Educação Financeira | Em Pauta | Empresa Familiar | Enfoque |
Espaço Apimec | Fórum Abrasca | IBRI Notícias | Normas Contábeis |
Opinião | Orquestra Societária | Ponto de Vista | Registro |
Há pouco tempo fiz uma consulta com um nutricionista e ele me disse o óbvio: a única forma de emagrecer com saúde é ingerir menos do que se gasta. Na conversa notamos como a profissão do planejador financeiro e do nutricionista se parecem. Muitas vezes é preciso falar o óbvio, aquilo que na maioria das vezes as pessoas já sabem. Porém, em ambos os casos, o problema é colocar o óbvio em prática.
Nos 30 anos de estudo e prática de planejamento financeiro aprendi que em finanças pessoais existem dois pontos fundamentais:
A seguir, vou apresentar ao todo 20 dicas, 10 sobre cada um desses pontos.
Sobre ganhos e gastos
1. É insustentável uma pessoa gastar mais do que ganha no longo prazo. Ninguém consegue gastar mais do que ganha por muito tempo. O crédito é limitado e depois que ele acaba o que sobra são juros que precisam ser pagos reduzindo a capacidade de consumo dos endividados. Um jovem recém empregado que ganha dois mil reais consegue gastar dois mil e quinhentos reais. Mas quando ele estiver devendo cerca de cinco vezes o que ganha o crédito vai acabar. Ele precisará arcar com uma despesa com juros que reduzirá seu poder de consumo até que a dívida seja quitada.
2. Ninguém deve para banco, todo dinheiro que os bancos emprestam vem de pessoas. Uma pequena parte vem das pessoas que são acionistas dos bancos e a maior parte vem daqueles que compram produtos financeiros destes bancos. Atrás de todo devedor tem um poupador que tem ações ou produtos de investimentos. O sistema financeiro tem duas portas: a dos credores e a dos devedores. Quem tenta gastar mais do que ganha entra pela porta dos devedores. Quem gasta menos entra pela porta dos credores.
3. Problemas financeiros não são restritos a pessoas que ganham pouco. Muitas famílias de baixa renda não têm problemas financeiros, enquanto diversas pessoas do topo da pirâmide vivem imersas em dívidas. Para ter problemas financeiros basta gastar mais do que ganha. Se você tentar viver um degrau acima do que ganha vai ter problemas financeiros independente do valor da sua renda.
4. Dinheiro é carente. Se você não der atenção ele o abandona. Infelizmente sempre haverá alguém pronto para dar atenção para o dinheiro que você maltratou.
5. Nem tudo é tão negativo quanto parece. Todos os anos precisamos fazer a declaração de Imposto de Renda. A maior parte das pessoas vê apenas o lado negativo da declaração, mas você já pensou como ela é útil para saber como seu patrimônio está se comportando?
6. Riqueza é um conceito subjetivo. Rico é todo aquele que pode manter o padrão de vida que almeja apenas com a renda do seu capital. Quanto mais elevado o padrão de vida almejado, mais difícil é se tornar rico.
7. Existe o tempo de ficar caro e o tempo de ficar rico. Quando somos jovens somos ricos em capital humano, ou seja, temos muito tempo para trabalhar. À medida que o tempo passa o capital humano vai diminuindo. Se o tempo de trabalho vai encurtando é preciso elevar o valor do tempo. Isso só se faz com educação e boa formação.
8. Você ou seu dinheiro vão ter que trabalhar enquanto você viver. Você só vai conseguir parar de trabalhar quando seu patrimônio gerar renda suficiente para você viver. Quando a renda do seu patrimônio possibilitar que você leve a vida que você considera ideal, você será rico.
9. O teto da previdência pública vai cair muito. O valor pago pela previdência pública vai ser cada vez menor e os funcionários públicos terão drásticas reduções nos seus rendimentos. O suposto “direito adquirido” não será respeitado por inviabilidade matemática. Quem quiser uma aposentadoria confortável vai precisar fazer reservas financeiras, seja em investimentos diretos ou em planos de previdência
10. Enriquecer é difícil. É possível herdar a riqueza, mas para quem não teve esta sorte a única forma de enriquecer é gastando menos do que se ganha e investindo bem o valor poupado.
Sobre risco e retorno
11. Risco e retorno andam juntos. Se você receber uma proposta de investimento de elevado retorno e baixo risco você está diante de uma fraude. Simples assim. Quanto maior a expectativa de retorno maior o risco.
12. Há dois tipos de riscos. O risco de crédito e o risco de mercado. Se você empresta dinheiro para um parente pode todos os meses corrigir o valor dos juros e seu investimento só sobe. Porém, no dia que quiser cobrar, pode ser que esse parente não tenha como pagar. Esse é o chamado risco de crédito. Já se você comprar uma casa, o preço de mercado irá flutuar. Pode ser que um dia você queira vender e o preço esteja menor do que você espera. Isso é risco de mercado. Se você não está disposto a correr risco de crédito ou risco de mercado precisa se conformar com baixo retorno. Risco não é bom nem mau, o que você precisa saber é quanto risco consegue suportar para obter o retorno almejado. O trabalho de um bom assessor de investimentos é ajudá-lo a entender o impacto do risco na sua vida.
13. Divida suas economias em três reservas: imprevistos, sonhos e aposentadoria. A reserva de imprevistos não deve correr riscos, a de aposentadoria precisa correr riscos de mercado e uma pequena parte dela pode correr risco de crédito. Já a reserva de sonhos é um pouco mais complexa. Se o sonho é de curto prazo e inadiável (uma festa de casamento, por exemplo) ela não deve correr riscos. Se é um sonho de longo prazo e sem data fixa para ocorrer, como um ano sabático, então você pode correr riscos.
14. Ter muitas opções não é garantia de fazer a melhor escolha. Em um passado recente as instituições financeiras vendiam apenas seus próprios produtos. As plataformas abertas, ou supermercados financeiros, mudaram este cenário. Elas vendem produtos que não necessariamente são montados ou geridos por elas. Se você vai a uma concessionária de veículos, só terá à disposição os carros daquela marca. Mas se vai a um feirão de carros terá veículos de diversas marcas diferentes. O que é melhor? O carro que é ideal para uma pessoa pode ser péssimo para outra. Para alguns o importante é o conforto, para outros é a rusticidade de um 4x4. Alguns querem economia, outros potência. Mais importante do que ter muitas opções de escolha é ter alguém que lhe ajude a fazer a escolha certa para o seu caso.
15. Se você não entende um produto financeiro ele não é bom para você. Seu assessor de investimentos precisa lhe explicar em linguagem clara o produto que lhe oferece. Você precisa entender de onde vem a expectativa de lucro e quais são os riscos envolvidos. Se estes pontos não estiverem claros, não invista. Se o seu assessor utilizar palavras complexas e não conseguir explicar em linguagem clara o produto é porque ele também não entende o que está tentando vender.
16. Quem trabalha precisa se remunerar. Os gerentes de banco recebem um salário para vender produtos do banco. Um agente autônomo ganha uma comissão para vender produtos financeiros. Um planejador financeiro deve receber um valor fixo dos seus clientes para prestar aconselhamento financeiro. O problema é quando o cliente não sabe de onde vem o dinheiro daquele que o está assessorando. Quando vamos a um médico pagamos uma consulta. Porém, é cada vez mais comum os médicos receberem comissões para receitar alguns remédios específicos. Isso é grave, pois ficamos sem saber se estamos tomando remédio porque precisamos ou porque o médico quer a comissão. Como os investimentos mais complexos e arriscados normalmente geram comissões maiores, pode ser que você acabe tomando riscos apenas para aumentar a remuneração do seu assessor.
17. Investimento em imóveis não é panaceia. A população do Brasil dobrou nos últimos 43 anos. As projeções indicam que vamos crescer no máximo 10% nos próximos 43. Então é preciso perceber que o preço dos imóveis não vai crescer na mesma velocidade nos próximos anos. É preciso também entender que as construções sofrem depreciação. Portanto, cuidado ao concentrar seus investimentos apenas nesta categoria de investimentos.
18. Ações são partes de grandes empresas. Quando compramos uma ação estamos nos tornando sócios da empresa. Será que é tão arriscado ser sócio de uma grande siderúrgica, da concessão de uma estrada, de uma usina de eletricidade, de uma universidade ou de um banco? Claro que uma empresa pode ir à falência e os sócios perdem o dinheiro investido. Mas se fosse possível comprar ações de diversas empresas, será que o risco não diminuiria significativamente? Os fundos de gestão passiva negociados em bolsa (ETFs) possibilitam diversificar os investimentos com baixo custo. Comprar ETFs lentamente é uma das formas mais seguras de investir no longo prazo. E investir em ações é diferente de especular com ações. O preço das ações varia muito, o que tem relação com o risco de mercado. Há pessoas que acreditam poder ganhar dinheiro comprando e vendendo ações, especulando. Mas as chances de um amador ganhar dinheiro de forma contínua especulando com ações são mínimas -- a não ser que decida estudar muito a ponto de fazer dessa sua profissão e dedicar muitas horas diárias a esta atividade.
19. Juros altos são insustentáveis no longo prazo. Em um passado recente os juros pagos pelos títulos públicos foram superiores ao rendimento das empresas, mas isso não deve se manter. Um país só pode dar certo quando o lucro das empresas é maior que o rendimento dos títulos públicos. Se você acredita no futuro do Brasil invista parte do valor mensal que destina para a aposentadoria em uma carteira diversificada de ações. Se não acredita, pense em investir no exterior.
20. Investimentos não podem causar insônia. Se seus investimentos lhe tiram o sono, mude de investimentos. A melhor coisa que o dinheiro pode fazer pela nossa felicidade é gerar tranquilidade e paz de espírito para aproveitarmos a vida. Mas não esqueça: você não pode deixar de acompanhar seus investimentos. Reserve uma hora todos os meses para acompanhar o desempenho dos seus investimentos. Procure agir lentamente, mas esteja sempre atento.
Espero que estas máximas o ajudem a colocar em prática o óbvio das finanças pessoais: se você cuidar para gastar um pouco menos do que ganha e investir bem, um dia você vai viver com os frutos do rendimento.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br