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Escrevemos este artigo durante o período em que se tornou uma febre, nas redes sociais, o uso de um aplicativo que modifica a idade aparente nas fotos, para mais ou para menos, mas todos queriam ver-se mais velhos – aí estava a novidade. Para os mais jovens, como se notou nos comentários generalizados, ver-se com sessenta ou mais anos foi uma experiência desconcertante. Que se acostumem, pois estatisticamente a chance é de que vivam muito mais que isso.
Mesmo para quem tem hoje 60 anos, só há o que comemorar. Especialmente para aqueles que cuidaram da saúde, do intelecto, das finanças e dos relacionamentos esta é uma idade que pode ser cheia de encantos. Somos a raspa do tacho dos baby boomers. Quando nascemos a previsão era de que mais da metade de nós já estaria morta a esta altura. Felizmente ganhamos, ao longo do caminho, mais 30 anos de expectativa de vida, e hoje mais de 90% de nós continuamos vivos.
O Demógrafo James Vaupel Diretor do Instituto Max Planck de pesquisas demográficas da Alemanha afirma que a expectativa de vida não está aumentando como resultado de uma desaceleração no processo de envelhecimento. Em vez disso, o processo de envelhecimento está sendo adiado. A velhice está sendo atrasada, estamos ficando jovens por mais tempo.
A geração dos baby boomers inaugurou o consumo de massa. A publicidade nos inundou com propostas para comprar o primeiro carro, a TV colorida e com controle remoto, o Walkman, a casa própria, o seguro de vida para proteger nossos dependentes e nosso plano de aposentadoria. Entretanto, sumimos do radar dos publicitários, estamos sendo esquecidos. Ou, pior, somos lembrados preconceituosamente como “idosos”.
Quando um sexagenário entra em uma loja de roupas esportivas, logo o vendedor vem com a pergunta: “é para quem?”. Não passa pela cabeça do jovem atendente que pessoas de 60 anos ou mais possam usar as roupas esportivas. E em uma loja de bicicletas então, só falta o atendente oferecer uma bike com rodinhas. Muitas pessoas, nessa faixa de idade, praticam esportes – ciclismo no nosso caso – e gozam de excelente saúde.
No Brasil, foi necessário mais de meio século para que a porcentagem de pessoas acima de sessenta anos dobrasse de 5% para 10%. Porém, agora o crescimento vai se acelerar, e em 2019 as pessoas com mais de 60 já representam 13,3% da população. E logo ali na frente, em 2050, o número de brasileiros com mais de 60 anos deve chegar a 70 milhões, o que é equivalente a toda população francesa. Ignorar um contingente tão grande de consumidores é um erro brutal. Não são todos velhinhos de bengala, como representados nas vagas de estacionamento reservadas para a terceira idade.
No século XIX “velhos” eram aqueles com mais de 40 anos, no século XX essa idade passou para os 60, e agora, no século XIX, já saltou para os 80 anos, com a perspectiva de em breve ser ainda mais expandida. Será necessário ressignificar a idade. Lembrando que “balzaquiana” já foi sinônimo de uma mulher de trinta anos.
Os velhos e o sistema financeiro
Existe, hoje, um período de vida saudável que se estendeu por mais 20 ou 30 anos, que parece não ter sido percebido pelos publicitários, o que vale também para os produtos do sistema financeiro. O que tem sido oferecido para quem passou dos 60? Empréstimo consignado?! É verdade que muitos infelizmente ainda dependem do consignado para viver, porém, muitos outros têm boa situação financeira. Para estes a proposta é plano de previdência como estratégia de sucessão. A conversa começa com a morte.
O instituto da herança já foi muito mais importante do que é hoje. Quando as pessoas morriam mais cedo, existia um pacto intergeracional no qual os pais tentavam deixar uma herança para os filhos e, caso vivessem muito, seriam mantidos por estes. Os filhos recebiam herança na maior parte das vezes na casa dos 30 anos, o que gerava enorme impacto financeiro no enriquecimento das futuras gerações. Porém, com a maior longevidade, a expectativa de herança passou para a casa dos 50 ou 60 anos, quando a vida dos filhos já está mais do que consolidada. A maior herança que um pai pode deixar hoje é se sustentar e ser autônomo enquanto viver.
O sistema financeiro tem produtos de investimentos, seguros e empréstimos para aqueles que estão construindo seu patrimônio. E quanto aos “maiores de idade”, que produtos são oferecidos para aqueles que querem fruir o patrimônio acumulado? Como repensar produtos financeiros para aqueles que chegaram ao cume e estão descendo a montanha? Que produtos oferecer para aqueles que já deram educação para os filhos, que hoje não têm necessidade de receber uma herança, ou para aqueles que nem filhos tiveram, e que querem gastar o patrimônio acumulado antes de morrer?
Uma das soluções é a “hipoteca reversa”, que hoje é objeto de projeto de Lei do Senado n° 52, de 2018 de autoria do então senador Paulo Bauer (PSDB/SC), e que foi motivado por um artigo publicado neste espaço, na edição 211 da revista RI de Abril de 2017. Ela já está disponível em vários países desenvolvidos. É exatamente o oposto da hipoteca ou financiamento imobiliário, onde o tomador de crédito vai pagando lentamente a um banco ou companhia hipotecária até que, ao final de um período, ele se torna dono da casa. Neste caso – da hipoteca reversa – a pessoa troca o valor da casa por uma renda mensal. É uma forma de complementar a aposentadoria. Com ela, abre-se mão de deixar uma herança aos descendentes, mas se viabiliza uma vida com mais conforto na terceira idade, e evita-se depender dos filhos e netos ainda em vida. O banco recebe o retorno sobre o investimento quando a pessoa morre ou precisa abandonar a casa. Nesse caso, a casa é transferida ao banco, que vende o imóvel para recuperar seus investimentos.
Outro produto que segue uma lógica semelhante é um novo tipo de seguro, que merece ser batizado de “Seguro Jorginho Guinle”. Seria o inverso do seguro de vida. No seguro de vida cobrimos o risco de morrermos cedo e deixarmos dependentes em situação difícil. Neste novo seguro cobriríamos o risco de viver muito.
Jorginho Guinle foi um herdeiro milionário que gastou toda sua fortuna estimada em 100 milhões de dólares em festas, viagens e boa vida. É famosa sua frase: “O segredo do bem viver é morrer sem um centavo no bolso. Mas errei o cálculo e o dinheiro acabou antes da hora”. E não se pode dizer que ele foi irresponsável. Numa época em que a expectativa de vida não passava dos 60 anos, programou-se para que seu dinheiro durasse até os 80. E viveu até os 88 anos de idade!
Na vida só existem dois erros financeiros: economizar muito e morrer cedo, ou economizar pouco e demorar para morrer. Guinle cometeu o segundo erro. O seguro que propomos aqui cobriria o segundo risco. Ao passar dos 60 anos o segurado pagaria um prêmio, de tal forma que se viver além da expectativa de vida passa a receber uma pensão. Outra possibilidade seria conjugar a hipoteca reversa com o seguro. O segurado poderia fazer a hipoteca reversa da casa e com o total ou parte do valor recebido já poderia quitar o prêmio do “seguro Guinle”. Assim, poderia gastar sem preocupações seu patrimônio, com a garantia de que, se viver muito além da sua expectativa de vida, não seria punido com o segundo erro.
Os bancos podem e devem começar a pensar sobre uma nova realidade que se impõe com o aumento da longevidade, e as possibilidades são imensas. Porém, alguns bancos ainda insistem em promover bailinhos da terceira idade.
Por favor, entendam que muitos cidadãos da terceira idade têm saúde e dinheiro para viver muito bem.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br
Ercy Soar
é médico psiquiatra e psicoterapeuta, mestre em Psicologia e doutor em Ciências Humanas, e atua em clínica privada em Florianópolis, SC.
ercysoar@gmail.com