Espaço Apimec

AUTORREGULAÇÃO E O PODER DE POLÍCIA DA CVM

Em 24/11/2017 foi lançado no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio de Janeiro, o curso da EMARF - Formação em Direito do Mercado de Valores Mobiliários e Atuação da Justiça Federal, para Magistrados Federais e Corpo Técnico da CVM, em especial Procuradores Federais. O início do curso foi brindado com o lançamento do livro TOP Direito do Mercado de Valores Mobiliários, elaborado pelos colaboradores das entidades integrantes do Comitê Consultivo de Educação da CVM, do qual a APIMEC faz parte, instituído pela Deliberação CVM nº 498/06, cuja aula inaugural foi proferida pelo Excelentíssimo Ministro Barroso. Aos autores dos capítulos, desde já, o agradecimento por suas valiosas contribuições para este projeto educacional.

Esta é uma oportunidade de trazermos a público trechos dos artigos desse livro TOP, enfatizando assunto tão importante e valioso para o mercado de capitais brasileiro e porque não internacional, que é a Autorregulação, assim como O Poder de Polícia da CVM.

Por Luciana Silva Alves, Procuradora Federal, Procuradoria Federal especializada junto à Comissão de Valores Mobiliários - PFE-CVM e Milla Bezerra de Aguiar, Procuradora Federal, Subprocuradora-Chefe da Procuradoria Federal especializada junto à Comissão de Valores Mobiliários - PFE-CVM, pós-graduada em Direito Corporativo (LL.M. Legal Master) pelo Ibmec:

“O Poder de Polícia no âmbito do mercado de capitais é genericamente atribuído pelo art. 174 da Constituição Federal de 1988 à União, sendo desempenhado nos termos da Lei nº 6.385/76, mediante atuação descentralizada a cargo da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, que o exerce com o escopo básico de assegurar o funcionamento regular e eficiente das suas atividades e serviços, estimulando a formação de poupanças e a sua aplicação em valores mobiliários. Tem por objetivo, ainda, proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores contra atos ilegais de quaisquer participantes do mercado, com o intuito de evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação, assim como assegurar a observância de práticas equitativas no mercado. Tal base legal pode ser inferida dos termos do art. 4º, bem como do art. 8º, inciso I, da Lei nº 6.385/76. Observa-se, assim, que a Lei nº 6.385/76 atribuiu à CVM a ampla proteção do mercado de valores mobiliários e, para tanto, foi-lhe conferido Poder de Polícia administrativa com o fim de tutelar os interesses dos titulares de valores mobiliários e zelar pela higidez, segurança e confiabilidade do mercado.”

Por Celso Luiz Rocha Serra Filho, Procurador Federal, Procurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto à Comissão de Valores Mobiliários – CVM, especialista em Direito do Estado e da Regulação pela Fundação Getúlio Vargas (FGV):

“Embora o modelo regulatório do mercado de valores mobiliários brasileiro tenha sido inspirado na experiência norte-americana, pela centralidade conferida ao princípio do full disclosure, foi somente com a transformação em autarquia em regime especial que a CVM se aproximou da agência federal estadunidense, a Securities and Exchange Commission - SEC.

As finalidades que orientam as atividades desempenhadas pela CVM se encontram insculpidas no art. 4° da Lei n° 6.385/76, dentre as quais gostaria de destacar: V - evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados no mercado.

Os principais instrumentos que a lei outorgou à CVM para a fiscalização das atividades, serviços e participantes do mercado, punição dos infratores, bem como para prevenir e inibir condutas consideradas nocivas ao mercado de valores mobiliários são características do Poder de Polícia exercido pela CVM, considerado em seu sentido mais amplo de limitação e condicionamento do exercício de direitos e liberdades, e por meio do qual se expressa de forma mais acentuada a autoridade e imperatividade da Administração Pública.

Pouca ou nenhuma eficácia teria a atuação da CVM se não lhe fossem conferidos os meios necessários ao alcance de suas finalidades institucionais. Esta é, portanto, a razão pela qual a lei outorga à autarquia reguladora do mercado de valores mobiliários diversos e relevantes poderes para viabilizar o regular desempenho de suas funções. Os poderes conferidos por lei à CVM, como acontece em relação aos poderes administrativos em geral, somente têm fundamento na medida em que se destinem a permitir que ela cumpra as funções públicas para as quais foi criada. Trata-se, portanto, de um poder-função, de natureza nitidamente instrumental e que, assim, somente se legitima se e quando exercido no sentido de permitir que a Autarquia alcance seus fins.”

Por Julian Fonseca Peña Chediak, professor de Direito Societário e de Regulação do Mercado de Capitais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, sócio do escritório Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Menezes Cortes, Renno, Aragão Advogados:

“Apesar da regulação estatal no Brasil já ser bastante abrangente e estruturada, tem-se que o sistema de regulação é complementado por meio da participação de entidades privadas. Especificamente no que diz respeito à autorregulação decorrente de lei, existe no Brasil a obrigação de que as bolsas de valores, bolsas de mercadorias e de futuros, entidades do mercado de balcão organizado e entidades de compensação e liquidação de valores mobiliários, como órgãos auxiliares da CVM, fiscalizem os respectivos membros e as operações com valores mobiliários nelas realizadas.Tal obrigação decorre da própria Lei no 6.385/76.

O exercício de tal modalidade de autorregulação se dá hoje, basicamente, no âmbito da B3 (Brasil Bolsa Balcão), entidade oriunda da fusão entre BM&FBovespa e Cetip. A atual disciplina dessa modalidade de autorregulação está contida na Instrução CVM n° 461/07, por meio da qual a CVM define regras, dentre as quais está a obrigatoriedade de prestação de contas periódica ao regulador estatal pela área de autorregulação das atividades por ela desempenhadas, informando inclusive o resultado das fiscalizações realizadas e a eventual instauração de processos. Trata-se, claramente, do exercício de uma função – como diz a própria lei – auxiliar à do regulador estatal. Em termos práticos, a autorregulação decorrente de lei (e isso ocorre não só no Brasil) ganha contornos de um reforço ao enforcement estatal. A entidade de autorregulação fiscaliza não só suas próprias normas, mas também aquelas emanadas do regulador. Aliás, em alguns ordenamentos (ainda que não sempre no brasileiro) as próprias normas da entidade de autorregulação dependem, na prática ou em teoria, da chancela do regulador estatal.

Os benefícios para o regulador estatal são evidentes. Limitado em seus recursos (humanos e financeiros) o regulador conta com os recursos de entidades privadas para o aprimoramento do sistema regulatório, aí considerada também a autorregulação. O regulador estatal pode se limitar a interferir na esfera da autorregulação apenas na medida em que o autorregulador não cumpra com o seu papel. Isso possibilita ao regulador focar sua atuação nas áreas de maior risco. Além de transferir parte relevante dos custos incorridos pelo regulador estatal, quando realizada de forma adequada, a autorregulação leva a regras eficientes com alto nível de aceitação e obediência, implementadas no momento adequado, acompanhando as mudanças do mercado. A autorregulação, portanto, não deve ser vista como uma forma de ausência de regulação, mas sim como mais um elemento da própria regulação.

Ou seja, o livro TOP Direito do Mercado de Valores Mobiliários obteve total apoio do mercado e entidades do Comitê, atingindo 922 páginas, que necessariamente merecem consultas em seus 23 capítulos.”

Por Daniel Maeda, superintendente, Superintendência de Relações com Investidores Institucionais - CVM:

“Além dos autorreguladores legais, legitimado por uma lei em seu sentido estrito, há os autorreguladores infralegais, cuja legitimidade de atuação é conferida pelo respectivo regulador que tenha competência em sua área de atuação, onde o exemplo mais conhecido é o da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais – APIMEC, que se encarrega da autorregulação prevista na atual Instrução CVM nº 483/10. Há ainda os autorreguladores voluntários, que surgem por iniciativa própria de um segmento de mercado que pretende se autodisciplinar, sem que conte, assim, com uma autorização legal ou regulamentar de qualquer espécie, cujo exemplo de destaque é o da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais - ANBIMA.

Isso, contudo, não retira da CVM a competência legal equivalente de também supervisionar tais operações. De igual forma, o trabalho exercido pela APIMEC sobre os profissionais por ela autorregulados não retira da CVM a prerrogativa de realizar qualquer fiscalização sobre esses profissionais. Isso não impede, entretanto, que autorreguladores legais ou os autorreguladores infralegais também passem a contar com o poder de fiscalizar e punir, em cooperação de esforços com o regulador, e não em substituição a ele, participantes de mercado de um determinado segmento, sob as condições que a lei ou a regulação, conforme o caso, determinar. Dentre outros pontos, todas as modalidades de autorregulação que se originam da lei ou da regulação prevêem de uma forma ou outra, dentre outros aspectos, um regime de prestações de contas periódicas ao regulador competente, que incentiva a troca de experiências.”

Por Eduardo Boccuzzi, graduado em 1989 pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especializado em “Principles of Stock Exchange Investments” pela London Guildhall University em 1994, especializado em “Negotiation and Advising in International Contracts” pelo Institute of Advanced Legal Studies, University of London em 1994, sócio de Boccuzzi Advogados Associados, o Analista de Mercado de Capitais (“Analista”):

“Bem como a Entidade que o habilita ao exercício de sua ocupação (Código Brasileiro de Ocupação nº 2512-15), são, entre os diversos agentes do mercado financeiro, figuras de suma importância no contexto dos efeitos de interesse público que as transações de valores mobiliários causam. A Lei 6.385/76, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e que instituiu a CVM por seu artigo 5º, definiu-a como entidade autárquica em regime especial, com poderes de fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem e aos valores nele negociados (artigo 8º, inciso III). Por outro lado, o artigo 18, inciso I, alínea “b” da Lei 6.385/76, confere à CVM poderes para editar normas gerais sobre requisitos de idoneidade, habilitação técnica e capacidade financeira a que deverão se submeter as pessoas que atuem no mercado de valores mobiliários.

A Instrução CVM nº 483/10 disciplina a função do Analista, conceituando-o e disciplinando suas atividades e responsabilidades, bem como determina a necessidade de seu credenciamento por entidades autorizadas pela CVM (art. 5º da 483), no caso, a APIMEC.

A minúcia e a amplitude das possíveis manifestações de opinião do Analista, expressas no texto da norma, tornam-se coerentes com as preocupações da CVM, haja vista sua capacidade de influenciar todo o Mercado. Ora, trata-se, a toda vista, de profissional dotado de notável conhecimento e técnicas de avaliação das tendências do mercado de valores mobiliários e que pode ser instrumento de afronta aos ditames protegidos pela CVM.

Nesse sentido, a imposição de credenciamento desses profissionais perante entidade autorreguladora (APIMEC) permite o controle direto de sua atividade, assim como de sua formação técnica e doutrinamento ético e moral que lhes são essenciais. É neste diapasão que a APIMEC se posiciona positivamente como ator modelador e gerenciador do analista de mercado de capitais, na medida em que, para conferir os necessários certificados e credenciamentos do Analista, periodicamente renovados, impõe o cumprimento de um denso “Código de Conduta da Apimec para o Analista de Valores Mobiliários”, formalmente constituído por 31 (trinta e um) artigos.

Paralelamente ao seu Código de Conduta, a APIMEC mantém uma estrutura organizacional que visa a fiscalização e o cumprimento de suas premissas. É nesse passo que o “Código dos Processos da APIMEC” foi instituído junto ao Código de Conduta e no mesmo ano em que a entidade assumiu a responsabilidade direta sobre o profissional Analista. Trata-se, esse último código, de verdadeiro diploma normativo instrumental à instauração de procedimentos de averiguação de irregularidades e processos administrativos, e que regula o funcionamento dos componentes organizacionais da APIMEC quanto à atividade do analista de valores mobiliários. É ferramenta garantidora da ampla defesa e que prima pela celeridade na condução dos procedimentos e pela razoabilidade na aplicação das normas.

A estrutura organizacional e o aparato administrativo da APIMEC compõem-se em consideração a sua essência de entidade autorreguladora e fomentadora do mercado de capitais. A estrutura organizacional da APIMEC pode ser assim resumida: um corpo diretivo, um corpo funcional e três organismos independentes (CSA – Conselho de Supervisão do Analista, CCA – Comitê Consultivo do Analista e CCAT – Comitê Consultivo do Analista Técnico). A atuação da área de autorregulação da APIMEC é disciplinada pelo “Código de Processos da APIMEC”.

A garantia de independência do CSA - Conselho de Supervisão do Analista de Mercado de Capitais é garantida pela participação de membros externos (seis) no referido órgão, indicados por entidades do Mercado e com sólida experiência no mercado de capitais. Os membros independentes colocam-se em maioria aos três membros internos.”

Por mim, Ricardo Tadeu Martins:

“Uma frase de Sir Winston Churchill : “Eu não sou exigente, eu me contento com o que há de melhor.”

Ricardo Tadeu Martins
é economista e analista de valores mobiliários da Planner Corretora de Valores e presidente da Apimec - Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais. Este artigo reflete as opiniões pessoais do autor.
ricardo.tadeu@apimecsp.com.br


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