Na edição anterior desta Revista RI, tratamos da qualidade do ativo empresa e elencamos alguns itens que, a nosso ver, integram tal análise, ferramenta de trabalho de analistas e profissionais de investimento. Na presente edição, entrevistamos representantes do Instituto de Desenvolvimento do Mercado de Capitais (IDMC), o diretor-presidente Paulo Ângelo Carvalho de Souza e o diretor Eduardo Matias Campos, dupla que tem se dedicado diligentemente a colaborar com o desenvolvimento de empresas privadas e à democratização do acesso ao mercado de capitais no Brasil. Buscamos ouvi-los em relação ao IDMC e à sua atuação, bem como em relação ao tema do artigo anterior, o qual consideramos muito importante para os profissionais do mercado.
Paulo Ângelo Carvalho de Souza é um profissional incansável e sempre esteve envolvido em iniciativas relacionadas ao desenvolvimento do mercado de capitais. Tendo atuado por mais de 20 de anos como CEO do fundo de Pensão Magnus, além de ter sido responsável pela concepção e criação do Fundo de Pensão da COPASA, ele foi diretor da ABRAPP – Associação Brasileira das Entidades Privadas de Previdência Privada, Presidente da APIMEC/MG e Coordenador do Capítulo Minas Gerais do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.
Mineiro de Belo Horizonte, Paulo Ângelo é engenheiro civil pela UFMG, pós-graduado em Engenharia Econômica pelo INEA, em Direito de Economia e da Empresa pela FGV e MBA Executivo em Finanças pelo IBMEC, tendo participado de diversos cursos de formação nos mercados financeiro e de capitais e em governança corporativa, no Brasil e no exterior. Ao longo dessa trajetória, tem atuado como conselheiro independente de organizações.
Em 2012, ao lado de lideranças e referências no mercado de capitais de Minas Gerais, Paulo Ângelo criou o Instituto de Desenvolvimento do Mercado de Capitais (IDMC), do qual é presidente.
Em 2013, Paulo Ângelo convidou Eduardo Matias Campos para o desafio de ser o principal executivo do IDMC e tornar realidade um ambicioso plano da Instituição: tornar-se a principal referência em suporte e preparação de executivos e acionistas de empresas privadas, para capturar oportunidades nos mercados de M&A e de capitais.
Economista pela UFMG, Eduardo Campos é especialista em Gestão pela London School of Business and Finance e em Investment Banking pela Saint Paul Business School. Há cerca de sete anos, vem atuando no IDMC, em um esforço persistente de aproximar empresas do mercado de capitais, em várias frentes.
Juntos, Paulo Ângelo e Eduardo atraíram mais de 300 empresas privadas para os cursos, eventos, missões internacionais e programas do IDMC. A visão de ambos sobre o mercado de capitais do Brasil, suas potencialidades de desenvolvimento e sobre a importância do trabalho de analistas, de profissionais de investimentos desse mercado agrega insights preciosos para os nossos atentos leitores. Acompanhe a entrevista.
RI: Paulo Ângelo, com um grupo de colaboradores de alto nível, você concebeu e fundou o Instituto de Desenvolvimento do Mercado de Capitais (IDMC). Quando e como o Instituto nasceu e como tem evoluído, até o presente?
Paulo Ângelo Carvalho de Souza: O IDMC foi fundado em 2012, como uma manifestação de lideranças empresariais mineiras do entendimento que o desenvolvimento das empresas brasileiras dependia de uma maior inserção das empresas privadas e de controle familiar no âmbito dos mercados de M&A e de capitais. Entre 2012 e 2017, a programação do IDMC girava em torno de uma agenda de eventos, programas de imersão e missões internacionais, com o objetivo de educar, ampliar networking e oferecer mentoria, no médio e longo prazos, para empresas privadas de pequeno, médio e grande portes. Foram realizados mais de 50 eventos temáticos, cobrindo desde aspectos regulatórios, operacionais e práticos de emissões no mercado de capitais e transações de M&A até dimensões importantes para a maturidade das empresas, como governança corporativa e relações com investidores. Em 2017, lançamos o Raise, um programa de tutoria em mercado de capitais, que se propunha a acompanhar um grupo de 10 empresas por um período de 18 meses, através de 10 módulos preparatórios, e que contou com o patrocínio de assessores de primeira linha: Credit Suisse, Grant Thornton, MZ Group, Fialho Salles Advogados e Paul Hastings. O sucesso do programa foi tamanho que atraiu a atenção do London Stock Exchange Group, que desenvolvia projeto semelhante na Europa com absoluto sucesso. Em 2018, transformamos o Raise no Programa ELITE Brasil, conectando empresas brasileiras ao maior programa de tutoria de mercado de capitais do mundo, reunindo mais de 1400 empresas atendidas, mais de 300 assessores parceiros e centenas de investidores parceiros. Desde então, o IDMC tem trabalhado intensamente para ampliar sua presença em regiões fora do eixo Rio-São Paulo, entendendo serem estas as fronteiras a ser exploradas para o máximo potencial das empresas privadas brasileiras.
RI: Eduardo, quais iniciativas do IDMC você considera as mais relevantes ao longo de sua trajetória?
Eduardo Matias Campos: No IDMC, sempre prezamos por explorar frentes não óbvias e que julgávamos não ter a devida atenção no mercado de capitais brasileiro. Nesse sentido, acredito que dois projetos se destacam, por terem sido um olhar antecipado do IDMC para tendências e frentes de desenvolvimento que se provaram muito aderentes e adequadas pouco tempo depois de nossas atividades pioneiras: a Missão Internacional de Mercado de Capitais para o Canadá, o Programa de Tutoria em Mercado de Capitais/ELITE Brasil e os Programas de Imersão. Em 2016, o IDMC liderou Missão Internacional com oito empresas brasileiras com vistas a apresentar e conectar as empresas ao ambiente de mercado de capitais canadense. Centro de grande relevância para o financiamento de projetos em mineração, a Toronto Stock Exchange (TSX) já despontava como referência em mercados de acesso, com a TSX-V e a consequente abertura de capital de pequenas e médias empresas. Atualmente, a TSX tem avançado em entendimentos com a B3 e o IBRAM, avaliando caminhos para facilitar listagem de projetos minerários brasileiros em ambos mercados. Em 2018, como parceiros exclusivos do ELITE da London Stock Exchange, começamos a acompanhar a primeira turma de 10 empresas, propondo uma abordagem de preparação estruturada e de médio prazo para maximizar resultados em transações de M&A e Mercado de Capitais. Hoje, vemos os mercados de capitais e de M&A muito aquecidos no Brasil e, das empresas atendidas entre 2018 e 2020 pelo programa, três já realizaram transações de M&A de grande relevância e duas já emitiram títulos de dívida/securitização. Sem dúvida, colaboramos para que várias empresas antecipassem movimentos e estivessem bem preparadas para aproveitar essa janela de oportunidade.
RI: Eduardo, quais serão os próximos passos do IDMC nos próximos meses e anos?
Eduardo: Para além da manutenção dos programas em execução, o IDMC tem dois projetos relevantes sendo apresentados ao público empresarial no último trimestre de 2020. O Programa de Certificação de Conselheiros Acionistas de Empresas Familiares, parceria do IDMC com a FIPECAFI, responde a uma necessidade que observamos ao longo dos anos na grande maioria das empresas privadas brasileiras: ter os acionistas como protagonistas na adoção de melhores práticas de governança corporativa, extrapolando as estruturas pro-forma criadas às pressas e com pouca efetividade. Paralelamente, temos observado com interesse o grande movimento de IPO’s e emissões de debêntures no mercado brasileiro, o que nos levou a questionar: existem, em número suficiente, profissionais de relações com investidores bem preparados para assumir as atividades nas empresas que debutaram no mercado? Em particular fora do eixo Rio-São Paulo, há uma grande escassez de profissionais de RI. Com esse olhar, criamos o curso “Fundamentos em Relações com Investidores para profissionais de finanças”.
RI: Paulo Ângelo, qual é a sua visão sobre o mercado de capitais nacional e sua evolução ao longo do tempo? Quais são as perspectivas futuras?
Paulo Ângelo: O mercado de capitais brasileiro sempre sofreu duros golpes do ambiente político-econômico. A alta volatilidade, seguidas crises e pouca previsibilidade da performance de empresas e do próprio País mantiveram, por muito tempo, um número muito restrito de pessoas físicas como poupadores e, consequentemente, como peças relevantes na equação de nosso mercado. Após anos de investigação e conversas com players internacionais, no IDMC, entendemos que o crescimento do mercado de capitais brasileiro não passava somente por um ambiente regulatório mais moderno, com custos de emissão de títulos e ações mais comedidos e uma maior atenção ao potencial das PME’s: era necessário um nível de taxa de juros que alinhasse a taxa livre de risco no Brasil a patamares que destacassem a boa remuneração do capital que os títulos de empresas privadas poderiam proporcionar. Nos anos em que a SELIC esteve em níveis exorbitantes, superiores a 10% a.a., investimos muito em promover e apoiar as empresas a acessar fundos privados e produtos direcionados e incentivados, como CRI’s e CRA’s, como uma alternativa para mantê-las no caminho do crescimento e ampliando sua maturidade, visando futuras emissões públicas. Felizmente, as perspectivas em torno da taxa de juros no Brasil permitem projetar um futuro para o mercado de capitais brasileiro com menor dependência do capital estrangeiro, menor volatilidade, maior diversidade de ativos negociados e uma consequente democratização de instrumentos privados e públicos para empresas de médio porte.
RI: Eduardo, para muitas pessoas, mercado de capitais é sinônimo de mercado de grandes players, como a maioria das empresas de capital aberto e com ações em bolsa. Qual é a sua visão sobre o mercado de capitais e suas reais potencialidades? Quais empresas e novos players têm grande potencial para entrar no mercado? O que falta para eles adentrarem?
Eduardo: Primeiramente, é importante disseminar o conceito de que o ambiente de Bolsa de Valores é parte relevante e, talvez, a mais sofisticada e exigente do mercado de capitais – por essa razão é esperado que bom número dos players presentes sejam grandes empresas. Mas existe uma grande diversidade de instrumentos adequados para diferentes níveis de sofisticação em finanças e governança corporativa. Acredito que o mercado de capitais brasileiro acaba de entrar em um ciclo muito positivo, em que investidores e o ambiente regulatório têm se mostrado mais receptivos e flexíveis, o que naturalmente atrai um número maior de empresas de pequeno e médio portes para esse mercado. Essa democratização é fundamental para que todo o ecossistema de transações privadas e públicas atinja seu ápice, em termos de maturidade. Nesse contexto, é fundamental que empresas privadas, em especial as sob controle de núcleos familiares, compreendam que o mercado de capitais não decreta o fim da liderança da família sobre o negócio: é apenas uma etapa importante do ciclo de vida do negócio, que demanda investimento e preparação, mas que pode permitir que a empresa viabilize projetos que, com capital próprio e financiamento bancário, seriam inviáveis.
RI: Paulo Ângelo, você foi gestor, durante longos anos, de um fundo de pensão e teve uma atuação institucional em conjunto com outros investidores institucionais. Nos EUA, os fundos de pensão foram grandes impulsionadores do movimento pela governança corporativa. Como vê a atuação dos fundos no Brasil, nesse sentido?
Paulo Ângelo: Com a presença do INSS com um viés de atendimento massificado e previdência social, houve uma negligência à promoção de uma cultura de investimentos que impulsionasse a presença do brasileiro médio no âmbito dos planos de pensão privados. Dessa forma, vemos um número pequeno de players operando em planos de previdência privada, em um mercado com pouca competição e necessidade de diferenciação. Essa conjuntura nos levou a um mercado em que as carteiras de investimentos são muito similares, com estratégias bastante conservadoras e estáticas. Não raramente, vimos forças políticas influenciando os fundos de pensão originários de empresas estatais e de economia mista, o que agravou ainda mais o cenário e diminui a importância relativa e o poder de influência dos fundos de pensão no âmbito do mercado de capitais nacional. É preciso que os fundos assumam uma posição dominante em frentes como ESG, para recuperar o prestígio e a visão de que são players alinhados com práticas sustentáveis, de longo prazo e adequadas para planos de pensão. São players fundamentais para um mercado menos volátil e mais convidativo para empresas de pequeno e médio portes.
RI: Paulo Ângelo, todos concordamos que governança corporativa é fundamental para o fortalecimento do mercado de capitais, mas percebemos certo nível de discordância entre os que defendem que os conselhos de administração devem existir sob o comando de famílias controladoras e os que preconizam conselhos totalmente externos e profissionais. E ainda há os que defendem uma opção intermediária. Qual é a sua visão a esse respeito?
Paulo Ângelo: Como conselheiro independente, colaborei com bom número de empresas privadas – a sua maioria de controle familiar. Na minha experiência, o apoio de membros independentes, que possam, de fato, oferecer uma perspectiva adicional, voltada sempre para contribuir para com o desenvolvimento e a sustentação do negócio à longo prazo, é salutar para garantir efetividade nas atividades do conselho de administração. No entanto, se a família empresária assume papel coadjuvante, o risco de termos um conselho de administração “para inglês ver”, encarado como burocracia e desconectado da realidade prática da empresa é enorme. Foi exatamente por essa razão que o IDMC criou o Programa de Certificação de Conselheiros Acionistas, para que a família seja preparada para protagonizar, liderar e ver valor na adoção de melhores práticas de governança – o que inclui a presença de um número razoável de membros independentes.
RI: Paulo Ângelo, na edição anterior desta Revista RI, elencamos alguns grandes temas que consideramos fazer parte da avaliação da “qualidade do ativo empresa” por analistas de investimentos (lembrando que tal avaliação subsidia decisões de gestores de investimentos). Você aumentaria, reduziria ou reorganizaria essa lista de temas, por nós apresentada como uma espécie de provocação aos leitores? De que forma, se positivo?
Paulo Ângelo: Acredito que é possível avaliar esses grandes temas em blocos: origem e história estão intimamente relacionadas a estratégias, projetos e sustentabilidade. É como uma linha do tempo entre o passado, o presente e a capacidade de influenciar o futuro. É fundamental haver coerência na criação de uma perspectiva aspiracional sobre o negócio. Paralelamente, eu consideraria modelos de negócios, governança, gestão e riscos, capital humano e finanças como atributos referentes à maneira como o negócio está estruturado e como pilares sobre os quais o desenvolvimento futuro se dará. São dimensões mais relacionadas aos fundamentos e habilidades no momento presente e que influenciam em larga escala a probabilidade de sucesso em empreendimentos futuros.
RI: Eduardo, também na edição anterior desta Revista RI, procuramos ilustrar que a qualidade do ativo empresa está intrinsecamente relacionada com o modelo de gestão adotado, cujas diretrizes orientam dimensões organizacionais como modelo de negócio & estratégia, estrutura, processos & tecnologia, projetos empresariais e pessoas, cultura & reconhecimento. Para outsiders, contudo, é necessário criar análises estruturadas para entender a empresa, pois eles estão “do lado de fora”. Você concorda com tal ponto de vista? Se positivo, a seu ver, como essas análises podem ser feitas?
Eduardo: É risível que exista um gap entre o entendimento que os gestores e sócios da companhia têm sobre a companhia, as práticas gerenciais e seu potencial e a leitura que é possível fazer “do lado de fora”. Entendendo que esse é um gap de percepção de valor, que influencia as valuations de transações privadas e públicas, o IDMC sempre promoveu essa reflexão em empresas privadas e ofereceu programas que apresentam alguns caminhos para preencher essa lacuna. No nosso entendimento, planejar movimentos estratégicos com antecedência, fundamentar as tomadas de decisão e comunicar com clareza e transparência as ações são pontos chave para aproximar as visões e avaliações. Por essa razão, recomendamos sempre estruturar áreas de Relações com Investidores precedendo grandes movimentos no mercado de capitais, com profissionais experientes e bem preparados para liderar essa interação e essa aproximação.
RI: Paulo Ângelo, acreditamos que o trabalho de analistas do mercado de capitais é muito mais abrangente do que o de analisar empresas sob a ótica puramente econômico-financeira. Concorda com essa visão? O que teria a dizer sobre esse ponto?
Paulo Ângelo: Certamente analistas que extrapolam a dimensão econômico-financeira em suas análises são capazes de elaborar uma avaliação mais abrangente das empresas. É importante ter em mente que para empresas em momentos diferentes, existem públicos de investimento diferentes, com objetivos diferentes. Em não raros casos, a dimensão econômico-financeira de uma companhia apresenta resultados abaixo ou acima do esperado como manifestação de eventos, cuja influência se limita ao curto prazo. É importante avaliar qual leitura se faz sobre a alocação de recursos naquele determinado ativo, expectativas e outros itens. Só dessa forma, vários investimentos nas empresas ditas “unicórnios” são possíveis e fundamentados, com companhias se tornando públicas e avaliadas na casa dos bilhões de dólares, sem ter geração de caixa positiva desde sua incorporação.
Cida Hess
é economista e contadora, especialista em finanças e estratégia, mestre em contábeis pela PUC SP, doutoranda pela UNIP/SP em Engenharia de Produção - e tem atuado como executiva e consultora de organizações.
cidahessparanhos@gmail.com
Mônica Brandão
é engenheira, especialista em finanças e estratégia, mestre em administração pela PUC Minas e tem atuado como executiva e conselheira de organizações e como professora.
mbran2015@gmail.com