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Não há como não ser seduzido pelo chamamento da Transformação Digital, afinal de contas mudanças e tecnologia - ainda mais somados - mexem com a mente de qualquer um. Imaginar um mundo onde existam dados interconectados para tomada de decisão, possibilidades de modelos preditivos para otimização de performance e automatização de atividades de baixo valor agregado é, praticamente, um sonho de uma noite de verão para qualquer profissional que já percebeu a força da tecnologia nos negócios.
Contudo, fiquei incomodado com alguns aspectos avaliando a questão etimológica do termo “Transformação Digital”: primeiramente se, de fato, estamos tratando de uma transformação e, em segundo lugar, se realmente é de uma transformação que precisamos.
Transformação diz respeito à alteração de estado de um sistema. Nesse sentido, considera que o estado posterior é completamente diferente do estado anterior. Diz respeito a uma mudança rápida com uma direção minimamente definida. Em contrapartida, evolução diz respeito a uma série de movimentos desenvolvidos contínua e regularmente, de forma harmoniosa e natural de forma incremental na direção de melhor adaptação.
Pode parecer um pensamento do meu “eu-velho”, mas quase todo movimento mais acelerado, como uma transformação, inevitavelmente demanda mais energia e envolve maiores riscos, além disso tende a ser mais descontrolado. Pensar de forma evolucionária permite uma melhor avaliação de riscos, um maior envolvimento das pessoas e uma melhor percepção do senso de progressão. Mudanças muito rápidas, às vezes, são só mudanças e não melhorias.
Cito como exemplo, sem críticas específicas, o estudo publicado pelo Centro de Estudos Econômicos da Alemanha que demonstra, a partir da avaliação de toda cadeia produtiva, que o novo Tesla Modelo 3 é mais poluente, em termos de emissão de gás carbônico que veículos à diesel produzidos por outras marcas como a Mercedes. Obviamente é uma questão temporária até que a Lei de Moore (se concretizada) reduza essa pegada ao ponto de ser menos poluente. De qualquer maneira, antes disso, muitos países já davam isenções e estimulavam o uso de carros elétricos.
Entender os reais impactos de uma mudança leva tempo, principalmente em termos conjunturais como é tudo aquilo que envolve o crescimento e popularização da digitalização, uso de inteligência artificial e automatização. Isso, em absoluto, significa que devemos tirar o pé do acelerador, porém existem muitos casos onde essas mudanças estão sendo propostas sem uma visão estratégica e propositiva. Transformação Digital sim, mas para quê?
Muitas organizações mal aproveitam os recursos tecnológicos que já dispõe. Em um mundo que se fala muito em Big Data, muitas empresas têm dificuldade em olhar o Small Data para gestão da rotina. Pense um minuto na sua organização atual ou regressa: quanto da informação já disponível em dados estruturados ou não estruturados é realmente utilizada para tomada de decisão? Qual foi a última reunião em que o brainstorming foi balizado por uma análise histórica do indicador e que foi feita uma avaliação do estado atual antes de proporem uma ação? E isso não tem nada a ver com tecnologia.
Grande parte das empresas ainda segue a opinião do chefe em muitos fóruns. Afinal de contas, se é para usar opinião, e não os fatos, que seja a dele. O que quero dizer com isso é que há dificuldades severas em analisar os dados para tomar decisões, responder além do terceiro “por quê?” e estabelecer um plano de ação robusto. Além disso e principalmente, acompanhar o resultado dessas ações por um período mínimo de um mês que seja.
Quando digo para trabalharmos com a Evolução Digital, digo para traçarmos uma estratégia de digitalização que considere as pessoas, os processos, o negócio, os clientes e por último a tecnologia. Não faz sentido nenhum dizer que sua empresa entrou na era digital simplesmente porque possui alguns squads rodando, um aplicativo, um chatbot no website e um dashboard de indicadores no ERP. A questão fundamental é como isso está conectado à sua estratégia, proposta e cadeia de valor. Ainda mais: como as pessoas estão sendo preparadas para usarem todo esse novo arsenal se mal usam aquele que hoje já dispõe?
Talvez a Transformação Digital seja conceitualmente egoísta, entendendo que não conseguimos extrair o máximo das pessoas e que realmente precisamos de um algoritmo para tomada de decisão. Obviamente, não tenho problema nenhum com algoritmos. Mas, se ele nasce como uma solução para não desenvolver pessoas, significa que a mudança foi rápida demais para sua organização.
Empresas que já nascem digitais possuem uma grande vantagem competitiva: a mentalidade científica para uso das informações para tomada de decisão. Tentar mimetizar o comportamento dessas empresas somente através de tecnologia, dessa maneira, não é suficiente para que sua força de trabalho use as ferramentas de forma apropriada.
Assim, a partir disso, proponho a seguinte reflexão: Quais áreas da sua empresa estão prontas para a digitalização? Além disso, qual sua estratégia para preparar as demais áreas menos maduras, permitindo sua evolução antes da transformação? Com essas duas respostas, talvez fique mais claro qual o caminho a seguir: transformação ou evolução.
Gilberto Strafacci Neto
é diretor de Operações do Setec Consulting Group. Engenheiro Mecânico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo; especialista em Análise de Desempenho de Empresas pela FGV; Certified Six Sigma Master Black Belt pela American Society for Quality (ASQ) e Certified Scrum Master pela Scrum Alliance.
gstrafacci@setecnet.com.br