Proteção de Dados | Educação Financeira | Em Pauta | Enfoque |
Espaço Apimec | Finanças Sustentáveis | Fórum Abrasca | IBGC Comunica |
IBRI Notícias | Investimentos | Opinião | Orquestra Societária |
Ponto de Vista | Registro |
O ambiente macroeconômico brasileiro mudou e - junto com ele - aumentaram os desafios das áreas - e dos profissionais - de Relações com Investidores (RI) das empresas listadas na Bolsa. A queda da taxa de juros, que hoje se encontra em patamar histórico mínimo, provocou a busca de milhares de brasileiros pela diversificação dos investimentos, o que elevou o número de pessoas físicas cadastradas na B3. Antes acostumados a conversar com os institucionais, utilizando os canais tradicionais de comunicação, agora os RIs precisam falar com um número cada vez maior de pessoas físicas, dos mais diferentes perfis e que utilizam os mais diversos canais para se informar. As opções são inúmeras e vão desde vídeos de influenciadores nas mídias sociais à relatórios de casas de análise, relatórios de instituições financeiras, sites de notícias e, enfim, ao próprio site das companhias abertas. A informação deve ser instantânea, acessível a todos, e a clareza e a precisão das áreas de RI são armas essenciais para atingir esse novo público.
Durante mais de duas décadas desde o início do Plano Real, em 1994, o brasileiro conviveu com o “conforto” de aplicações simultaneamente rentáveis, líquidas e seguras. E, foi somente a partir de outubro de 2016 que a taxa básica de juros (Selic) começou o seu longo ciclo de queda. Naquele momento, o Brasil ainda tinha juros de dois dígitos - o corte foi de 14,25% para 14% ao ano. Para a economia e o mercado de capitais o elevado patamar consistia em um veneno, mas para investidores era um facilitador.
“O brasileiro está mudando sua relação quanto a investimentos e isso advém do fato de que durante muitos anos ele não precisou ser investidor. Basicamente só precisava colocar seus recursos no CDI que oferecia retorno alto. Isso foi deixando de existir e agora ele precisa adotar uma postura mais ativa nesse mercado”, destacou o presidente da B3, Gilson Finkelsztain, durante o almoço de premiação do IR Magazine Awards Brazil 2019, em novembro último.
A facilidade criada por anos e anos de juros elevados gerou um comodismo do brasileiro que obtinha rentabilidade elevada sem esforços, o que fez o mercado de capitais ser - praticamente - um terreno de investidores institucionais e estrangeiros. “Em investimentos, rentabilidade, liquidez e segurança são conceitos mutuamente excludentes. Os juros elevados por tanto tempo criaram uma distorção, que agora começa a ser corrigida e requer mudança de hábitos”, diz o estrategista chefe da Levante Ideias de Investimento, Rafael Bevilacqua.
De outubro de 2016 até hoje, o Comitê de Política Monetária (Copom) cortou a taxa Selic 15 vezes e agora o país convive com juros de 5% ao ano. A mudança de hábito veio junto. Para se ter uma ideia, com rentabilidade abaixo da poupança e, em alguns casos, ofertando menos de 1% ao ano de ganhos reais ao ano, os CDBs (Certificados de Depósitos Bancários) estão, aos poucos deixando de ser os “queridinhos” dos investidores brasileiros, segundo revela a pesquisa Investimentos de Renda Fixa mais atrativos do Brasil: a busca pela diversificação, elaborada pelo App Renda Fixa, aplicativo, que compara gratuitamente investimentos conservadores em diversas corretoras, ligadas à bancos ou independentes.
“Observamos que o brasileiro deseja mais diversificação, pois muitos CDBs, principalmente quando falamos dos de grandes bancos, dão praticamente zero de rentabilidade real”, explica a economista do App Renda Fixa, Karina Garbes. Segundo os dados da pesquisa, envolvendo uma base de 1.950 CDBs emitidos, o papel com menor rentabilidade cadastrado na plataforma, rende anualmente 2,99% líquida ao ano, o que significa um ganho real (acima do IPCA) de apenas 0,7% e bem abaixo da poupança (4,49% ao ano).
Diante deste quadro, a aceitação ao risco versus rentabilidade aumenta, o que fez o mercado de capitais receber uma enxurrada de novos CPFs cadastrados. Na B3, o número de pessoas físicas cadastradas, ultrapassou 1,5 milhão em outubro deste ano. Há dez anos, o total era de praticamente um terço, 552.364 CPFs e, em janeiro de 2002, primeiro ano da série publicada, menos de 90 mil pessoas físicas tinham cadastro na bolsa. Para se ter uma ideia da evolução, o número de individuais que ingressaram na B3 nestes dez primeiros meses de 2019, soma 722.925, quase a totalidade que havia de cadastros ao final de 2018 (813.291).
Apesar do forte crescimento do ano passado para cá (88,89%) e nos últimos dez anos (178,11%), ainda há muito espaço para a continuidade da expansão do mercado de ações nas carteiras das pessoas físicas. O número de CPFs cadastrados ainda é irrisório perto do tamanho da população brasileira representando, 0,75%. A estimativa da Levante é que o número atinja 2,5% até 2025, o que demonstra o grande potencial do mercado.
“Investidores historicamente tiveram incentivos para investir em renda fixa no Brasil, em detrimento a investimentos em renda variável. Por que ter o trabalho de estudar empresas e correr riscos quando o governo brasileiro oferecia retornos de 6% ao ano ou superiores, consistentemente acima da inflação?”, destaca Iram Siqueira, co-fundador da Âmago Capital. Ele observa que ainda há o fato de que parcela relevante de população, cerca de 50 milhões de pessoas, não possui conta bancária e, portanto, não tem acesso aos canais usuais para investir na bolsa de valores. “Com os juros brasileiros no patamar mais baixo da história e com o fim dos empréstimos subsidiados pelo governo, acreditamos que a participação de pessoas físicas na bolsa deverá crescer substancialmente”, ressalta.
Além da questão econômica, evidenciada pela má distribuição de renda e falta de bancarização, o baixo percentual de brasileiros cadastrados na bolsa também está atrelado à falta de educação financeira. “Existe um gap gigantesco de formação e educação financeira no nosso país. Muitas pessoas são muito bem-sucedidas em sua formação, mas têm um conhecimento muito baixo e, às vezes até inexistente em finanças. O problema nasce aí”, lembra Thiago Alonso de Oliveira, membro do Conselho de Administração do IBRI (Instituto Brasileiro de Relações com Investidores).
Algumas classes têm buscado formas de diversificar seus investimentos no mercado através de consultorias especializadas ou clubes investimentos. No segmento médico por exemplo, foi criado o Clube de Investimentos da Doc Concierge, que chegou ao final de outubro entregando a seus participantes um rendimento 58% superior ao registrado pelo Ibovespa. “Oferecemos aos profissionais da saúde a qualidade e o cuidado com a seleção de ações que eles mesmos não conseguem ter em função da natureza de suas profissões e muitas vezes da falta de tempo. Um médico não tem condições de acompanhar as oscilações diárias que acontecem no mercado”, explica o sócio responsável pela área de assessoria de investimentos da Doc Concierge, Igor Cruvinel.
Além do Clube de investimentos, a Doc Concierge oferece pacotes que auxiliam no controle e planejamento financeiro pessoal, gestão de seguros e assistência jurídica aos profissionais da saúde além da Contabilidade e do Planejamento Tributário especializado para as empresas dos profissionais da saúde. “O profissional da saúde tem pouco tempo livre, trabalha muito e, na maioria dos casos, tem pouco conhecimento de finanças, tema que não faz parte da grade curricular das universidades para a categoria”, complementa.
Na visão de Thiago Alonso de Oliveira, a se manter o cenário atual, esta é uma tendência que veio para ficar. “O movimento é muito correlacionado com os juros. A pessoa física, em momento de juros baixos, vai para a bolsa. Algumas fazem isso por conta própria, o que é evidenciado pelo número de CPFs que vemos crescendo, mas outras preferem colocar o seu dinheiro na mão de gestores profissionais. Para mim tudo isso tem a ver com o desejo de obter maior rentabilidade. Mantendo o cenário macro, o movimento será mais duradouro. Aqueles que não se educarem, podem tomar decisões erradas, devem buscar gestores profissionais”, alerta.
Interesse crescente
Segundo especialistas ligados a bancos de investimento, nos últimos anos, o número de usuários de varejo interessados em renda variável tem crescido, em média, mais de 100% ao ano, saltando de 500 mil pessoas em 2016 para 2,5 milhões no primeiro semestre de 2019. “A gente está passando por um momento transformacional na economia e sabemos que os profissionais de RI são fundamentais para garantir que as informações relevantes das empresas sejam disponibilizadas de forma clara e transparente para todos os investidores. Os profissionais de RI podem ter certeza de que haverá muito trabalho para começar esse ciclo tão esperado de crescimento da nossa economia”, complementa Finkelsztain. Como indicadores de que o cenário macroeconômico é de prosperidade, ele enumera a postura do governo mais responsável fiscalmente, inflação baixa, taxa de juros na mínima histórica e um Congresso reformista e relativamente independente.
“Esta agenda vai trazer responsabilidade e um ciclo longo de crescimento e isso é muito importante para que a gente possa ver uma mudança na história do nosso País. A atuação dos profissionais de RI será extremamente importante, pois eles transmitem informação não somente das empresas em que atuam, mas também são embaixadores do país, ao falarem sobre o que está se passando no ambiente de negócios para os investidores estrangeiros”, destacou em seu discurso.
Perfil
Os investidores estrangeiros ainda representam uma grande fatia no mercado de ações à vista no Brasil (45,06%), seguidos dos investidores institucionais (31,21%). No entanto, sua participação é bem menor que a média histórica nos últimos anos. “Os estrangeiros, historicamente representavam 60%, dos negócios. Ainda são relevantes no cenário local, mas o que marca o momento é o crescimento dos investidores locais com novos fundos, novos agentes de mercado, aumento do número de corretoras e eventos. Com certeza não vai faltar trabalho para que tenhamos um mercado de capitais mais dinâmico e possamos atrair mais investidores”, complementa o presidente da B3.
Em percentual, os dados da B3 demonstram que os investidores individuais têm representatividade de 18,39%; os clubes de investimento respondem por 0,23% e as pessoas físicas por 18,61%. O levantamento é de outubro deste ano. Nestes percentuais existem os mais diversos perfis. Dos 1.536.216 cadastros da Bolsa, a maior parte, 468.873 são de pessoas com 26 a 35 anos, somados com os jovens de até 25 anos (159.071), é possível observar que 41,46% dos CPFs cadastrados ou 627.944 são de pessoas com menos de 35 anos. Entretanto, em termos de volume, o valor aplicado por estes investidores soma somente R$ 20,5 bilhões, ou 6,9% do total investido pelas pessoas físicas.
Já os cadastros de aplicadores entre 36 e 45 somam o total de 391.429 e respondem por R$ 40,41 bilhões investidores. Os dados demonstram ainda que os investidores com mais de 46 anos (491.564) são os que mais investem em ações - R$ 235,87 bilhões ou 79,5%. Diante destes números, é possível concluir que grande parte dos jovens investidores é composta de pessoas que estão recém experimentando a diversificação via mercado de capitais, enquanto os mais velhos são de investidores mais tradicionais e experientes.
“Tanto forma como conteúdo dependem do interlocutor. O RI é exatamente ponta de comunicação da empresa com o mundo exterior. Quando a gente começa a ver a popularização do mercado com pessoas físicas se tornando cada vez mais ativas, o público também começa a mudar. Então, o grande desafio da área de RI agora é poder passar uma mensagem correta para um público tão diverso. E se olharmos para as necessidades de comunicação do RI, ele tem que falar ao mesmo tempo com investidores extremamente sofisticados, que vão ao nível do detalhe financeiro, a até pessoas que não entendem de contabilidade ou termos técnicos. O desafio é grande e novo”, diz Fabio Alperowitch, fundador da Fama Investimentos.
As áreas de RI devem evoluir para atender as diferentes demandas de cada tipo de investidor – que não são caracterizadas necessariamente por conflito, mas sim por uma evolução natural nas preferências. “Enquanto não houver um amadurecimento do investidor do ponto de vista da sua educação financeira é o RI que precisará fazer esse papel para que então o investidor entenda qual é a relação de risco e retorno. É preciso ajustar o seu nível de comunicação se nos deparamos com um nível de público menos sofisticado. A palavra é adaptar a sua comunicação para seu interlocutor. Se eu percebo que é mais sofisticado se usa palavras mais sofisticadas, mas aceitando que a pessoa física é menos preparada para fundamentos, é preciso adaptar a linguagem”, afirma Alonso de Oliveira.
Para Marcelo Mesquita, sócio-fundador do Leblon Equities, um trabalho bem feito de RI envolve a adoção de uma linguagem que atinja o máximo possível de investidores e que seja sofisticada o suficiente para explicar os fatos. “Um bom RI vai dar a “visão da floresta”, mas também é capaz de “discutir as árvores”. Tem investidor que quer a visão geral, mas também há aquele que vai entrar no detalhe. É preciso ter uma área de RI bem estruturada para customizar de acordo com as demandas. Uma comunicação bem-feita atinge a todos os públicos”, diz.
O RI precisa, assim, além de ter uma linguagem apropriada para se comunicar com as pessoas físicas, dar a atenção para os potenciais investidores sem deixar de cuidar dos tradicionais. Para isso, é preciso utilizar de multicanais, enquanto os jovens preferem, por exemplo, uma interação mais dinâmica via mídias sociais, os mais velhos preferem a velha reunião presencial, ligação...
“Investidores mais tradicionais, com mais de 40 anos, geralmente preferem convites para eventos, acesso à diretoria e canal de comunicação aberto com a área de RI. Já investidores mais novos, que tiveram acesso a computadores desde crianças, comumente preferem acesso a dados operacionais e financeiros das empresas e novas formas de comunicação interativas e digitais, como videoconferências, conversas em redes sociais etc.”, observa Iram Siqueira, da Âmago Capital.
Segundo Alperowitch, é preciso lembrar ainda outras características da geração mais jovem. “Na média, essa nova geração não gosta de textos muito longos, tem um nível de atenção mais reduzido, ou seja, vídeos e imagens funcionam melhor. Eles também se interessam mais por propósitos e não só por lucros. A pergunta a ser respondida é qual o propósito desse lucro todo? O que será feito com ele?”, destaca.
Novas formas de comunicação
Ao mesmo tempo em que o número de pessoas físicas é crescente, aumenta também a quantidade de canais alternativos de comunicação que devem estar no radar das áreas de RI, assim como o uso das tecnologias como Inteligência Artificial (AI), robótica e analytics. Segundo a pesquisa Novo Ecossistema das Relações com Investidores - Tecnologia e Comunicação na era dos negócios digitais, da Deloitte junto ao IBRI, realizada com 64 empresas, 80% dos entrevistados pensam em adotar a “AI” como ferramenta para o atendimento a investidores.
“As empresas que souberem alavancar o uso de tecnologia, tornando seu conteúdo cada vez mais transparente e acessível, de forma criativa e eficiente, atrairão mais atenção que seus concorrentes”, diz Iram Siqueira. O levantamento demonstra que os canais tradicionais de atendimento, como encontros e eventos, ainda são priorizados pelos profissionais de RI, mas a perspectiva é de que isso não seja por muito tempo, pois uma coisa é atender à institucionais em menor número, outra é ver sua base de investidores se multiplicar, pois os investidores querem agilidade, rapidez e comunicação quando e onde quiserem, assim como os outros stakeholders.
Hoje o desafio do RI é como utilizar as ferramentas de mídia social em favor da comunicação da empresa que representam dentro de um compliance e dos princípios que a regulamentação impõe. “A mídia social pode ser utilizada para encurtar a distância das pessoas físicas do próprio dia a dia da empresas. A comunicação não precisa ser somente através do site ou da CVM, mas acabamos esbarrando em uma série de costumes que a indústria de RI ainda tem, pois há muito formalismo por conta da regulamentação”, observa Alonso de Oliveira.
As práticas de RI evoluíram bastante e devem continuar se transformando profundamente nos próximos anos. “Há algumas décadas havia competição entre as corretoras, fundos e investidores para ver quem teria o primeiro acesso aos resultados das empresas até então publicados somente em papel. As mídias sociais, como Facebook, Twitter e LinkedIn, assim como as ferramentas de live streaming, como a Netshow.me, serão cada vez mais utilizadas para uma comunicação instantânea e efetiva entre as empresas e os investidores”, lembra Siqueira.
Apesar dos desafios, a novidade positiva é que as novas tecnologias possibilitam o acesso à informação para as pessoas de forma barata. É possível fazer vídeos rápidos baratos e fáceis, o que não acontecia antes. Isso facilita não só o acesso das pessoas físicas, mas dos institucionais que querem estar próximos da empresa, mas não têm como visitá-la. “As empresas fazem eventos em que os investidores ficam o dia inteiro, conhecem os diretores e pessoas de várias áreas da empresa. Isso é fantástico, mas não cabe todo mundo. Normalmente cabem somente os maiores investidores. Mas se o evento é gravado e reproduzido com boa qualidade e ficando disponível no website, outros podem ter acesso à informação que antes era muito difícil e muito cara para ser disseminada. É uma revolução porque a qualidade da informação dada é muito melhor. Hoje há muito mais dados disponíveis para analisar a empresa do que havia há uns 10 ou 20 anos”, complementa Mesquita.
Alperowitch observa que este cenário de tecnologia cria novos desafios que envolvem a forma, o conteúdo e o canal de divulgação. “Pensando há 20 anos, os relatórios eram impressos, publicados em jornal, e anualmente enviados pelo correio. Isso não funciona mais. Os investidores agora estão em múltiplas plataformas, lendo relatórios no site, outros preferem ver um filme, outros preferem infográficos, e assim sucessivamente. A tecnologia passa a ter um papel fundamental. Há várias maneiras para criar uma comunicação efetiva. Mas é preciso ter cuidado em não sofisticar demais a comunicação ou simplificar demais e ser raso”, alerta.
Ele recomenda que, ao escrever um relatório, os profissionais de RI leiam diversas vezes o documento sempre buscando pontos de vista diferentes. “Aprendi com uma empresa. Quando fazia os relatórios trimestrais, o CFO lia e mudava o documento a cada leitura, pois ele vestia a camisa de fornecedor, cliente, concorrente e assim por diante. Ao querer agradar um investidor, por exemplo, a empresa pode dar informação demais a um fornecedor ou concorrente. Então é preciso ter várias leituras de um mesmo relatório para ver se a quantidade de informação está na dose certa. Esse desafio tem que ser uma constante agora para as empresas”, conclui.