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Nesta primeira edição de 2019, dedicamo-nos ao Sistema de Recompensas, tema muito importante em todos os níveis hierárquicos de uma organização, fortemente associado ao alinhamento entre os interesses dos sócios e das pessoas responsáveis pelas atividades organizacionais.
O sistema de recompensas é um dos cinco vértices da arquitetura organizacional, representado na figura da Orquestra Societária ou Corporativa. Como os sistemas de recompensas podem contribuir para a criação de um Modelo de Gestão Sustentável (MGS)? Como recompensar as pessoas que fazem a organização chegar ao futuro pretendido por seus planejadores?
Preliminarmente, consideremos os exemplos seguintes, para uma organização hipotética:
Caso 1 - João é conselheiro de administração de um grande grupo empresarial, com operações dentro e fora do País. Trabalha na organização há cinco anos e gosta do seu trabalho. É conselheiro profissional, reconhecido pela boa formação e capacidade de agregar valor às decisões. Entende que a remuneração fixa dos conselheiros é baixa, que poderia haver também remuneração variável e que as boas contribuições não são enaltecidas.
Caso 2 - José é diretor do grupo empresarial supracitado. Trabalha na organização há cinco anos e gosta do seu trabalho. Além dos benefícios dos demais empregados, recebe bônus anuais, conforme os resultados do grupo, medidos por indicadores como lucro líquido, lucro operacional e retorno sobre o investimento. Para ele, a organização poderia pagar valores maiores de bônus em função do que o mercado paga aos executivos de sua posição e dos riscos por ele assumidos.
Caso 3 - Joaquim é gerente em uma das empresas do grupo empresarial supracitado. Trabalha na organização há cinco anos e gosta do seu trabalho. Além dos benefícios dos demais empregados, recebe bônus anuais, conforme os resultados do grupo, medidos pelos indicadores acima citados. Entretanto, entende que os dirigentes da organização não percebem sua capacidade de assumir riscos. Para ele, os indicadores e metas de performance estabelecidos, com enfoque global, são muito amplos e não lhe permitem demonstrar sua capacidade profissional e subir na organização, como gostaria.
Caso 4 - Pedro é operário especializado em uma das empresas do grupo empresarial supracitado. Trabalha na organização há cinco anos e gosta do seu trabalho. Entretanto, está insatisfeito, por entender que não tem oportunidades de melhoria financeira, as quais possibilitem a aquisição de uma morada melhor, bem como maior qualidade de vida para sua família. Com salário fixo, entende que seria mais justo se pudesse ganhar mais nos bons momentos financeiros da organização (como tem notícia de que ocorre com níveis hierárquicos superiores). Muito apreciaria também uma ajuda financeira aos estudos de seus filhos.
O que esses quatro exemplos apresentados trazem de relevante para o presente artigo? Retornaremos aos mesmos adiante, algumas vezes, e os nossos leitores compreenderão porque eles são interessantes para diversas reflexões aqui apresentadas.
No âmbito da Orquestra Societária e do Modelo de Gestão Sustentável (MGS), a construção do vértice sistema de recompensas deve contemplar oito fundamentos igualmente importantes, aqui identificados e não exaustivos.
Seis dos fundamentos supracitados são comuns com o vértice pessoas & cultura, contemplado na edição anterior (227), ainda que seu conteúdo seja específico para sistema de recompensas. São eles: compreensão das aspirações das pessoas; abrangência da visão de grupo; compreensão da cultura organizacional; sustentabilidade e gestão de riscos; obrigações formais e boas práticas; e, alinhamento entre esse e os demais vértices da Estrela de Galbraith.
Além deles, identificam-se dois fundamentos específicos: compreensão da natureza de um sistema de recompensas e inteligência desse sistema nos ambientes de governança corporativa e de gestão das operações.
Esses oito fundamentos são a base para que o sistema de recompensas organizacional contribua para que se tenha um Modelo de Gestão Sustentável (MGS), representado na figura da Orquestra Societária ou Corporativa e estão resumidos no quadro seguinte, além de melhor caracterizados adiante:
Nota: Estão indicadas entre parêntesis as dimensões do MGS mais relacionadas a cada fundamento.
Seja o primeiro fundamento de construção do vértice sistema de recompensas – compreensão das aspirações das pessoas; ele nos remete à hierarquia das necessidades humanas de Maslow, reproduzida na figura a seguir. Tal hierarquia foi introduzida na edição anterior (227), na qual tratamos do vértice pessoas & cultura da Orquestra Societária.
Fonte: Adaptada pelas autoras com base nas ideias de Abraham Maslow (várias obras).
Retomando essa figura clássica da Administração, cabe destacar que os estudos de seu propositor, Abraham Maslow, agregaram grande avanço teórico a esse campo de conhecimento. Ao mesmo tempo, a ideia de uma hierarquia entre necessidades tem sido fortemente questionada, sob alegação de que estas são próprias da condição humana e todas importantes. A pirâmide de Maslow, que tem sido usada por áreas de RH em suas atividades cotidianas, tem grande utilidade prática. E ainda que não exista uma hierarquia entre as necessidades supracitadas (o que não significa que uma dada pessoa não possa ter suas prioridades pessoais), essas necessidades existem e, conforme se perceberá no segundo fundamento relacionado ao sistema de recompensas, elas perpassam os modernos sistemas de recompensas de pessoas.
Seja ainda a hierarquia de Maslow e os quatro mini-cases iniciais deste artigo. Em todos os quatro exemplos, identificam-se necessidades humanas insatisfeitas, em distintos níveis hierárquicos, conforme quadro a seguir:
Nota: Os desejos associados estão numerados conforme as necessidades da hierarquia de Maslow (figura anterior).
1. Enfatiza-se que as necessidades humanas são inerentes a todos os seres humanos que atuam na organização, independentemente de sua posição na hierarquia.
Considere-se o segundo fundamento de construção do sistema de recompensas – compreensão da natureza de um sistema de recompensas, isto é, de seus itens integrantes. Esse sistema abrange itens financeiros diretos e indiretos (que compõem a remuneração) e itens não financeiros, conforme o quadro a seguir, cujo exame conduz a algumas constatações não exaustivas:
Fonte: Quadro sugerido pelas autoras, com base no livro Gestão de pessoas, de Idalberto Chiavenatto (p. 281).
Nota: A estrutura acima é indicativa. O Quadro se refere a recompensas, não a punições.
Quando se consideram os quatro mini-cases iniciais e o exposto na descrição do segundo fundamento dos sistemas de recompensas, apresentado neste artigo, constata-se que o sistema de recompensas da organização é percebido por pessoas de diferentes níveis hierárquicos como insatisfatório em recompensas financeiras e não financeiras. Pode-se argumentar: a insatisfação é uma tônica dos seres humanos. Nos exemplos em questão, será este o caso?
Passando ao terceiro fundamento do sistema de recompensas – abrangência da visão de grupo – esta deve também ser considerada para o sistema de recompensas. Aqui, vale a mesma lógica da criação de sinergia explicada nos artigos das duas edições anteriores (226 e 227) para as estruturas e as pessoas & cultura: é possível agregar valor econômico ao grupo organizacional, por meio de uma mesma lógica e concepção para o sistema de recompensas. Exemplificando: uma política geral para cargos & salários pode criar benefícios tangíveis e intangíveis para a organização.
No que tange ao quarto fundamento do sistema de recompensas – compreensão da cultura organizacional, é importante entender os principais elos entre tal sistema e a cultura, de maneira a reforçar atributos culturais desejáveis. O quadro adiante apresenta utilidades da cultura organizacional para as organizações, aspectos envolvidos e possíveis crenças associadas:
Nota: Os itens em destaque foram aqui escolhidos para comentar seus elos com o sistema de recompensas.
Fonte: Quadro sugerido pelas autoras, com base no conteúdo do livro Cultura Organizacional – Construção, consolidação e mudanças (Ronaldo Dias, 2012, capítulo 7).
No quadro em questão, percebe-se que as recompensas se relacionam a três utilidades: 2 – normatizar e criar padrões morais; 3 – orientar a adaptação ao ambiente externo, e 4 – idem para o ambiente interno. Para o primeiro caso, citamos o exemplo da meritocracia (recompensar a maior o melhor desempenho); para o segundo, a gestão por resultados (com base em metas, mensuração e correções de rumo); para o terceiro, recompensar e punir (o sistema de recompensas aqui tratado focaliza recompensar). Ao mesmo tempo, tal sistema reflete padrões morais vigentes (item 2 do quadro). Exemplificando: se se deseja uma cultura ética, o sistema de recompensas deve ser justo com as pessoas. Ele ajuda a moldar a cultura organizacional, a qual, por sua vez, termina por impactar o próprio sistema de recompensas, criando-se certa circularidade.
Os exemplos baseados no quadro anterior não esgotam as possiblidades de análise, à luz da cultura organizacional, mas ilustram alguns links entre cultura e recompensas, que podem, por um lado, tornar mais robusta uma cultura que se queira desenvolver, e por outro lado, aprimorar o próprio sistema de recompensas, com o passar do tempo.
Com base no exposto, indaga-se: nos quatro mini-cases iniciais, as crenças em meritocracia, gestão por resultados e recompensar, em especial, são as mesmas para as quatro pessoas consideradas?
Para o quinto fundamento do sistema de recompensas – sustentabilidade e gestão de riscos – identificamos quatro questões mais relevantes a considerar. A primeira corresponde aos gastos com pessoas, algo que deve ser controlado. A segunda faz contraponto com a primeira e corresponde a não fazer os gastos imprescindíveis com talentos para concretizar a estratégia. A terceira tem a ver com o desenho inadequado do sistema de recompensas, em aspectos como justiça x injustiça, curto x longo prazo, indicadores, metas e controles entre outros (itens destacados adiante). A quarta, por fim, corresponde ao desafio de envolver as pessoas na gestão da sustentabilidade e riscos, conforme também apresentamos na edição anterior (227). Como fazer acontecer?
Aqui, cabe uma pergunta: nos quatro mini-cases iniciais, a sustentabilidade e os riscos ligados ao sistema de recompensas estão contemplados nesse sistema? Em que medida?
No que concerne ao sexto fundamento do sistema de recompensas, obrigações formais e boas práticas, enfatizamos aqui dois tópicos não exaustivos, a título de ilustração. O primeiro se refere à observância de regras trabalhistas, que impactam as recompensas financeiras. O segundo tópico diz respeito às boas práticas de sistemas de recompensas, como é o caso da criação de comitês de recursos humanos para apoiar os conselhos de administração, integrados por conselheiros, bem como de sistemas de recompensas que, sem perder de vista a sobrevivência dos indivíduos, estejam, também, vinculados a resultados.
Com respeito ao sétimo fundamento do sistema de recompensas – inteligência desse sistema nos ambientes de gestão das operações e de governança corporativa – veja a figura adiante. Nela se representam, à esquerda, os ambientes de governança corporativa (abrangendo os conselhos de administração e fiscal e as diretorias executivas) e de gestão das operações (demais áreas), e à direita, a cadeia de maestros organizacionais (líderes formais, lembrando que estamos tratando aqui de uma Orquestra Societária ou Corporativa, que parte do Conselho de Administração e chega até o último nível gerencial existente). Como o sistema de recompensas deve considerar essas duas visões na organização – os ambientes de governança e gestão e a cadeia de maestros? Como buscar eficácia (fazer o que precisa ser feito) e eficiência (fazer bem feito)?
Correndo o risco de simplificação, identificamos três premissas não exaustivas, que reforçam o cuidado com os riscos antes citados. A primeira é a busca de justiça em todos os níveis. Bons sistemas de recompensas devem ser justos ou minimizar injustiças. São exemplos de práticas justas recompensar a maior responsabilidade (maestros), recompensar esforços equivalentes de forma igual, recompensar o melhor desempenho (para responsabilidades iguais ou correspondentes), recompensar observando o ambiente externo e recompensar com transparência quanto aos critérios. Injustiças podem criar riscos na organização; por vezes, significativos.
Nota: A parte à direita é a mesma que consta no artigo da edição anterior (227).
A segunda premissa é o equilíbrio entre as visões de curto e longo prazo, sendo papel dos maestros zelar por tais visões. O mix remuneração fixa-variável deve ser equilibrado, pois se a remuneração variável atrelada à performance, cada vez mais presente nas organizações, afeta comportamentos em prol de resultados, ela também pode favorecer o oportunismo, conforme observa Mário Larrote no livro Governança Corporativa e Remuneração dos Gestores (2013).
A terceira premissa aqui contemplada é o desenho cuidadoso de indicadores, metas e controles, do qual os maestros podem participar intensamente. É prudente adotar indicadores de cunho abrangente e específicos, já que apenas os primeiros não serão suficientes. Metas, por seu turno, precisam ser desafiadoras, sem ser percebidas como “frouxas” ou “impossíveis”. Controles devem ser à prova de críticas e não manipuláveis por quem se beneficiará de suas informações.
Voltando à organização dos quatro mini-cases inicialmente expostos, como essas premissas têm sido ali consideradas? O sistema de recompensas da organização é justo? É equilibrado, quando se pensa em todos os níveis hierárquicos? Tem indicadores, metas e controles adequados? Existem riscos significativos na organização, criados pelo seu sistema de recompensas? Este e outros questionamentos anteriores sobre esses quatro casos fornecem alguns indícios sobre problemas no sistema de recompensas, mas seria preciso confirmar, por meio de um diagnóstico estruturado.
Chegando ao oitavo fundamento de construção do vértice pessoas & cultura – alinhamento entre o mesmo, a estratégia e os demais vértices da Estrela de Galbraith, uma vez mais enfatizamos: este é um dos pressupostos mais importantes da equação da Sinfonia Corporativa (Sinfonia Corporativa = Forte alinhamento + Riscos adequadamente geridos + Resultados sustentáveis), residindo no âmago do Modelo de Gestão Sustentável (MGS). Recompensas atreladas a resultados são uma das formas mais poderosas de alinhamento, atentando-se aos aspectos acima comentados.
Por fim, o sistema de recompensas – e a administração de seres humanos, de forma abrangente – estão longe de ser triviais, pois é impossível atender a todos os interesses de todas as pessoas da organização, mas o perfeito alinhamento entre os interesses dos sócios e dos empregados, no bojo de uma cultura onde exista ética e justiça, é a utopia a ser perseguida.
CIDA HESS
é economista e contadora, especialista em finanças e estratégia, mestre em contábeis pela PUC SP e tem atuado como executiva e consultora de organizações.
cidahessparanhos@gmail.com
Mônica BrandÃo
é engenheira, especialista em finanças e estratégia, mestre em administração pela PUC Minas e tem atuado como executiva e conselheira de organizações e como professora.
mbran2015@gmail.com