mundo. “Hoje o mercado vale cerca de US$ 300 bilhões. É pouco? É muito? Na verdade, seu valor ainda está para ser descoberto. É uma forma de guardar riqueza mais acessível que o ouro”, comenta.
A Mercado Bitcoin, que atua no Brasil desde 2011 e é uma das mais tradicionais no segmento de intermediação de compra e venda de criptomoedas, presenciou um exponencial crescimento de clientes neste mercado. Até 2013, eram cerca de dois mil usuários da plataforma e, atualmente, o número chega a 600 mil. “Em 2015, atingimos a casa de 100 mil clientes; em 2016, dobramos. Já no ano de 2017, conquistamos ao redor de 100 mil clientes a cada dois meses”, afirma Batista.
Ele lembra que, quando, em seu início, o mercado era composto basicamente por usuários aficionados em tecnologia (Geeks), mas o perfil mudou muito. Hoje, grande parte dos investidores está relacionada a pessoas que querem diversificar seu portfólio ou foram atraídas pelas elevadas taxas de rentabilidade. “Há também o aumento do interesse do mercado financeiro como um todo no Brasil, com relatórios financeiros e análises de casas tradicionais”, ressalta.
O crescimento da demanda levou a Mercado Bitcoin a oferecer mais de um tipo de moeda. “Antes não ofertávamos outras criptomoedas porque não havia demanda. Hoje trabalhamos também com o Bitcoin Cash e o Litecoin, por exemplo”, destaca Batista.
O crescimento da busca pelo Bitcoin no mercado mundial e no Brasil gera também novos negócios. Tanto que nasceram diversas plataformas de negociação no mercado nacional. Dentre elas está a BitcoinTrade. A ideia nasceu do aficionado em tecnologia Daniel Coquieri, que lançou seu primeiro negócio digital em 2006. “Vimos que as corretoras no Brasil não estavam completamente preparadas para lidar com o crescimento tão forte do mercado no Brasil e decidimos ingressar”, explica Coquieri, que responde pelas operações da empresa. Ele vê que o crescimento do volume e de interessados neste tipo de operação deve continuar muito forte devido às altas taxas de retorno. “As cinco principais corretoras brasileiras recebem mais de sete milhões de visitas”, explica.
Blockchain: a revolução
Quando foi lançado, o Bitcoin tinha como objetivo que pagamentos on-line fossem feitos com dinheiro eletrônico diretamente de pessoa para pessoa (peer-to-peer), sem que a transação passasse por qualquer banco ou instituição financeira. No entanto, havia uma barreira: como garantir a veracidade e legitimidade das transações?
Assim, surge a tecnologia Blockchain, que armazena as informações em blocos de dados, em que cada um contém uma espécie de assinatura digital chamada hash - garantia criptográfica de que as informações desse bloco de dados não foram violadas. A cadeia de informações não pode ser alterada ou apagada. Com o uso do Blockchain, os peers recebem todas as informações em tempo real e têm a garantia de que não há fraudes nas transações. “Esta tecnologia é tão revolucionária quanto foi a Internet. É uma mudança sem precedentes”, destaca Volpi Netto.
Cada Blockchain não está centralizado em um único lugar e conta com um grupo de máquinas independentes, chamado de "nó”, o que torna a rede segura. Os computadores ou smartphones interligados ao Blockchain são responsáveis por fazer a "auditoria" das transações. São recompensados em troca do poder computacional para fazer os cálculos matemáticos para garantir que o hash é válido. É a partir desse ponto que surgem os blocos e também a mineração.
Em Blockchain, mineração é a verificação e validação de todas as transações que acontecem na rede de Bitcoin. A mineração é feita na Internet e utiliza softwares e computadores específicos com capacidade para processar transações peer-to-peer. Qualquer pessoa pode contribuir nesse processamento. Cada minerador passa a fazer parte dessa rede, que se assemelha ao Torrent. A compensação é em Bitcoins.
Cada bloco é criado em um tempo constante e a rede Blockchain pode se ajustar para exigir mais ou menos dos nós. A exigência tornou cada vez mais difícil conseguir minerar uma moeda concorrida como o Bitcoin. O esforço de qualquer tentativa de mudança aos blocos da Blockchain cresce exponencialmente a cada bloco anterior que se tentar realizar a mudança. Ao mesmo tempo, a rede continua trabalhando e adicionando novos blocos, o que torna o Blockchain cada vez mais seguro e praticavelmente imutável.
A exigência para minerar é tamanha que, segundo os dados da Digiconomist, a combinação do consumo anual estimado de eletricidade do Bitcoin e do Bitcoin Cash aumentou para 31 terawatt-hora, média superior à energia consumida anualmente por 159 países. A mineração destas duas moedas é responsável por 0,13% do consumo global de energia, o que equivale 61º consumidor de maior potência do mundo. Mas nem todos os mineradores sabem que estão fazendo isso. Estima-se que mais de 1,5 milhão de computadores estão minerando para hackers.
Moeda?
No conceito econômico puro, para ser considerado moeda o ativo deve ter três funções básicas: A primeira é a possibilidade de ser usado como meio de troca, ou seja, para comprar bens e serviços. A segunda função é como estoque de valor e ocorre quando o indivíduo deixa de gastar a moeda e decide poupá-la para ganhar um rendimento futuro. Por último, deve ser uma unidade de medida, possibilitando que haja uma referência de valor entre os preços dos produtos transacionados.
As criptomoedas são comumente definidas como moedas digitais inventadas por programadores para a realização de compras online. Mas tratar estes ativos assim causa controvérsia, pois a variação brusca nos preços inviabiliza o seu uso como meio de troca ou unidade de medida. Por isso, existe um debate se as moedas digitais são efetivamente moedas (como dólar, euro ou real) ou apenas ativos de investimento arriscado. “Não podemos caracterizá-las como moeda, pois ainda não são conversíveis e não conseguimos realizar trocas. Cada Blockchain tem um nicho específico”, explica Volpi Netto.
Outra questão é que, com a valorização constante, as criptomoedas passaram a ser vistas como reserva de valor e não um meio de adquirir outros bens. Neste sentido, têm ocorrido um descasamento entre a oferta e a demanda, onde muitos desejam comprar e poucos estão dispostos a vender.
Tokens digitais
É comum confundir criptomoedas, como o Bitcoin, com tokens, como a Ethereum. No entanto, existem diferenças, pois as primeiras foram criadas com o propósito de serem moedas e os tokens, com o objetivo de serem distribuídos para valerem algo no futuro, pois podem armazenar níveis complexos, multifacetados de valor e são gerados por um Sistema de Contrato Inteligente (SCS), além de serem altamente programáveis e possuírem multifuncionalidades por causa disso.
“Os tokens digitais se assemelham às antigas fichas de fliperama ou telefonia que usávamos na década de 80. Servem para acessar um serviço ou crédito. Podem representar ações de uma empresa ou o recebimento e uma dívida. O emissor é que define”, explica Batista. Neste sentido, os tokens podem ser comparáveis às antigas ações ao portador, extintas no Brasil pelo governo Collor.
A Ethereum, rainha dos tokens, tem demonstrado uma valorização muito maior que o Bitcoin. Somente este ano, a segunda “moeda virtual” mais negociada no mundo subiu mais de 5.000% (dados da Coinmarketcap). Sua capitalização de mercado está acima dos US$ 40 bilhões.
Quem está entrando...
O crescimento do mercado de criptomoedas e tokens é tão grande que a Bolsa de Chicago decidiu lançar uma plataforma de negociação regulamentada para o mercado futuro de criptomoedas. Os contratos futuros serão liquidados em dinheiro com base na Taxa de Referência Bitcoin CME CF (BRR). Os contratos futuros em Bitcoin da empresa seguirão as mesmas diretrizes dos mercados tradicionais da CME. “Dado o aumento do interesse dos clientes nos mercados de criptomoedas em constante evolução, decidimos introduzir um contrato de futuros de Bitcoin”, declarou Terry Duffy, CEO da CME Group.
A decisão veio após a LedgerX começar a negociar contratos futuros de criptomoedas, mais especificamente de Bitcoin. A autorização do órgão regulador americano veio em julho deste ano, mas somente em outubro é que a empresa declarou oficialmente que já estava negociando os derivativos. Segundo a plataforma, na primeira semana, foram negociados 176 contratos de swaps e opções, o que supera US$ 1 milhão. Em comunicado, o CEO da LedgerX, Paul Chou, declarou: “Esta semana, um novo padrão foi definido para transparência, supervisão e garantia da contraparte. Os investidores e traders institucionais agora podem contar com um processo garantido de compensação e liquidação ao negociar contratos de Bitcoin”. Além do Bitcoin, a empresa está autorizada a negociar outros ativos qualificados como criptomoedas.
Recentemente o presidente do Federal Reserve Nova York, William Dudley, declarou que o banco central dos EUA considera lançar uma moeda digital própria, apesar do ceticismo em relação à corrida pela Bitcoin. A ideia, entretanto, ainda está em estudo. De acordo com o presidente do Fed de São Francisco, John Williams, não existe um plano oficial do BC norte-americano para emitir uma moeda digital em breve. No entanto, ele não descarta esta possibilidade.
Esta tem sido a postura de diversos bancos centrais em todo o mundo devido à expectativa de mudança nos meios de pagamentos digitais. A possibilidade de os guardiões do sistema monetário emitirem criptomoedas aumentaria a concorrência com as alternativas atuais. A diferença é que o órgão regulamentador teria mais vantagens em relação aos concorrentes.
O grande rival dos EUA durante a guerra fria também não descarta emitir sua própria moeda virtual. Em outubro deste ano, o ministro das Comunicações da Rússia, Nikolai Nikiforov, afirmou que a respectiva norma legislativa do governo já existe. "Estou afirmando com tanta certeza a introdução do 'criptorublo' - CrytoRuble - por uma razão simples: se não o fizermos, nossos vizinhos da União Econômica Eurasiática o farão em poucos meses", declarou a um jornal do país. O político fez questão de destacar que a moeda será diferente: não poderá ser minerada e não significará a legalização das criptomoedas na Rússia.
Em toada similar, mas com objetivo diferente, está o presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Ele acaba de anunciar a criação da criptomoeda Petro. O ativo deve servir para efetuar transações financeiras no exterior e combater o que ele chama de bloqueio econômico contra o seu país. O lastro da moeda será dado pelas reservas de petróleo, gás, ouro e diamante da Venezuela e busca ampliar as formas de financiamento econômico. O país também vai criar o Observatório do Blockchain, órgão que deve controlar as transações com a moeda digital, e proporcionar uma base institucional, política e jurídica para a criptomoeda venezuelana Petro.
É bolha?
A crescente corrida pelos Bitcoins gera a discussão sobre a real situação do mercado. Está se formando uma bolha financeira ou não? A resposta é controversa, pois na literatura financeira não existe arcabouço teórico para confirmar se este é o caso. Ao mesmo tempo, o nome bolha financeira remete a esquemas de pirâmides e a algo pejorativo, o que é rechaçado por aqueles que acreditam nas criptomoedas.
Dentre as diversas teorias que explicam as bolhas financeiras, está a teoria do mais tolo, a qual abrange aqueles investidores inexperientes que estão em busca de grandes retornos em pouquíssimo tempo. Em resumo: o tolo compra um ativo caro, sabendo que está pagando mais do que deve porque acredita que há um mais tolo que ele que pagará ainda mais.
Esta teoria, que demonstra certa irracionalidade do investidor, está relacionada a três outros fatores. O primeiro, um dos mais antigos da história, é a ganância do investidor. Por conseguinte, está a própria tomada de decisões mais relacionada ao emocional que ao racional e, por último, encontra-se a questão do status: ninguém quer parecer “careta” e ficar “fora da festa”.
A “festa” das criptomoedas parece se enquadrar nesta teoria, exceto, por um fator: seu próprio status de “ativo único”, que tem sido usado como reserva de valor por muitos. “Não há parâmetros para compararmos o comportamento das criptomoedas com outros ativos. Estudos demonstram que há cada vez menos pessoas querendo vender. Há um redesenho do comportamento da demanda e da oferta. É cedo para classificar esse movimento como bolha, mas merece atenção porque estes ativos não existiam e sua dinâmica não é conhecida”, explica Volpi Netto.
Para o advogado especialista em direito digital Fernando Barrueco, as negociações com criptomoedas configuram uma bolha que não vai estourar ou que não chegam a ser bolha. “É uma bolha que infla e desinfla e que tem espaço como o ouro e o diamante como reserva de valor”, afirma.
Um dos diferenciais do Bitcoin em relação a outros ativos que se tornaram bolha é a divisibilidade. “O ativo não limita os centavos em seu valor, pois é infinitamente divisível”, explica Batista. Outra questão destacada pelo especialista é que a oferta do ativo é limitada e conhecida pelo mercado. “O preço hoje está ao redor de R$ 30 mil, mas se entram milhões de pessoas, mais casas decimais são utilizadas”, destaca.
Segundo o economista Robert J. Shiller, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2013 por sua pesquisa intitulada "Tendências em mercados de ativos", que previu a bolha da Internet no final da década de 1990, e a bolha imobiliária americana, os Bitcoins representarão um crash econômico semelhante ao que ocorreu com o mercado de ações dos EUA, pouco antes da grande depressão de 1929. De acordo com sua previsão, a criptomoeda terá alta por um determinado período, como ocorreu no mercado de ações norte-americano durante a década de 1920, mas a queda será inevitável.
É hora de regular?
No Brasil, recentemente, tanto a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quanto o Banco Central soltaram pareceres sobre a negociação de criptomoedas no País. Nenhum dos reguladores, entretanto, foi incisivo sobre o que deve ser feito com esse mercado. Os anúncios ficaram mais no “tome cuidado” do que no “vamos fazer alguma coisa”.
Existem inúmeras questões ao redor da moeda virtual que levam mais as autoridades monetárias a alertarem a população sobre os riscos destes tipos de investimentos do que a arriscarem a pôr as mãos na “batata quente”. Algumas nações, como o Japão e a Alemanha, já legislaram sobre o Bitcoin.
Os alemães consideraram que a moeda pode ser usada como um meio de troca privada multilateralmente, sem a necessidade de pagamento de taxas em transações pessoais, mas em transações comerciais todos estão sujeitos ao pagamento de 25% de impostos na fonte. A medida ajuda a legitimar o uso das moedas digitais pelos alemães, mesmo que elas não tenham o peso do euro. Segundo a legislação, caso as empresas queiram usar Bitcoin para transações comerciais, precisam da permissão da Autoridade de Supervisão Financeira Federal (BaFin).
Já no Japão, o Bitcoin é legalizado e é possível pagar com a moeda em restaurantes, lojas de equipamentos eletrônicos, conta de gás e até salários. A legislação, de abril deste ano, foi um dos motivos que fez a cotação da criptomoeda disparar em nível global.
No Brasil, o Banco Central emitiu um comunicado no dia 16 de novembro alertando que as criptomoedas não são emitidas nem garantidas por qualquer autoridade monetária e, por isso, não têm garantia de conversão para moedas soberanas nem tampouco são lastreadas em ativo real de qualquer espécie, ficando todo o risco com os seus detentores. “Seu valor decorre exclusivamente da confiança conferida pelos indivíduos ao seu emissor”, diz o documento. O alerta foi visto pelo mercado como o regulador “tirando o corpo fora”, do tipo: se você quiser investir, depois não venha reclamar para mim.
O comunicado da CVM está relacionado às ofertas iniciais de moedas (ICOs, sigla em inglês). A autarquia declarou, em nota, estar atenta aos avanços tecnológicos nos mercados financeiros global e brasileiro. “Nesse contexto, a CVM esclarece que certas operações de ICO podem se caracterizar como operações com valores mobiliários já sujeitas à legislação e à regulamentação específicas, devendo se conformar às regras aplicáveis. Incorrem na mesma situação companhias (abertas ou não) ou outros emissores que captem recursos por meio de uma ICO, em operações cujo sentido econômico corresponda à emissão e à negociação de valores mobiliários”, diz o documento.
A questão que se impõe diante desta postura da CVM é se as moedas ou tokens virtuais são realmente ativos mobiliários ou quiçá financeiros, pois não estão previstos na lei em vigor. “Moedas virtuais não podem ser consideradas ativos mobiliários”, diz o advogado Fernando Barrueco. Ser ou não ativo mobiliário significa estar ou não sob o guarda-chuva da CVM.
Originalmente, a Lei 6385/76, utilizou um conceito mais restrito para valor mobiliário e, assim, evitou delimitar características amplas que pudessem ser utilizadas como referência para a caracterização de um título como valor mobiliário. O legislador simplesmente listou o que se deveria considerar como valor mobiliário e outorgou ao Conselho Monetário Nacional competência para alterar a lista.
No entanto, a Medida Provisória 1637, de 08 de janeiro de 1998, procurou conceituar valor mobiliário de forma mais ampla, com o intuito de abranger boa parte das modalidades de captação pública de recursos. Segundo a lei, são valores mobiliários, quando ofertados publicamente, quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo que gerem direito de participação, de parceria ou remuneração, inclusive resultante da prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
O que fica dúbio na lei com relação às criptomoedas fica claro na prática. Quando há emissão de moeda por parte das empresas com o objetivo de captar recursos, é possível classificar o ativo como mobiliário ou financeiro.
Bolsa de criptomoedas brasileira
O Brasil deverá contar, em breve, com a Bolsa de Moedas Digitais Empresariais de São Paulo (Bomesp), criada a partir da moeda Niobium. A bolsa possibilitará que qualquer empresa tenha sua própria moeda e possa operar no mundo das moedas virtuais com paridade com o Bitcoin, Ethereum, Ripple e a própria Niobium Coin. A Niobium foi criada na plataforma Ethereum. Os principais serviços prestados pela Bomesp serão cobrados através de Niobiums, o que garante a valorização máxima e o uso da moeda, bem como porcentagens extremamente baixas para permitir a seus usuários praticar milhões de operações por segundo em sua plataforma.
A Bomesp prevê a emissão de moedas (ICO) em três categorias. A primeira é a GreenCoin. Tida como moeda solidária, será lançada somente por associações sem fins lucrativos que tenham características de benemerência para a sociedade. Em especial saúde, educação, filantropia, cultura, ecologia, patrimônio histórico, trabalho, microcrédito e demais objetivos da sociedade civil pública organizada.
A segunda é a Blue Coin, que deve ser criada por empresas que pretendem se financiar no mercado, com a promessa de remunerá-las em determinado tempo estipulado nos ICOs. “Quem adquirir tais moedas terá a certeza da remuneração no período, ganhando com os juros e bonificações determinados nos White Papers de cada Blue Coin”, explica Barrueco, Legal Advisor da Bomesp. Por último, estarão as GoldCoins. Nestas, através da tokenização de ativos, as empresas poderão emitir suas próprias moedas e, por intermédio dos Smarts Contracts, definir regras às suas moedas para que sejam mais atraentes aos investidores.
“O objetivo da economia distributiva é de que as empresas criem seus próprios ativos, garantindo a liquidez e ainda darem um uso para seus compradores. Hoje, um IPO ou uma emissão de debêntures são caros para as organizações. Queremos trazer as empresas para o mundo do ICO, em que podem emitir ativos não-financeiros”, explica Barrueco.
Como exemplo da nova realidade, ele cita a necessidade de uma grande rede de supermercados em captar recursos. “Imagine que uma rede que atue em todo o Brasil queira criar sua própria moeda e captar recursos no mercado? Ela pode emitir as criptomoedas, captar, e oferecer em troca ao investidor uma taxa de juros em determinado período de tempo ou que ele troque suas moedas por produtos da loja. Tudo dependerá de cada projeto”, diz. Outro exemplo citado por Barrueco é a venda de ingressos, onde cada moeda valeria um bilhete para o espetáculo e, ao final, seriam transferidas para a casa responsável. “Há inúmeras aplicações”, completa.
Há controvérsias...
Apesar de, no momento, nem a CVM nem o Banco Central emitirem um parecer completo sobre o entendimento das criptomoedas, é fato que algo será feito nos próximos meses ou anos. O próprio mercado sabe que será necessária uma regulamentação neste sentido e que isso dará credibilidade para as operações. “O Banco Central não quer matar a tecnologia, mas, sim: eu sou a favor de uma regulamentação que proteja o consumidor”, diz Coquieri.
Batista, da Mercado Bitcoin, concorda ao afirmar que o mercado brasileiro precisa de uma regulamentação para o dinheiro virtual. Tal decisão das autoridades monetárias traria mais credibilidade a este mercado. “As autoridades, por enquanto, devem acompanhar o viés da inovação. Sabe-se que as novas tecnologias podem ser usadas para coisas boas ou ruins”, lembra. Por este motivo, as plataformas brasileiras que oferecem a possibilidade de negociar criptomoedas têm uma preocupação grande com o perfil de seus usuários e realizam diversas consultas antes de aprovarem os cadastros. “O volume dos negócios é rastreável e as corretoras enviam todos os dados à Receita Federal. Não podemos permitir que a negociação seja usada para estelionato ou tráfico de drogas, por exemplo”, lembra Coquieri.
Fontes mais experientes do Mercado de Capitais acreditam que a regulamentação é algo inevitável e, neste sentido, a emissão de moedas com vistas à captação de dinheiro por parte de empresas brasileiras não será algo tão trivial como o prometido pela Bomesp. O argumento? É simples. Basta imaginar a conversa entre o presidente de uma grande rede de varejo e do presidente de um grande banco privado. “Por que você não fará mais a emissão daquele lote de debêntures acordado?”, diria o último. “É que eu resolvi emitir moeda”, lhe responderia o comerciante. “Pois bem, que sejam cortadas as suas linhas de crédito aqui!” “Mas...”. Telefone desligado. Logo depois toca o telefone de Ilan Goldfajn. Diz-lhe o banqueiro: “Estou perdendo dinheiro com este mercado, trate de regulá-lo”! E, assim como está para acontecer com as Fintechs, as criptomoedas entram na mira do Banco Central.