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CONFLITOS PATRIMONIAIS E MEIOS DE RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

O Homo sapiens é uma espécie frágil, porém, através da sua capacidade de se organizar em sociedade conseguiu prevalecer sobre diversas outras espécies de hominídeos que coabitaram a terra nos primórdios da nossa história. Nosso cérebro sociável e cooperativo foi que nos diferenciou das outras espécies; nossos comportamentos mais típicos sempre têm um componente social. O problema é que ao mesmo tempo que temos uma forte propensão para a sociabilidade também mantemos um forte desejo de individualidade.

Algumas vezes começamos projetos em grupo, no entanto, nossos projetos pessoais entram em conflito com o projeto de vida dos outros.

Normalmente crescemos em uma família, casamos e constituímos nossas próprias famílias. Também algumas vezes buscamos sócios que vão ajudar a transformar nossos sonhos em realidade. E, neste caminho construímos patrimônios que, algumas vezes, precisam ser divididos.

Neste momento, irmãos outrora afetuosos, marido e mulher que juraram amor eterno ou sócios que se complementavam podem se transformar em grandes inimigos. Porém, é preciso dividir o que foi construído em conjunto.

A melhor forma de dividir um patrimônio comum é através de um diálogo franco e racional entre as partes. Melhor ainda se desde o começo se pensou que um dia a vida em comum poderia acabar. Todavia, quando as partes não conseguem chegar a um acordo é preciso que alguém de fora ajude a dividir aquilo que é comum.

Tradicionalmente no Brasil as pessoas e empresas buscam o Poder Judiciário - jurisdição estatal – para dirimir seus conflitos. Felizmente, a busca pela mediação assim como pela arbitragem – jurisdição privada - para a solução de conflitos patrimoniais tem crescido no país.

A seguir, contamos com a participação de uma das maiores autoridades brasileiras em Mediação e Arbitragem o Dr. Joel Dias Figueira Jr. que está lançando a terceira edição do seu livro: Arbitragem, jurisdição e execução, pela Editora Saraiva.

Nossas relações interpessoais se desenvolvem algumas vezes de maneira despercebida, com a utilização diuturna de inúmeros contratos de natureza civil, consumerista, comercial, financeira, dentre tantas outras, a começar pela compra e venda do pão matinal para o café da manhã (contrato informal verbal) até o financiamento imobiliário para a aquisição da casa própria (contrato formal escrito).

Nesse contexto multifacetado, quando as pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado contratam, assim o fazem em momento de absoluto consenso, harmonia e convergência de objetivos, com a esperança (algumas vezes vã) de que o parceiro haverá de bem e fielmente adimplir as obrigações por ambos assentidas e delineadas nas respectivas cláusulas contratuais.

Portanto, a expectativa inicial dos contratantes é no sentido de que o pacto estabelecido por mútuo consenso termine em data aprazada e a bom termo, isto é, cumprido em todo o seu conteúdo e extensão. Todavia, em que pese o inadimplemento não ser desejado pelas partes, ele não pode ser desconsiderado como hipótese absolutamente plausível e, consequentemente, previsível.

Assim, a primeira providência a ser tomada por quem contrata é definir com clareza todos os termos da avença, quais sejam: sujeitos da relação, objeto, preço, prazo, local de cumprimento, cláusulas penais (multas), foro competente para o deslinde de eventual conflito decorrente de descumprimento e de que forma será dirimida a controvérsia, ou seja, através de jurisdição estatal (Poder Judiciário) ou jurisdição privada (arbitragem), e, nesta última hipótese, a clausula compromissória poderá ser cheia (definindo desde logo o árbitro, tribunal ou instituição arbitral) ou vazia (simplesmente indicando que a conflito será dirimido através de arbitragem).

Contudo, antes de buscar a jurisdição (pública ou privada) para a resolução da controvérsia instaurada, é de bom alvitre que as partes conflitantes, tentem a autocomposição fazendo uso da mediação. Explica-se: a mediação é técnica não adversarial de resolução de conflitos, em que o mediador nada decide, nada julga, nada impõe, não condena ou ordena, pois a ele compete conduzir as partes a encontrar, por si mesmas, a via de meio que melhor atenda aos seus interesses – resolução consensual da controvérsia (ganha/ganha); diferentemente, a arbitragem é meio adversarial de resolução de conflitos, valendo lembrar que segundo os próprios termos da Lei 9.307/96, “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário” (art. 18) e, por conseguinte, a decisão importará sempre na definição da parte vencedora e vencida (ganha/perde).

Os conflitos de natureza patrimonial encontram permissivo legal para serem dirimidos em juízo arbitral, assim como podem ser solucionados perante o Estado-juiz, sendo que essa definição respeita tão-somente as partes envolvidas. Nesses casos, há de se perquirir quais são as possíveis “vantagens” e “desvantagens” dessa escolha. De início, assinala-se que não há a melhor ou pior forma de prestação de tutela jurisdicional, isto é, pública ou privada, sendo que tudo dependerá da natureza do conflito apresentado no caso concreto, da complexidade da matéria objeto da lide, de seu conteúdo patrimonial, o decurso de tempo desejado para a solução da controvérsia etc. Em outros termos, será a escolha (adequada ou inadequada) que norteará os resultados mais ou menos vantajosos decorrentes da opção por determinado tipo de jurisdição (pública ou privada).

Primeiramente, a arbitragem é mais simples e objetiva, e os julgadores, além de imparciais, são técnicos especializados na área sobre a qual recai o objeto litigioso e, via de regra, do mais alto quilate científico e respeitabilidade. Esses atributos conferem às partes um julgamento seguro e rápido, sobretudo se confrontado com os atropelos verificados na jurisdição pública.

Em segundo lugar, a rapidez na prestação da tutela jurisdicional privada perseguida decorre de dois outros fatores, quais sejam, a irrecorribilidade das decisões arbitrais (interlocutórias ou sentença arbitral) e inexistência de homologação da sentença pelo Poder Judiciário.

Em terceiro lugar, não se deve perder de vista que a arbitragem é via de regra uma jurisdição de custos elevados, na exata medida em que os árbitros (profissionais de renome em suas respectivas áreas de atuação profissional) são pagos pelos próprios litigantes, assim como todas as despesas atinentes ao procedimento arbitral e, ao final, pelo vencido. Portanto, a jurisdição privada não é o foro adequado para demandas patrimoniais de pequeno ou médio porte.

Em quarto lugar, como as partes ou os árbitros podem definir o procedimento que será imprimido ao processo respectivo (dependerá apenas da convenção arbitral), haverá sempre uma perfeita sintonia entre a tutela pretendida e o instrumento oferecido, o qual, via de regra, prima pelo princípio da oralidade e, por conseguinte, atende aos seus outros subprincípios, tais como a imediatidade, concentração, simplicidade, informalidade, economia e celeridade.

Em quinto, ficam as partes absolutamente livres para definir se a decisão arbitral será fundada em eqüidade ou em direito e, neste último caso, quais as regras (nacional ou estrangeiras) que irão nortear o julgamento dos árbitros.

Em sexto lugar, é muito vantajosa a possibilidade conferida de escolha dos árbitros, o que se faz em comum acordo pelas próprias partes, de maneira que a indicação recaia sobre pessoas previamente definidas e detentoras de profundo conhecimento da matéria litigiosa ou, ainda, permite que se faça referência à instituição arbitral especializada que, por sua vez, dispõe de um quadro bem formado de árbitros.

Em sétimo lugar, a sentença arbitral é proferida sempre em prazo definido previamente pelas partes e, nada sendo convencionado, em até seis meses a contar da data da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.

Por último, a discrição e o sigilo dos atos processuais e do julgamento propriamente dito importam em outra vantagem, à medida que as partes permanecem comodamente durante todo o processo e, em especial, para a produção de provas, o que não raras vezes viabiliza a consecução de um acordo. Aliás, a jurisdição arbitral é foro também adequado à composição amigável ou para a convergência dos esforços dos litigantes no sentido de alcançarem rapidamente – sem descurar dos valores maiores que são a segurança e a justiça da decisão – à resolução final da lide, tendo em vista que, na maioria das vezes, ambos têm interesse na solução do conflito que, comumente, envolve quantias vultosas de dinheiro, com inúmeros efeitos diretos e reflexos.

Em síntese, desde que se faça a opção adequada pela jurisdição privada, notadamente no que concerne a escolha acertada de árbitros ou de entidades arbitrais que gozem de elevado conceito ético e técnico, não se vislumbra propriamente desvantagens na arbitragem, sobretudo quando cotejada com a morosa tutela jurisdicional prestada pelo Estado-juiz em face dos mais de cem milhões de processos que assoberbam o Poder Judiciário.

 

Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br

Joel Dias Figueira Jr.
é doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP, com pós-doutorado em Mediação e Arbitragem pela Università Degli Studi di Firenze - Itália. Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Autor de 32 obras jurídicas.
www.joelfigueirajr.com.br

 

Continua...