Entrevista

À ESPERA DOS 100 DIAS: 2019 SERÁ O ANO DA RETOMADA DOS IPOs?

Os primeiros 100 dias do novo governo serão cruciais para definir se 2019 será o ano da retomada dos IPOs ou não. Apesar do Ibovespa estar batendo recorde após recorde, os investidores estrangeiros, que movem as ofertas iniciais de ações, ainda não voltaram e se mantêm no chamado otimismo cauteloso. A espera é de que o governo transforme a teoria na prática com a aprovação das reformas. Na área de dívida, destacam-se as debêntures. A expectativa é de que o volume emitido bata novo recorde este ano.

Em entrevista exclusiva à Revista RI, Carlos Augusto Junqueira e Eduardo Abrantes, sócios do Cescon Barrieu Advogados, um dos principais escritórios de advocacia do Brasil, falam sobre as tendências para o mercado brasileiro.

Carlos Augusto Junqueira atua nas áreas de direito Societário e Governança Corporativa, Mercado de Capitais e Fusões e Aquisições, assessorando Conselhos de Administração e diretorias de companhias abertas e representando administradores, especialmente diretores financeiros e de RI, além de companhias, instituições intermediárias e acionistas em processos sancionadores e pré-sancionadores perante a CVM.
 
Eduardo Abrantes responde pelas áreas Mercado de Capitais, Bancário e Financiamentos e Project Finance, representando bancos de investimento e outras instituições financeiras, multinacionais, companhias abertas e fechadas, fundos de private equity e outros investidores em uma ampla gama de operações, incluindo ofertas públicas e privadas de valores mobiliários e financiamentos estruturados em diferentes setores da economia.

Acompanhe a entrevista.

RI: Qual a tendência para o mercado de capitais, em termos de equity para este ano?

Eduardo Abrantes: O equity é mais dependente do investidor estrangeiro. Se nós pegarmos o histórico de oferta de ações, a participação deles sempre foi muito relevante em termos percentuais, o que os tornam fundamentais para que a empresa feche a operação. Por isso, o equity sofre mais com incertezas e turbulências tanto no front doméstico como externo. Em 2018, tivemos a guerra comercial EUA x China, a alta das taxas de juros americanos e o efeito Copa do Mundo, que faz o investidor ficar em compasso de espera. Aqui dentro teve a greve dos caminhoneiros e a incerteza política em um ano de eleição. Tudo isso impactou o fluxo de recursos externos e as ofertas públicas de ações. No ano passado só foram realizados três IPOs e três follow-ons. Tudo indica que, este ano, a tendência é de retomada. Porque, no front interno, temos a eleição de um governo que, na teoria, é simpático à liberalização econômica e defende: abertura comercial, privatizações e concessões. Há a tendência de queda de juros e retomada da economia. Tudo isso soa bem para o investidor estrangeiro. Se nada de concreto ruim acontecer lá fora, os estrangeiros retornam e as ofertas vão aumentar.

RI: São os chamados 100 dias...

Eduardo Abrantes: Os primeiros 100 dias é o tempo em que o governo tem capital político elevado e, em tese, teria condições de aprovar as medidas necessárias mais difíceis. Esta espera será fundamental para definir o que será o resto do ano. É a hora de encaminhar o discurso para a prática, como uma Reforma da Previdência mais robusta. Este é um gatilho que todos estão considerando como um primeiro passo para trazer este dinheiro para as ofertas de ações. Tendo as definições práticas do que está sendo discutido, a tendência é de o mercado deslanchar. Então a retomada tem tudo para acontecer, mas ficará para o segundo semestre. Alguns bancos têm em seu ativo de 30 a 40 ofertas de IPOs e Follow-ons. De fato, o ano promete, desde que hecatombes não aconteçam.

RI: E do ponto de vista de dívida?

Eduardo Abrantes: No mercado de renda fixa, não vemos esta vinculação direta com o investidor estrangeiro. Tanto que, no ano passado, a emissão bateu recorde no Brasil. Foi a maior desde 2002, quando a Anbima começou a fazer este levantamento. O mercado de capitais local, no ano passado, teve um crescimento absurdo e 90% das emissões foi de renda fixa, mais precisamente debêntures e notas promissórias. Mesmo com a greve dos caminhoneiros, a Copa do Mundo e as eleições, o mercado atraiu interesse e demanda porque, bem ou mal, o País tem realizado leilões de rodovias, de transmissão e geração de energia. Então é possível perceber que existe um apetite para financiar projetos e companhias via renda fixa. Aliás, para 2019, esta tendência vai continuar existindo e, muitos dizem que será possível superar o recorde de 2018. As debêntures de infraestrutura podem crescer ainda mais. O novo governo tem prometido avançar na área de concessões e privatizações, que já andaram bem com o PPI.

RI: Quais as expectativas para outros tipos de captação para pequenas e médias empresas?

Carlos Augusto Junqueira: Pela primeira vez, a gente entra no ano com um ambiente consolidado para as ofertas de Private Equity e Crowdfunding. Este último é um mercado que tem aumentado e, se houver interesse das universidades e dos centros de excelência, pode animar ainda mais. O futuro das operações passa também por uma ampliação da base de startups. Mas há a competição com o Seed Money e Venture Capital. Hoje, são realizadas na média apenas duas ofertas por mês no mercado de Crowdfunding. A tendência, com base nos dados econômicos é de que este número dobre. No entanto, este é um mercado ainda pouco conhecido. Do ponto de vista dos empresários, a disseminação foi mais rápida do que esperado, no entanto, tenho dúvidas se falta investidor ou esse dinheiro está empoçado. Por exemplo, onde a turma do agronegócio investe? Poderiam ser milhões dedicados a fintechs, agrotechs, mas não vejo esta pujança.

RI: O problema é falta de conhecimento do investidor...

Carlos Augusto Junqueira: Exatamente. Não falta dinheiro, mas sim cultura financeira. Há um total desconhecimento. Existem mais presos que investidores em bolsa. Durante muitos anos, os bancos jogavam as pessoas para consórcio e título de capitalização. Tudo isso é lixo. Com os juros caindo, há a ressaca dos dentistas, engenheiros e outros profissionais que não tem mais o porto seguro com remuneração razoável. É uma grande maré que está mudando lá embaixo e a gente não está vendo. Mas uma hora ela deságua. Em algum momento as pessoas vão passar a discutir investimentos como discutem política, seja de forma agressiva ou não. Precisamos discutir economia como acontece nos EUA. Além disso, a concentração do mercado em São Paulo e Rio de Janeiro agrava esse quadro.

RI: Quanto aos 100 dias, esse “bate cabeça” em que o governo anuncia uma medida e depois volta atrás, afasta ainda mais os investidores ou é visto como algo normal no início de governo?

Eduardo Abrantes: “Afasta” não é a melhor palavra. Os investidores estrangeiros usam a expressão “otimismo cauteloso”. Isso descreve um pouco do sentimento atual, que é de espera. A visão é de que tem tudo para dar certo e estão prontos para voltar, mas preferem aguardar para ver se as coisas vão sair como o planejado. Eles querem sentir o primeiro trimestre. Há a questão de que o novo Congresso ainda não assumiu. Os 100 dias passam por aí também. Entre as perguntas que vêm lá de fora está a questão: como será o relacionamento do novo Governo com o novo Congresso? Não adianta o Paulo Guedes falar quais são suas propostas se elas não forem aprovadas. Muita coisa pode mudar e a cautela passa não só pelo o que vai ser proposto efetivamente, mas também se irá será aprovado. Há muito interesse contraposto e o Congresso está mais pulverizado. A relação ainda é uma zona cinzenta e fundamental para passar as reformas que todo mundo está contando e para que as coisas possam andar normalmente. Se realmente os investidores sentirem que vai ser difícil a relação com o Congresso, a cautela pode aumentar. Os estrangeiros querem aguardar uma definição mais concreta para saberem até que ponto faz sentido inundar o país de dinheiro ou não.

RI: E com relação às empresas brasileiras que decidem abrir o capital nas bolsas americanas, como vocês vêem esta tendência, liderada por empresas de tecnologia?

Eduardo Abrantes: Lá fora, o ticket médio das ofertas é muito menor. Nos EUA, que tem mais de 200 IPOs ao ano, a média do valor é de US$ 100 a 150 milhões e, o máximo de US$ 200 milhões. No nosso mercado, dificilmente saem ofertas menores que US$ 240 milhões (R$ 3,75). O público investidor de lá é mais acostumado com esse tipo de oferta e conhece o setor de tecnologia. Há fundos de investimentos especializados e a empresa tem acesso a investidores que são referência no assunto e que vão agregar muito estando na sua base acionária. Outro fator, que a B3 está avaliando com a CVM para deixar o país mais atrativo é a figura do registro confidencial. Nos EUA, a empresa faz um protocolo confidencial do IPO. Assim, até finalizar o negócio ninguém sabe que há intenção de se listar. Já no Brasil, o primeiro protocolo que se faz na CVM ou na Bolsa, torna a intenção pública e, se a empresa suspende o IPO por condições de mercado adversas, fica aquela impressão de que não era das melhores. A confidencialidade é um mecanismo importante estrategicamente para as fintechs de meios de pagamento que tem muita concorrência, por exemplo.

RI: A diferença de custo entre o IPO no Brasil e nos EUA estimula a busca pelo mercado americano?

Eduardo Abrantes: Os custos dos IPOs na bolsa brasileira se equivalem às americanas. Nos EUA, senão me engano, é até um pouco maior. A questão do custo de listagem não é diferencial ou determinante para abrirem o capital lá fora. O Bovespa Mais tem exigências no nível do Novo Mercado e os custos de manutenção das empresas listadas são caros, mas se a companhia mantiver as exigências é estimulada a captar no mercado, sem dúvida.

RI: É a questão de liquidez e tornar o negócio conhecido internacionalmente?

Eduardo Abrantes: Isso mesmo. A empresa passa a ter um público investidor, principalmente no setor de tecnologia, que tem uma cobertura de analistas muito maior. Há centenas de empresas de tecnologia já listadas, o que permite ter base comparativa. Aqui são pouquíssimas. Tal fato leva à perda da base comparativa. Assim, o pool de investidores, o conhecimento do mercado, junto com o registro sigiloso, levaram à escolha das empresas brasileiras de tecnologia a buscarem o mercado americano.

RI: E quanto ao segmento de infraestrutura em relação ao mercado? Quais as perspectivas?

Carlos Augusto Junqueira: Na captação das empresas deste setor destaca-se a debênture incentivada que deve continuar sendo um mecanismo importante de captação. Quanto a ofertas de ativos elas devem ser feitas no mercado interno por conta do benefício fiscal. Mas também há interesse de estrangeiros nesse segmento, fruto da quebradeira das grandes empreiteiras. A fase da “empreiteira baleia” é página virada. Todas diminuem de tamanho, o que vai aumentar a competitividade entre consórcios com empresas estrangeiras e brasileiras. Eu ficaria de olho nos americanos, como aliados no tabuleiro, além de chineses, canadenses e europeus. No processo de privatizações, o americano teve uma presença menor do que parece ser a natural de quem está aqui por perto. Isso pode surpreender.

Eduardo Abrantes: A infraestrutura é o setor do momento e representa parte considerável do total captado em renda fixa. Nós temos um gap de infraestrutura histórico e, para chegar ao nível de outros países emergentes ou de primeiro mundo, é necessário muito mais investimentos, que estão abaixo de 3% do PIB. É irrisório. O país precisa de infraestrutura, mas para potencializar o mercado é preciso o que todo investidor preza: confiança, segurança jurídica, marco regulatório bem definido e cumprimento de contratos. Esses princípios básicos precisam ser respeitados. O setor elétrico é um exemplo positivo. Tem um marco regulatório saudável e histórico de respeito aos contratos. Por isso, na prática, atrai grandes players mundiais do setor e temos leilões recorrentes de geração e transmissão com grande competição. É um segmento que tem captado e se financiado localmente com debêntures e notas promissórias. Outro que tem atraído interesse e incorporado um marco regulatório mais amigável ao investidor estrangeiro, e dá segurança jurídica, é o de Rodovias. O novo governo tem como uma das metas avançar com todo este trabalho, que foi bem feito pelo governo Temer. Então já há editais para novos aeroportos, portos e ferrovias. Já a área de saneamento, tem um marco regulatório difícil de entender. Isso deve mudar, pois agenda do saneamento é árdua. Com os ajustes corretos, a infraestrutura tem tudo para receber mais investimentos e mudar o perfil do investidor. Se fala da participação cada vez maior de fundo de investimentos estrangeiros. É uma agenda que veio para ficar.

RI: Com a crise, muitas empresas ficaram ociosas e endividadas. O que prejudica os IPOs e pode ser um dos motivos de as debêntures andarem tão bem. Foi mais rolagem de dívidas?

Eduardo Abrantes: No auge da crise, grande parte das operações no mercado de capitais local foi reestruturação de dívida para conseguir mais prazo de pagamento. Num momento de crise, a tendência é de captar menos para investimentos novos e mais para reciclagem de capital. O argumento é muito razoável, pois o empresário não sabe qual o cenário, e para onde vai a economia. As empresas tendem a se retrair no que se refere à novos investimentos. O que se viu neste momento foi a reestruturação de capital para readequar o seu perfil de endividamento para o novo ambiente. Mas, desde o meio do ano passado quando já havia uma indicação de para onde ia a eleição, as empresas começaram a levantar financiamentos para projetos novos e não só para reverter o perfil da dívida.
 
RI: Há muitas empresas que ainda têm uma capacidade ociosa elevada. Qual o impacto desta ociosidade nos IPOs deste ano?

Eduardo Abrantes: O mercado de IPOs trabalha com janelas. Então é preciso aproveitar os momentos em que as janelas existem para conseguir ser bem sucedido na sua colocação. As empresas que pretendem captar na Bolsa dependem de uma preparação prévia. Colocar um IPO na rua não é algo que você faz do dia para a noite. É uma decisão tomada com base no que o acionista majoritário pretende fazer. São raros os IPOs em que você quer levantar recursos simplesmente para se capitalizar ou cobrir buracos. Até porque, diferente de uma dívida que você toma com o banco, a análise é outra. No IPO, a procura é por acionistas diversos e tem que ter uma história boa para contar, mostrar que o futuro é promissor. Para fins de oferta de ações, as companhias precisam demonstrar que o recurso é para expansão, crescimento, aquisição de novas tecnologias, ou empresas. Porque é isso que vende a ação para os investidores interessados a participar daquele negócio. Então, dependendo do setor, de fato, se não há história, é preciso segurar a oferta até que ele tenha este horizonte promissor mais definido.

RI: O maior problema é a diferença do que o acionista acha que a empresa vale e a precificação dos investidores, principalmente com o aumento do endividamento...

Eduardo Abrantes: É questão de avaliação. Durante o processo os investidores consultados precificam a ação. A companhia dá aquele intervalo de preço que gostaria de vender, porém o fato é que os investidores fazem a precificação deles com base na história que foi contada, números que foram apresentados, no seu setor de atuação, etc. Então, muitas vezes, falam: para entrar neste IPO eu quero esse preço aqui. E aí a decisão fica a critério da companhia. Com a falta de demanda, algumas abaixam o preço e outras desistem. A análise do investidor econômico-financeira condiciona sua entrada no IPO. Algumas suspendem porque acham o preço muito baixo e não faz sentido reduzir mais e preferem esperar valorizar. Outras vêem o IPO como processo fundamental e aceitam. Varia muito do momento da companhia. Contudo, quando se tem uma resposta diferente do investidor, a maioria opta por suspender por um tempo e voltar mais à frente quando os números serão melhores. É uma análise complexa.


Continua...