Desde o início da pandemia, o mercado tem sido surpreendido pelo aumento significativo do número de investidores pessoa física que entraram na Bolsa de Valores. Segundo dados da B3, em agosto de 2020, nos aproximamos dos 3 milhões de CPFs, aumento de 76% frente ao final de 2019. A redução constante das taxas de juros no Brasil e o aumento das oportunidades de investimentos têm contribuído para o crescimento dos acionistas com esse perfil.
Diferente do investidor do passado, o "novo investidor" pessoa física é jovem, tem visão de longo prazo e inicia suas aplicações com valores mais baixos, ou seja, é mais cauteloso. A maior oferta de cursos digitais de avaliações de ações, as intenções em grupos nas redes sociais e o acesso a digital influencers focados no mercado financeiro têm contribuído significativamente para popularizar as discussões sobre os papéis da Bolsa e sobre as ações "queridinhas de mercado", o que ajuda a explicar a trajetória de expansão exponencial do mercado de capitais brasileiro.
Hoje em dia, a grande maioria das companhias listadas tem percebido um aumento relevante de investidores pessoa física na base de acionistas, sendo que em algumas delas, a soma desse grupo ultrapassa o percentual dos maiores fundos minoritários. Esse tipo de mudança demonstra claramente que existe um novo nicho a ser explorado.
Todas essas transformações no perfil de mercado abrem uma série de oportunidades para os profissionais de Relações com Investidores (RI), que precisam se adaptar às necessidades desse novo público, seja melhorando a comunicação ou aumentando sua disponibilidade para responder os questionamentos.
Algumas das principais large caps da Bolsa já possuíam programas bem robustos para investidores pessoa física, tais como estruturação das equipes de RI voltadas ao atendimento desses investidores ou a produção de apresentações institucionais com conteúdo mais específicos, entre outros. Entretanto, apenas essas medidas não são mais suficientes para atrair esse público.
A forma de se comunicar é fundamental para o sucesso e a captação de novos investidores e a ferramenta de comunicação mais utilizada ainda é o site de Relações com Investidores. Mas, para que essa comunicação seja assertiva, o site precisa ser bem estruturado, contemplando o máximo de informações possíveis sobre a Companhia, desde sua história e governança até informações operacionais e financeiras, que precisam ser atualizadas periodicamente para que sirvam de fonte de informação e consulta.
Para ampliar a comunicação com esse perfil de investidor, as áreas de RI precisarão investir fortemente em conteúdo, seja em apresentações focadas em explicar o "core business", seja para a divulgação de dados operacionais e ESG – Environmental, Social and Governance. Diferentemente dos investidores institucionais e dos analistas de mercado, os novos investidores estão buscando se aproximar das empresas e entender qual o propósito de cada uma delas.
Antigamente, os RIs eram muito mais focados em informações financeiras, quando Lucro e EBITDA eram palavras de ordem. Essas métricas continuam sendo muito valiosas, mas não basta ter resultados consistentes; é preciso ter engajamento, propósito e uma visão muito forte de futuro, não só financeiro, mas também socioambiental e de governança, características que passaram a ser cada vez mais exigidas, principalmente após a pandemia da Covid-19. Tudo isso enfatiza ainda mais a necessidade das análises fundamentalistas.
A pandemia quebrou paradigmas não só no mercado de capitais, mas em todos os segmentos e atividades. Tenho certeza que você, leitor, já se questionou e reconsiderou diversos temas na sua vida pessoal. O mesmo acontece com as empresas e seus propósitos.
A pandemia também trouxe a popularização das ferramentas digitais entre os profissionais, que passaram a realizar e a consumir mais webinars, lives, podcasts e publicações de vídeos de curta duração em redes sociais para se conectar com o investidor. Sim, as mídias sociais podem ser grandes aliadas da comunicação com os investidores, pois geram uma relação de confiança e de proximidade entre as partes, fidelizando os investidores.
Entretanto, o trabalho do RI não deve se resumir a criar uma conta em uma rede social ou fazer adaptações linguísticas nas suas peças de comunicação. Ele deve ir além para certificar-se de que a estratégia da empresa está realmente alinhada aos interesses do investidor, uma vez que hoje em dia a busca e o apetite por informações é enorme e o investidor pessoa física usa cada vez mais as ferramentas digitais e acesso à informação para a tomada de decisão.
Neste momento, o maior desafio do trabalho do RI é capturar as necessidades dos novos e potenciais investidores, sem deixar de cuidar dos investidores institucionais tradicionais. Para isso, será necessário, aprimorar cada vez mais a forma de comunicação a fim de atingir o maior número possível de investidores, inovando sem nunca perder de vista os princípios de transparência, equidade e melhores práticas.
Marilia Nogueira
é diretora de comunicação e eventos do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI) e gestora executiva de relações com investidores da EDP Energias do Brasil.
marilia.nogueira@edpbr.com.br