O movimento da economia esperado para 2018, se acontecer, terá forte impacto para diversos assuntos jurídicos das empresas. Ao que parece, o avião Brasil levantou seu bico. As projeções para a economia brasileira em 2018 são de robustecimento, quer pelo crescimento econômico quer por suas consequências: controle da inflação, redução de juros, aumento de arrecadação tributária, redução do desemprego etc. Sendo confirmadas essas projeções, as empresas devem se preparar para diversos reflexos (ou mesmo impactos) nos seus assuntos jurídicos.
Para apresentar uma perspectiva jurídica para 2018, deve-se somar a essa tendência econômica diversas medidas tomadas nos últimos dois anos, como, por exemplo, o controle dos gastos públicos, a anistia aos benefícios da Guerra Fiscal de ICMS, a flexibilização da legislação trabalhista e a mudança na regulamentação contábil referente ao reconhecimento de receita (faturamento). Pretendo, neste breve texto, lançar luzes sobre algumas dessas questões.
Direito societário
A avaliação das demonstrações financeiras das empresas, sejam companhias abertas, fechadas ou sociedades limitadas, ganhou relevância, em razão de situações bastante sensíveis.
O primeiro ponto de atenção é a adoção da nova regulamentação contábil sobre reconhecimento da receita de contrato com cliente: venda, prestação de serviços, cessão de direitos e outras atividades econômicas desenvolvidas pelas empresas. O Pronunciamento Técnico – CPC 47 (IFRS 15) pode gerar aumento ou diferimento do lucro, com reflexo direto na tributação e na distribuição de dividendos. Além disso, a transparência de informação trazida pelo CPC 47 pode provocar questionamento por parte dos sócios, tanto dos controladores quanto dos “minoritários”, e por parte dos demais contratantes da empresa (fornecedores, bancos, clientes, trabalhadores etc.). Certamente, 2018 será o ano das definições sobre como reconhecer a receita da atividade empresarial, por isso mesmo a sensibilidade aumenta, porque pode ser um período de discussão, de tentativa e erro.
Outro ponto que merece atenção diz respeito aos tratamentos contábil e tributário dos benefícios de ICMS concedidos no âmbito da Guerra Fiscal (assunto que já tratei neste espaço). Os valores correspondentes a esses benefícios somente estarão desonerados dos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL) se os sócios (acionistas ou quotistas) deliberarem, expressamente, na assembleia geral ou na reunião, pela sua transferência à conta de reserva de incentivos fiscais (reserva de lucros). Caso essa formalização não ocorra, as autoridades fiscais poderão questionar o procedimento da empresa e exigir IRPJ/CSLL.
Questão ainda relacionada aos benefícios de ICMS se refere ao cálculo desse benefício. É preciso que a empresa estude e avalie como tratar, contábil e tributariamente, a redução de base de cálculo e o diferimento no recolhimento do imposto, por exemplo. Havendo a previsão de não tributação por IRPJ/CSLL, o reconhecimento contábil dos benefícios de ICMS produzirá importantes efeitos econômico-financeiros para as empresas.
Finalmente, a gestão das empresas deve redobrar a atenção no que diz respeito ao “compliance” e à adoção de medidas de controle interno. Como estamos em ano de eleição, os pontos de exposição ao contato com o Poder Público podem aumentar, e, com isso, aumentando da mesma forma a preocupação dos executivos e dos sócios das empresas.
Direito contratual
Inicialmente, o Pronunciamento Técnico – CPC 47 – Receita de Contrato com Cliente também poderá impactar a gestão de contratos das empresas. Haverá maior transparência da atividade empresarial desenvolvida e isso pode implicar na manutenção dos termos contratuais (quando o contrato for formalizado) quer na sua alteração, de modo a refletir a diversidade de prestações a que a empresa se compromete. Em decorrência, a negociação dos contratos pode entrar em mais detalhes da operação, abrindo flancos de discussão e redução de preço.
Seguindo no campo do direito dos contratos relacionado a aspectos contábeis, em 2018, as empresas se debruçarão (ou deveriam se debruçar) sobre os impactos da nova regulamentação dos contratos de arrendamento, “leasing”, locação e, eventualmente, prestação de serviços (IFRS 16), que entrará em vigor no próximo ano. Se no biênio 2017/2018 a preocupação foi como reconhecer os contratos com clientes (receitas), no biênio 2018/2019, as empresas deverão avaliar os contratos com fornecedores (custos, despesas e passivo), especialmente para efeito de reconhecimento de dívida e o impacto em sua alavancagem.
Pode-se incluir na disciplina dos contratos a nova relação trabalhista. 2018 será um ano de consolidação do entendimento sobre a reforma trabalhista.
Vindo o aquecimento econômico que se espera, certamente, aumentará o nível de contratação das empresas, tanto de trabalhadores quanto de clientes e fornecedores. Seria conveniente que a gestão desses contratos considerasse os ensinamentos dos momentos de crise, como cláusulas de renegociação, de garantia e de situações de inadimplência e de recuperação judicial de empresas. As experiências vividas nos momentos de recessão podem contribuir para melhorar a proteção dos negócios conseguida com a formalização dos contratos.
Direito tributário
A questão tributária é sempre sensível às empresas, porém, em 2018, pode-se esperar aumento de preocupação, em diversos níveis quantitativos e qualitativos.
Se, por um lado, o aquecimento da economia brasileira pode trazer natural aumento na arrecadação tributária, por outro, o sistema tributário nacional, previsto na Constituição Federal, impede a elevação nominal dos tributos de maneira imediata (ressalvados os casos dos impostos regulatórios). Portanto, não se deve esperar aumento de alíquotas de tributos para 2018 – a exceção pode ser a reforma que a Receita Federal pretende promover na Contribuição para o PIS e na COFINS, mas que viria acompanhada do aumento da base de tomada de crédito no sistema de não cumulatividade.
Diante desse quadro, a arrecadação tributária pode ser elevada por meio do fortalecimento da fiscalização. Com a informatização de quase todo o controle fiscal, os procedimentos de fiscalização tendem a ser mais velozes e de percepção de inconsistências mais eficaz. Assim, acredito que podemos esperar aumento nas fiscalizações e nas autuações, nos três níveis de tributação: federal, estadual e municipal – como, aliás, já estamos verificando em tempos recentes.
A maior atuação das autoridades fiscais implica maior preocupação não só das empresas, mas também dos seus gestores. A prática atual da cobrança de tributos – e que tende a aumentar – é a inclusão dos executivos e, eventualmente, dos sócios das empresas nesse processo, inclusive no âmbito da cobrança administrativa. O impacto para a pessoa física dos gestores e dos sócios reside, de um lado, na necessidade de defesa (gasto de tempo e dinheiro) e, de outro, na possibilidade de restrição dos seus bens (arrolamento ou penhora).
Enfim, do ponto de vista jurídico, 2018 promete ser divertido!
Nota: Artigo publicado originalmente no jornal Valor Econômico na edição de 15/01/2018.
Edison Fernandes
é advogado, doutor em Direito pela PUC-SP, sócio do escritório FF Advogados.
edison.fernandes@fflaw.com.br