O peixe apodrece a partir da cabeça! Trata-se de um antigo provérbio chinês que, em tempos recentes, tem sido repetidamente citado com referência à situações identificadas em empresas e como explicação pelas desastrosas consequências delas advindas.
Esse provérbio, foi habilmente apropriado por Bob Garratt, Professor e Consultor Internacional inglês, respeitada autoridade em Governança Corporativa, que o empregou como título de um de seus livros mais conhecidos, “The Fish Rots from the Head: Developing Effective Board Directors” (O Peixe Apodrece a partir da Cabeça: Desenvolvendo Conselheiros de Administração Eficientes), originalmente publicado pela Harper Collins Business, em 1996 e, nas edições mais recentes, pela Profile Books Ltd.
Trata-se de mensagem clara, objetiva e facilmente compreensível, não havendo como refutá-la. Entretanto, causa surpresa (e prejuízos!) como vem a ser de difícil percepção. Ou seja, é necessário que a deterioração da empresa, o derretimento de seus resultados, a evasão de executivos hábeis e promissores e outros sinais contundentes resultem em perdas extremamente significativas para que investidores e analistas de mercado se dêem conta, afrontados, de que há algo errado, algo de muito errado bastante acima do chão de fábrica.
Não há, realmente, uma explicação plausível, para a demora na constatação da ocorrência de conflitos que transcendem as normais e saudáveis, diga-se, divergências. Afinal, os conceitos e os procedimentos que embasam a Governança Corporativa são já amplamente conhecidos e praticados no Brasil, nossos analistas de mercado são altamente competentes, assim como as instituições que atuam no mercado são atentas e vigilantes. Há, contudo, uma certa timidez, que, por sinal, observa-se no relato feito pela imprensa de situações de conflito.
Por quê?
O que leva estes players do mercado a hesitarem na descrição de fatos e na apresentação de diferentes cenários consequenciais possíveis, a tratarem de forma por demais amena o que pode significar prejuízos significativos para os investidores?
Porque, em situações que tem se arrastado por muitos meses, com as cotações despencando ladeira abaixo não ouvimos o brado “Pule fora!! Do jeito que está vai piorar ainda mais!”, que poderia ser suavizado com uma recomendação construtiva, “Quando melhorar, volte!”?
Certamente, porque isto exige algo que ainda é estranho ao analista e às instituições brasileiras, claro, com algumas notáveis exceções, a agressividade sadia na expressão de suas opiniões, aquilo que pode até nos causar estranheza e, mesmo, algum desconforto, mas que é a tônica dos chamados investidores ativistas americanos e europeus.
Basta ver o cerco que há algum tempo um conhecido investidor ativista vem fazendo à Nestlé, sem qualquer parcimônia em seus adjetivos, objetivando que esta aliene sua participação minoritária na L’Oreal e expanda seu programa de recompra de ações, na análise dele responsáveis por resultados muito aquém da real capacidade da empresa.
Ou, há pouco tempo atrás, como a ainda chamada Yahoo foi massacrada e a pobre da presidente Marissa Mayer tão severamente analisada e criticada.
Será uma herança nossa de cordialidade? Duvidável. Esta suposta cordialidade não tem se manifestado em outros campos e situações.
A explicação talvez resida no fato de que há que se analisar a empresa muito além do que os demonstrativos financeiros evidenciam. Estar presente em Assembleias e ler com atenção as atas de Conselho constituem os procedimentos básicos, mas, insuficientes. Cumpre conhecer os grupos que se acham representados no Conselho, suas origens e competências essenciais, o que, no elenco dos propósitos e atividades das empresas, os podem fazer convergir ou divergir.
E se há grupos distintos partilhando o bloco de controle, a leitura e o acompanhamento regular do Acordo de Acionistas é indispensável.
Trata-se, portanto, de sofisticado exercício de Intelligence corporativo tendo como base documental o Acordo de Acionistas, complementado pelo conhecimento e análise dos objetivos, triunfos e frustrações de cada um dos grupos integrantes do bloco de controle, assim como seu histórico em associações e o protagonismo de sua liderança.
Este conjunto de conhecimentos, regularmente acompanhados, não irão evitar situações conflituosas, mas, darão aos analistas e investidores sinais antecipados do que pode vir a acontecer.
Apesar de seu tamanho ainda acanhado e ainda bastante aquém das dimensões que já atingiu em passado não muito distante, o Mercado de Capitais brasileiro tem testemunhado situações de conflito que se prolongaram e resultaram em prejuízos significativos aos investidores. Entretanto, foram objeto de relatos tão comedidos, de comentários tão pouco agressivos que causa estupefação.
USIMINAS é um exemplo marcante de dramática erosão de cotações. Reconhecendo a difícil situação do aço, não restrita ao Brasil, foram as prolongadas e acentuadas divergências no bloco de controle, o frequente recurso à medidas no âmbito da Justiça e a gangorra de CEO’s, empossados e defenestrados, que mais contribuíram para tal deterioração. Após três anos de contínua queda na demanda, modesto resultado líquido em 2014, R$ 208 milhões, seguido de vultoso resultado líquido negativo em 2015, (R$ 3.685 milhões), com melhora, embora ainda no terreno negativo, para (R$ 577 milhões) em 2016, a empresa parece ter conseguido serenar a belicosidade reinante em seu bloco de controle com a posse do novo Presidente em final de março de 2017, resultando em nítidos sinais de recuperação e resultado positivo de R$ 360 milhões para os nove meses encerrados em 30 de setembro de 2017.
Por sua vez, a SARAIVA foi outra empresa com ações negociadas em Bolsa que experimentou conflitos e acusações disparadas entre acionistas detentores de participação relevante, paralisando o exercício das devidas responsabilidades de seu Conselho, justamente quando o varejo de livros e produtos correlatos viu-se diante de severo questionamento e mais carecia de direção firme e ambiente harmônico. Resultado líquido negativo de (R$ 50 milhões) em 2016, repetido no período de nove meses encerrado em 30 de setembro de 2017, insuficiência de caixa e persistente redução do Retorno ao Acionista - ROE (Return on Equity), não sendo difícil identificar que os mais agredidos foram os acionistas minoritários.
Contudo, o exemplo mais marcante de como divergências no mais alto nível de direção repercutem e se amplificam por toda a organização vem a ser a BRF. Afinal, não havia como poupar entusiasmo e frear aplicações diante da união de líder empresarial reconhecido, com vivência e recursos próprios, que se alia a grupo investidor dotado de dinamismo e conhecimentos modernos, respaldado por significativos sucessos na geração de lucros para investidores. Mais ainda quando se trata de organização de grande porte, exemplarmente estruturada, ampla diversificação de produtos e grupos-alvo, recipiente de expressivo reconhecimento e elevado respeito.
Como o investidor poderia deixar passar despercebida tal comunhão de qualificações? Tão convincente garantia de resultados capazes de superar quaisquer obstáculos conjunturais?
Lamentavelmente, poucos perceberam e menos ainda os que apontaram que nas indiscutíveis capacitações residia o potencial da discórdia. Não foi a falta de know how, nem a carência de recursos, não foram produtos defasados e obsoletos, muito menos a retração de consumidores que causaram resultados líquidos negativos de (R$ 367 milhões) em 2016, seguidos de (R$ 314 milhões) nos nove meses até 30 de setembro de 2017, que expandiram a alavancagem para níveis desconfortáveis e, desde 2016, quando a empresa acusou seu primeiro prejuízo desde sua criação, contraíram o Retorno ao Acionista (ROE), no longo (- 12,19%), médio (- 32,22%) e curto prazo (- 24,15%).
Após meses de indefinições e repetidas substituições de executivos, um novo presidente foi finalmente confirmado, trará a esperada pacificação? Poderá o Conselho de Administração reassumir as suas responsabilidades de direcionamento hábil e responsável? Certamente, é o que os acionistas minoritários, assim como todos os demais stakeholders mais anseiam.
Mas, cumpre observar, divergências que evoluem para conflitos não são as únicas causas de desempenho corporativo que prejudicam os acionistas. Também Conselhos de comportamento harmônico podem gerar resultados anêmicos.
A Inação, frequentemente apresentada como saudável orientação prudente, em realidade vem a ser a incompetência em entender o momento presente e formular as necessárias ações defensivas ou, ao contrário, aquelas capazes de aproveitar o momento de mercado, como experimentada há bem pouco tempo atrás pela Blackberry, despencando de admirada liderança.
Ou, deploravelmente identificada em muitas ocasiões, a Ambiguidade, que se traduz na dificuldade dos níveis gerenciais em compreender as estratégias definidas, tornando-se inseguros, hesitantes ou mesmo imprudentes.
Situações como aqui relatadas têm se repetido em todos os mercados. O recente e rumoroso caso da demissão intempestiva do Chairman da Tata Sons, holding do maior e, talvez, mais diversificado grupo da Índia, mobilizando a opinião pública do país, evoluindo para os Tribunais Superiores, engajando diversos escritórios de advocacia e nada menos do que as seis principais empresas de comunicação corporativa indianas, além de intensa troca de acusações nas redes sociais. A saída forçada da presidência do Conselho do fundador e CEO da Uber e a desastrosa operação do Banco Barclays com o Quatar, que, após cinco anos de investigações pelo Escritório Britânico de Fraudes Sérias, indiciou o CEO e quatro ex-executivos, são apenas alguns dos muitos exemplos que se repetem e cuja mais dramática consequência, além do ônus para a sociedade como um todo, foi britanicamente definida por Lord Paul Milner, ex-Ministro da City de Londres “não foi um bom negócio para os acionistas do Barclays que sofreram significativa erosão de resultados e valor contábil”.
RUY FLAKS SCHNEIDER
é Conselheiro de Administração Certificado (IBGC); Consultor e Professor do Curso Superior de Defesa da Escola Superior de Guerra e da Escola de Guerra Naval; e CEO da Schneider & Cia.
ruyschneider@schneidercia.com.br
LUIZ GUILHERME DIAS
é Conselheiro de Administração Certificado (IBGC); CEO da SABE Consultores
lg.dias@sabe.com.br