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A MP 881 - Liberdade Econômica - dentre outras propostas, trouxe um debate importantíssimo e engajou a vigilância dos agentes de mercado à questão de “Conflito de Interesses” na tentativa (sem sucesso) de alterar a Lei 6.404/76 - Lei das Sociedades Anônimas (LSA) - no que define o artigo 115 e seu parágrafo 4º. A LSA, como bem retratam alguns de nossos colegas é longeva, de técnica escorreita e de grande sistematicidade, resultado de um trabalho de extrema competência de seus autores. Lógico que está aberta à realidade do mercado, mas não é o caso aqui.
O “Conflito de Interesses” está indiscutivelmente ligado a uma “Condição de Vantagem”, o que pode não representar a melhor decisão para a companhia como bem define o artigo 115 da LSA ...
... “O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.” (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001).
Implementar o voto em “Conflito de Interesses”, por mais transparência que haja, vai na direção oposta das melhores práticas de governança corporativa, ferindo um de seus princípios básicos, a “Equidade”, caracterizada pelo ... “tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders), levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas”.
No âmbito internacional o que mais trata esse tipo de situação é a “Regra Formal” e a “Regra Material”. No Brasil adotou-se a “Regra Formal”, que reflete quando o acionista conflitado estaria proibido de votar deliberação assemblear que tivesse interesse conflitante com o da companhia.
Nos EUA, cuja MP 881 “copiou” e tentou propor a mudança na LSA, adota-se o procedimento “Regra Material” onde o acionista conflitado vota. Neste caso, o poder do controlador de impor a sua decisão à minoria (ou minoritário), apesar de seu interesse direto, seria equilibrado pelo ônus, quando da impugnação, de provar em juízo que a decisão foi totalmente justa (“Entire Fairness Test”), ou seja, que as condições da transação não foram em detrimento dos interesses da companhia.
Ressalta-se que a “Regra Formal” limita o poder do controlador e pode levar à perda de bons negócios, face o alto custo de negociação. Por outro lado, a “Regra Material” permite que o controlador imponha sua decisão aos minoritários, restando a estes impugnar tais decisões, o que resulta em crescente custo de adjudicação.
Logo, a dificuldade de ambas as “Regras” em se definir a menor geração de custo para o “Conflito de Interesses” impõe a decisão do mérito da transação, ou seja o “Valor Envolvido”, à capacidade do Poder Judiciário de analisar a situação no âmbito dos interesses societários. As Câmaras de Arbitragem seriam uma possibilidade, mas dadas as especificidades da transação, gerariam insegurança jurídica.
Na “Regra Formal” seria “mais fácil” controlador e minoritários chegarem a um “Valor Envolvido Negociado”, sem depender da capacidade do Poder Judiciário em definir o valor adequado para a operação. Na “Regra Material”, pela imposição do controlador e consequente possível impugnação, a definição do valor adequado para a operação estaria a cargo da capacidade do Poder Judiciário, através de um corpo especializado, auxiliado por consultorias de reputação, mas nem sempre com a agilidade necessária dos meios empresariais.
O mais impressionante disso tudo é observar que a proposta que estava inserida na MP 881 “copiou” a “Regra Material” americana de “forma incompleta”, possibilitando o voto do conflitado, mas que não lhe impõe o ônus de comprovar a total justiça da decisão, ou seja, mais um fator agregador de custos e morosidade no processo, além de prováveis equívocos decisórios.
Apesar de nossa defesa de que a “Regra Formal” reflete uma dinâmica de “Avaliação do Valor Envolvido” de forma muito mais negocial, prática e de menor custo quando comparada aos trâmites da “Regra Material - completa”, questões dessa natureza devem sempre estar precedidas de amplo debate por todas as partes relacionadas e amparada também por audiências públicas, com a devida maturação antes de inserções em Medidas Provisórias ou Projetos de Lei, sem as quais denotaria indícios, intensões, interesses, omissão de transparência ou manobras de “Conflito de Interesses Escusos”.
O mercado de capitais brasileiro amadureceu para a precificação do real valor dos ativos e direitos dos acionistas, o que nos permite afirmar que os agentes de mercado estarão “Sempre Alertas” e os Analistas de Valores Mobiliários em constante revisão de suas premissas e Preços Alvos, diante do que julgarem nocivo ao andamento dos negócios das companhias e as boas práticas.
Nota: O artigo reflete as opiniões pessoais do autor.
Ricardo Tadeu Martins
é economista e analista de valores mobiliários da Planner Corretora de Valores e presidente da Apimec - Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais.
ricardo.martins@apimec.com.br