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Trabalho há quase 15 anos com a agenda ASG (Ambiental, Social e de Governança corporativa). O tema ainda é de difícil entendimento, especialmente para profissionais técnicos e de finanças. Durante muito tempo, as áreas de sustentabilidade ocuparam um espaço institucional, mais próximas da comunicação e paralelas às agendas de negócio, cenário que vem mudando bastante nos últimos anos. Eu, que sempre falava que um dia o assunto ia permear o mainstream das finanças e da agenda corporativa, acompanho com atenção como os grandes desafios globais e o arrefecimento do debate sobre causas socioambientais tem povoado a agenda das áreas de relações com investidores, finanças, comitês executivos e Conselhos de Administração.
O tratamento das questões ASG não é uniforme e esse talvez seja o principal desafio para a integração desta agenda. Ao contrário da contabilidade, que conta com séculos de padronização e aprimoramento, riscos socioambientais ainda requerem um olhar customizado. O setor de atuação, localização geográfica e stakeholders envolvidos na operação de um negócio podem alterar significativamente os temas mais relevantes a serem observados, analisados e integrados às análises de risco e modelos financeiros. “Valorar a sustentabilidade” é um anseio de muitos profissionais de finanças e já se avançou em alguns passos neste caminho, mas ainda há muito debate a ser colocado na mesa até que tenhamos um consenso neste sentido.
Incidentes como os recentes rompimentos de barragens ou os incêndios na Amazônia aceleram esta discussão. Riscos de cauda chamam a atenção do mercado e alertam investidores e credores para o potencial impacto das questões socioambiental sobre balanços e demonstrações de resultado. O movimento aumenta o engajamento de investidores, como aconteceu recentemente com signatários dos Princípios para o Investimento Responsável este ano. 230 investidores, responsáveis por 16,2 trilhões de dólares em ativos sob gestão, demandam das empresas que adotem compromissos firmes, políticas e metas de redução de desmatamento, entendendo que as possíveis implicações destas práticas sobre a valorização dos ativos e a rentabilidade de suas carteiras. No fim, não podemos deixar de falar do bottom line, mas aumentamos a robustez das análises e processos de tomada de decisão financeira.
As iniciativas para tratar o tema entre diferentes stakeholders aumentam em número e escopo, já que o tema é essencialmente colaborativo. Costumo dizer que sustentabilidade é o learning by doing em última instância. Um dos principais fóruns deste debate no Brasil é o LAB – Laboratório de Inovação Financeira. A iniciativa é coordenada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) e a agência de cooperação do governo alemão (GIZ). O LAB congrega 157 instituições, representadas por cerca de 460 participantes voluntários, de ministérios, reguladores, entidades representativas, entidades multilaterais, empresas, instituições financeiras públicas e privadas, instituições de fomento e desenvolvimento, escritórios de advocacia, consultorias especializadas e instituições do terceiro setor, entre outras. Atua na realização de estudos, eventos e até mesmo o desenvolvimento de políticas públicas que facilitem o avanço das finanças sustentáveis.
Este ano, o LAB estruturou seu quarto grupo de trabalho, o GT de Riscos ASG e Transparência. A iniciativa é parte do projeto Finanças Brasileiras Sustentáveis (FiBraS), projeto criado no âmbito da cooperação técnica entre Brasil e Alemanha, e tem como principal objetivo gerar entregas concretas para apoiar diferentes atores no acesso às informações ASG e sua adequada integração ao processo de gestão de riscos.
O acesso às informações ASG é um desafio importante neste processo. Por não termos obrigatoriedades regulatórias e padrões de relato de indicadores ASG, a obtenção de dados objetivos e relevantes ainda é um gargalo para o processo de decisão financeira. O GT pretende fomentar a transparência e a melhoria do disclosure de informações, incluindo no escopo dos trabalhos o desenvolvimento de recomendações para que empresas divulguem informações em seus relatórios de gestão e até mesmo em documentos regulatórios, como o Formulário de Referência. Neste processo, é fundamental criar sinergias com instituições e iniciativas que possuam objetivos comuns – como a B3 e o PRI, entre outras – e que desenvolvem ações de engajamento no tema há alguns anos.
Outro tema que assume importância crescente nas agendas financeiras é a questão climática. As recomendações da Task Force for Climate Related Financial Disclosure (TCFD), desenvolvidas pelo Financial Stability Board (FSB), organismo internacional que monitora e faz recomendações ao Sistema Financeiro Global, tornaram-se uma referência mundial para a integração de riscos climáticos à agenda do sistema financeiro, com crescente adoção por bancos, investidores institucionais, seguradoras e áreas de finanças de empresas. Para apoiar esses atores na adequada divulgação e análise de riscos climáticos, o GT já deu seus primeiros passos, com a tradução das recomendações da TCFD para o português em parceria com a organização em âmbito global. O documento vai ser a primeira tradução oficial para o português da TCFD e será lançado ainda em 2019 pelo LAB, com o objetivo de facilitar sua adaptação e implementação, considerando as particularidades da realidade brasileira.
Temos muitas questões a endereçar. Entre os aspectos sociais, destacam-se as práticas trabalhistas e de direitos humanos. Em 2019, o Ministério Público acionou alguns bancos, questionando o financiamento a companhias que estão condenadas por práticas de trabalho análogo a escravo. Essa talvez seja uma das poucas unanimidades entre as questões ASG... imagino que não temos que discutir se precisamos ou não endereçar, em 2019, práticas de trabalho forçado ou degradante. Para debater essas questões, foi formada uma frente de trabalho que deve pesquisar riscos sociais, práticas e ferramentas para a sua consideração na análise de riscos das instituições financeiras. O sucesso dessas iniciativas não contribui apenas para a robustez do Sistema Financeiro Nacional, mas para uma sociedade mais ética e justa.
No setor financeiro, um conceito que vem se apresentando é o de Gestão Integrada de Riscos. Questões ASG não se configuram como uma nova modalidade, mas como parte dos riscos que já conhecemos, com impactos potenciais sobre o risco de mercado, operacional, de crédito, reputacional e até de liquidez e sistêmico. Colocar o tema em pauta requer um conhecimento mais aprofundado dos profissionais e líderes sobre temas até então apartados de sua gestão, que tem na ponta da língua os EBITDAs mas ainda desconhece os conceitos por trás, por exemplo, da pegada de carbono. Neste debate, fóruns como o LAB têm o seu maior potencial de contribuição.
Questões ASG são um novo filtro para fazer negócios? Prefiro ver o tema como uma questão que sempre existiu, mas que assume um novo papel diante das mudanças que vemos no mundo. Da escassez de recursos essenciais às demandas das novas gerações, temos cada vez mais evidências de que o tema será parte dos debates entre empresas, instituições financeiras e o poder público. A participação de reguladores e do próprio Ministério da Economia nesta agenda reforça esta visão e sinaliza a importância do tema para o país, que busca ampliar suas relações comerciais e atrair investimentos para o desenvolvimento da nossa economia. O Ministro Paulo Guedes afirmou com clareza em seu discurso nos Estados Unidos: “Brazil is open for business”. Depois de tantos anos, acho que podemos dizer que the world is open for sustainable business.
Maria Eugênia Buosi
é economista, mestre em finanças, sócia-fundadora da Resultante Consultoria Estratégica, co-autora do Livro Top CVM Apimec Análise de Investimentos e professora das disciplinas de Finanças Sustentáveis da B3 Educação.
eugenia.buosi@resultante.com.br