Entrevista

LUIZ BARSI, O MAIOR INVESTIDOR PESSOA FÍSICA DA BOLSA NO BRASIL

“Formatar uma trajetória de longo prazo, controlar a ansiedade e o ego, manter o foco e metas, e não investir baseando-se em dicas.”

Estes são alguns dos princípios que permearam o sucesso do maior investidor pessoa física da bolsa no Brasil: Luiz Barsi, conhecido como o Warren Buffett brasileiro. De família humilde, filho de imigrantes espanhóis, perdeu o pai muito cedo e aos nove anos começou a trabalhar como engraxate. Técnico em contabilidade, estrutura e analise de balanços e formado em Direito e Economia, construiu seu patrimônio do zero e hoje - com 81 anos, cinco filhos e no terceiro casamento - tem uma carteira de ações estimada R$ 2 bilhões, fruto do Método Barsi de Investir.

O Método Barsi de Investir, consiste nas seguintes regras básicas: Só investir recursos que não vai precisar; Nunca comprar uma dica; Nunca vender ações por necessidade; Comprar ações abaixo do valor patrimonial; e Comprar ações que paguem bons dividendos.

Nesta entrevista exclusiva concedida à Revista RI, o “Rei da Bolsa” Luiz Barsi, que foi editor de Economia e Mercado de Capitais do jornal Diário Popular (entre 1970 e 1988) e editor de mercado da revista Marketing (entre 1989 e 1992), fala sobre o momento atual do mercado, de seu método de investir e do papel dos agentes. Acompanhe a seguir.

RI: Primeiramente, gostaria que o senhor contasse um pouco da sua história como investidor.

Luiz Barsi: Estou no mercado desde 1967 ou 1968, no segmento de auditoria, o que foi despertando o meu interesse pelo mercado de valores. Aí passei a participar do mercado de modo mais ativo. Primeiramente, operando de uma forma natural como todos operam. Depois, fui tentando desvendar uma trajetória que pudesse assegurar uma renda mensal. Através de um ensaio, cheguei à conclusão de que a estrutura previdenciária no país, nos moldes em que se apresentava, não oferecia segurança para que o cidadão se aposentasse. Então, busquei uma alternativa. Avaliei as múltiplas opções de aplicação. Vi que montar uma grande empresa seria difícil, mas ser parceiro de uma forma iniciante e pequena era viável. Então, dei início a um processo que se caracterizou por essa postura. Ou seja, comecei a praticar uma filosofia na qual procurava me sentir como pequeno dono. Não como acionista minoritário, mas como um pequeno dono mesmo. E, desta forma, fui evoluindo e prosperando. Não que tenha radicalizado a aplicação, mas colocando isso em patamar prioritário sobre todos os aspectos. Cada vez que você avaliava uma compra qualquer, contrapunha o seu interesse prioritário: formatar uma carteira de renda mensal. Fui progressivamente prosperando nessa ideia e, após oito anos já tinha uma carteira de renda mensal. Não era a que eu tenho hoje, claro. Mas já era uma estrutura muito bem posicionada para os padrões da época. Ao longo do tempo, essa carteira de renda mensal foi sendo avaliada e recebeu o apelido de “carteira previdenciária”. A carteira previdenciária visa proporcionar ao indivíduo uma renda mensal sustentável, uma situação financeira estável e confortável para que ele não tenha que se preocupar com a previdência compulsória. Eu acredito que a previdência aqui no país, embora tenha sofrido algumas pequenas alterações não tem uma base fundamental. Naquela época sugeri: não é o governo que deve sustentar a previdência e sim as empresas. Os grandes economistas da época interpretaram que eu estava agindo de uma forma poética. Mas, na verdade a poesia recaiu sobre eles. Hoje grandes economistas que ocuparam cargos são funcionários públicos. Provavelmente, não tenham conquistado nada. Já nós conseguimos conquistar uma carteira que nos garante um conforto financeiro e uma vida estável e digna. Ao longo de todos esses anos, eu não mudei a minha trajetória. Não alterei nada. Continuo fazendo as mesmas coisas que eu fazia 50 anos atrás. Permaneço comprando ações que pagam dividendos e quando essas ações não inspiram uma atratividade boa para incorporar na carteira, aproveito algumas oportunidades de alavancagem. Eu não compro para vender rapidamente. Eu posso até comprar com espírito de lá na frente vender em função de uma valorização, mas não são quaisquer empresas que a gente incorpora na carteira.

RI: O senhor pode citar algumas dessas ações?

Luiz Barsi: As ações de empresas que estão na carteira são aquelas de 20, 30 anos atrás. Então é: Klabin, Suzano, Banco do Brasil e algumas outras que entraram recentemente. Quando falo mais recentemente é quinze anos, que é o caso do Banco Santander. A gente tinha Cesp e hoje temos uma insignificância de Cesp perto daquilo que nós nos propúnhamos a realizar. Temos Cemig, Transmissão Paulista, AES Tietê... Enfim, são papéis que remuneram seus controladores de forma consistente e, por esse motivo, nós que somos acionistas acabamos sendo beneficiados também. Essa é a verdade. Então, a nossa visão sempre foi de direcionar recursos para setores de atividade que se portam como perenes. São setores que uma economia não vive sem. Dentro desses setores perenes também elegemos as empresas que ostentam uma sustentabilidade capaz de manter uma carteira mensal sempre ativa.

RI: Existe algum segredo?

Luiz Barsi: Não há mistério, não há sapiência, não há nada. O importante é o seguinte: quando se percorre um caminho com essa pavimentação, tem que ter disciplina, tem que ter paciência. As coisas não se completam e não se consagram em um tempo curto. O tempo é sempre razoavelmente longo para que você vá progressivamente auferindo os proventos que as empresas distribuem e realocando esses proventos em mais papéis e assim sucessivamente. É preciso se conscientizar que qualquer aplicação que o cidadão faz, seja direcionada para uma venda garantida ou renda mensal, ele ganha em função do valor que ele aplica. Ou seja, se ele aplicar R$ 1.000, ganha o percentual em função dos R$ 1.000. Com ações é diferente, você ganha em função da quantidade possuída. Então se você tiver uma ação, você vai ganhar uma vez o dividendo. Se você tiver mil ações, você ganha mil vezes o dividendo. Se você tiver um milhão de ações, você vai ganhar um milhão de vezes o dividendo. Então, essa postura é muito importante para quem direciona os seus recursos no sentido de formar uma carteira de previdência e tentar acumular a maior quantidade possível de ações para se possa ter uma renda mensal gratificante.

RI: Quais setores o senhor vê como mais promissores no momento?

Luiz Barsi: Não diria no setor elétrico, porque é segmentado. Ele tem a geração, a transmissão e a distribuição. Geração e transmissão são elementos de melhor remuneração para o acionista. Por quê? Porque, muito embora tenham um valor de investimento razoavelmente grande, a manutenção e a operacionalização são sempre menos críticas. A distribuição se apresenta como um projeto muito mais dinâmico em termos de custos. Uma geradora pode ter o quê? Dois ou três clientes. Uma transmissora também. Já uma distribuidora não tem menos de 20 milhões de clientes. Então, a operacionalização em termos de manutenção e de custos é muito mais forte na distribuição. O setor financeiro era diferente do que é hoje. No passado, você possuía uma conta corrente no banco e, ao longo de um determinado período, o banco acabava distribuindo para você uma compensação. A coisa foi se modificando e hoje você paga para deixar o dinheiro no banco. Os bancos hoje não têm a mesma configuração que tinham há 20 anos. Mais de 70, ou quebraram ou foram incorporados. Hoje nós temos um elenco pequeno de bancos, como o Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil de capital aberto. Há ainda outros pequenos. Eu fui acionista naquela época porque nós comprávamos as ações por um preço vil. Uma ação do Banco Bandeirantes do Comércio custava entre 48 e 50 centavos e pagava 10% de dividendo mínimo prioritário obrigatório sobre o valor nominal de um. Ou seja, pagava 20%. O Banco Noroeste também era outro que pagava bem. Nós tínhamos esses bancos, mas eles foram sendo incorporados por outras instituições e sumiram do mapa. Não houve outros empresários que montassem bancos assim dessa natureza. Porque, na verdade, eram de família. Então, o setor financeiro evoluiu e está concentrado nas mãos de poucos. Outro setor que é centenário, é o de celulose e papel. Também nos oferece a mesma condição o setor de saneamento, que tem uma configuração muito parecida com o de energia elétrica. Você fecha sua casa vai viajar e fica 30 dias fora, você não consumiu água, mas quando chega tem a conta de água e esgoto para pagar. Tem ainda essa configuração o de telecomunicações. São setores que nos permitem investir porque são empresas que operam atividades perenes e nenhuma economia vive sem elas.

RI: Dentro do setor de telecomunicações, o senhor pode citar alguma empresa?

Luiz Barsi: Já tive ações da Embratel. Hoje não tenho mais ações de telecomunicações. O Carlos Slim eliminou todo mundo sem que o governo tivesse feito nada para nós acionistas. O Slim comprou a Embratel. Quando ela foi privatizada, seu estatuto e o edital de privatização proibiam que a empresa fosse encerrada e ele encerrou. A gente percebe que o Slim teve muito mais força do que o governo. Tentei de algumas maneiras impedir isso, mas ele conseguiu enganar todo mundo e fez o que quis. Hoje nós somos acionistas da Claro numa condição em que inexistimos praticamente. A verdade é essa: ele nos transformou em nada, em zero. Não paga dividendos, o acionista não sabe quanto vale a empresa. Lamentavelmente, as nossas autoridades foram muito coniventes para que ele chegasse onde chegou. Eu briguei bastante, mas a gente tem uma limitação.

RI: Por falar em dificuldades como esta, durante sua trajetória, quais foram os principais desafios?

Luiz Barsi: O desafio sempre foi permanente. Não era um desafio de enfrentar o mercado de valores, mas sim se ele era ou não, uma boa opção. Eu concluí que era a partir do momento que não me considerei um acionista minoritário, mas um pequeno dono. Se o dono maior não vende, o dono pequeno também não deve vender. Deve esperar os resultados. Agora, nós tivemos alguns contratempos. Eu, por exemplo, perdi uma parte das ações que possuía do Banco Nacional. Era um banco de credibilidade fantástica, que patrocinava o Ayrton Senna. Nós também tivemos o Banco Econômico que era dono de uma estrutura petroquímica muito grande na Bahia, a Copene. O grupo acabou ficando sem liquidez porque tinha ações de empresas e não cash. O governo acabou liquidando também o Banco Econômico. Outro banco que eu tive posição porque pagava ótimos dividendos, era o Banco do Progresso. A gente teve algumas perdas. Não é falar que não teve perdas, mas também não é desencanto. Eu poderia, ao invés de ter comprado ações do Banco do Brasil, ter comprado Itaú na época. Mas não me arrependo porque o Banco do Brasil pagou bons dividendos e continua pagando. A gente vai, ao longo do tempo, reforçando a posição para poder comprar mais ações e ampliar o portfólio previdenciário. Foram alguns desencantos com empresas e não com o mercado.

RI: Quais conselhos o senhor gostaria ter recebido quando começou no mercado? E, quais daria às pessoas que começam a diversificar seus investimentos em renda variável?

Luiz Barsi: Eu deveria ter tomado atitude. Circulavam boatos fortíssimos de que o Banco Econômico talvez pudesse ser liquidado pelo Banco Central. Eu podia ter vendido e não vendi por causa da minha postura de parceiro. Circularam boatos também sobre o Banco do Progresso de que talvez ele pudesse ser liquidado alguns meses antes. Eu podia ter vendido e não vendi porque não acreditava. Acreditava que os proprietários eram pessoas idôneas, pois o dono havia sido presidente do Banco do Brasil. A gente não acreditava que isso fosse acontecer, mas, lamentavelmente, aconteceu. O que poderia dar como conselho é que, quando surgir um boato muito grande de que algo vai acontecer, não façam como eu, vendam as ações. Se eu tivesse vendido as ações do Banco Econômico e do Banco do Progresso, não teria perdido alguma coisa. Mas, isso faz parte do processo de ser parceiro. Algumas coisas saíram mal, mas outras por eu ser parceiro saíram muito bem. Então, houve um equilíbrio nisso. Outro conselho que eu daria as pessoas que se propõem a aplicar no mercado de valores e no segmento acionário é o seguinte: antes de você começar a aplicar verifique qual é o seu perfil. Se você for uma pessoa que tem algo de jogador, procure alguém que possa lhe orientar bem no aspecto especulativo. Com certeza esse alguém terá muito mais propriedade do que eu de gerenciar operações especulativas. Eu tenho pouca capacidade em relação a isso porque, apesar de aplicar às vezes em alavancagem, aguardo porque sempre aplico com base num projeto e não com base numa dica ou numa informação. A minha recomendação é essa: nunca aplique com base em uma dica ou uma informação pura e simplesmente. Você pode estar sendo alvo de alguma coisa. Procure sempre verificar se efetivamente por trás dessa indicação não existe um projeto consolidado, um projeto que tenha perspectivas de evolução, de valorização, de ganho. Busque alguma coisa que se mostre dentro de um padrão sólido de comportamento para que você possa ter uma aplicação tranquila serena e garantida. Então observe o seguinte: disciplina, é uma das coisas mais importantes no segmento acionário e paciência é outro fator também muito significativo. Ao longo do tempo, eu fui aprendendo primeiramente a administrar o meu ego e depois controlá-lo. A ansiedade é outro fator que se deve controlar de uma forma bastante positiva, porque, em muitas ocasiões, faz você entrar em operações indevidas. Analise sempre e, se você quiser montar uma carteira de renda mensal, procure um profissional com experiência nisso. Não adianta você tentar se aproximar de um profissional que não tem ações. Ele tem que ter um portfólio acionário mais ou menos ou bem direcionado àquilo que você também queira edificar. Essa é a minha orientação para aqueles que desejarem entrar no mercado. Essa é a trajetória correta a ser seguida.

RI: Há vinte anos, se falassem que o mercado de capitais estaria com esse número de investidores e a taxa de juros no nível atual, o senhor acreditaria?

Luiz Barsi: Eu não vejo um cenário exclusivamente da bolsa. Eu vejo o cenário de forma mais macro. Eu não concordo com a tese de que entraram três milhões de investidores. Na minha opinião, as pessoas que vieram para o mercado, provavelmente uma grande maioria, não veio consciente de que o mercado representa uma opção fundamentalmente positiva. Na grande realidade, eles fugiram da renda fixa porque ela baixou muito seus resultados. O meu temor é que a qualquer momento a renda fixa passe a remunerar de uma forma maior. Não há dúvidas que isso vai ter que acontecer. Nós estamos vivendo uma irrealidade. Não temos uma inflação de 3%, pois as correções que são feitas, são de uma forma um tanto quanto fantasiosa. Acredito que, talvez possamos voltar a ter uma taxa de juros um pouco maior. Na minha visão, se essa taxa de juros subir um pouco mais, todos esses que vieram para o mercado de ações vão voltar correndo porque o sentimento deles não é um sentimento de investir na geração de riqueza. É um sentimento de agiotagem. Lamentavelmente esta postura vai ter que ser alterada no país. Eu falo com muito pesar, nem a bolsa, nem a CVM, nem ninguém faz nada para que o cidadão consolide essa mentalidade de investir na geração de riqueza a médio e longo prazo.

RI: Como o senhor vê esta nova onda de IPOs?

Luiz Barsi: Os IPOs, ainda são pequenos e próximos daquilo que tivemos em 1970. Por força dos recursos 157, nós tivemos a vinda de muitas empresas para o mercado. Lamento profundamente que os IPOs de hoje já cheguem com preços supervalorizados. Se você pegar a maioria dos que entraram e fizer uma análise de quanto representa o yield de cada um deles, fica decepcionado. Então os IPOs serviram apenas tão somente como uma oportunidade especulativa. Eu espero que empresas que se posicionaram nessa diretriz de abrir o capital não interpretem o futuro acionista como papel higiênico. Ou seja, usa quando precisa e depois acaba esquecendo, não paga dividendos, não dá informação. Então, o investidor precisa tomar muito cuidado quando participa de um IPO. Agora existe uma novidade: você ficar bloqueado por 40 ou 60 dias que é justamente para evitar aquela avalanche de vendas no primeiro momento. Um papel, por exemplo, é lançado a R$ 5,00 e, quando entra, já começa com tendência de ir a R$ 8,00 ou R$ 9,00. Aí a turma aproveita para vender. Os IPOs, na sua maioria, não têm sido direcionados para investidores. Eles têm sido dirigidos para especuladores em potencial. É preciso que a empresa entre para o mercado e faça sua lição de casa, que gere e distribua riqueza para que possa se consolidar no mercado. Lamentavelmente, muitas, mas muitas empresas ótimas se retiraram do mercado exatamente porque ele não proporcionava o efeito de capitalização necessário. Você pega como exemplo qualquer empresa que anuncie um projeto de capitalização. Os investidores derrubam o papel porque ninguém quer saber de capitalizar a empresa. A grande realidade é que, quando um país opta por um mercado de valores, ele o faz visando que a empresa se beneficie desse instrumento, dessa poupança e que se capitalize. Infelizmente, o nosso mercado de valores virou um cassino de valores onde se privilegia a especulação do day trade. Essa é minha opinião.

RI: Sobre isso, como o senhor vê o papel do especulador (day trader) no mercado de ações? É um player importante ou nocivo para o mercado?

Luiz Barsi: Eu acho que todo remédio em dose acima do necessário é nocivo. Quando o remédio tem uma dose correta, tem seus efeitos positivos. Nós temos uma prática no mercado que é a de locação de ações, que tem gerado uma oferta excessivamente alta para a estrutura de investidores. Nós não temos um percentual de investidores para que se forme um colchão de investimentos para suportar eventuais pressões. Além das pressões naturais, que são as geradas por crises, tem a pressão produzida pela locação. A locação de ações, na minha modesta forma de interpretar, tem sido muito negativa para o mercado. Eu tenho absoluta segurança de que, se as autoridades proibirem a locação para a venda, o mercado vai subir muito. Por quê? Porque o volume de papéis locados é simplesmente impressionante. E tem outro detalhe também. Quando você aluga uma casa que é um ativo, se vender estará praticando um estelionato. Se você alugar um automóvel e vender, estará praticando um estelionato. Se você alugar um equipamento que seja industrial ou agrícola e vender, você estará praticando um estelionato, porque são ativos. Ação é um ativo e, no entanto, você pode alugar e vender. E o governo fecha os olhos para isso. A CVM deveria interpretar isso como uma forma de pressão acima daquilo que o mercado tem capacidade de suportar. Agora é lógico e natural que o mercado precisa do especulador, só que nós teríamos que ter uma relação de 80% de investidores para 20% de especuladores. Nós temos 98% de especuladores e 2% de investidores.

RI: Muita gente que acha que é fácil e está saindo machucada nesse movimento todo...

Luiz Barsi: Historicamente, talvez possa ter sido por isso que o mercado brasileiro não evoluiu. Na época da BM&F, era um cassino muito mais ativo que acabou se exaurindo. A forma de negociar de uma maneira assim, rápida, é muito difícil. Como acertar 100 vezes seguidas? Você pode acertar uma, duas, mas você acaba devolvendo sempre aquilo que você ganhou. Eu acredito que dificilmente alguém tenha esta qualidade de especular sempre com ganho. A história mostra inúmeros praticantes deste tipo de postura e muitos deles hoje estão com uma placa compro e vendo ouro na Praça da Sé.

RI: O Método Barsi de Investir parece simples de explicar: comprar ações de empresas de setores perenes, que pagam bons dividendos e, por alguma razão, estão sendo negociadas com preço abaixo do valor patrimonial. Mas o investidor tem dificuldade de escolher as ações e esperar. Como arraigar essa visão no brasileiro, culturalmente acostumado com os juros altos e com visão de curto prazo?

Luiz Barsi: Ele somente poderá olhar para o futuro de uma forma positiva se tiver um conforto financeiro no futuro. E, para que possa edificar e pavimentar esse conforto financeiro, precisa investir e imitar o controlador ou o dono. A ação da Petrobras ou de qualquer outra empresa muda, mas a empresa não é vendida na mesma proporção. É preciso um tempo, é preciso uma caminhada. O Banco Itaú foi progressivamente incorporando outros bancos e foi crescendo. O cidadão tem que examinar o futuro para que possa ter uma renda confortável, já que a Previdência jamais lhe concederá isso. Se ele for depender da Previdência, provavelmente será um dos postulantes a ter uma barraquinha na Praça da Sé. Ele vai ser um indigente. Se o cidadão enxerga o futuro vai encarar as coisas de uma forma diferente do imediatismo. Esse é o meu pensamento.

RI: A taxa de juros de 2% é sustentável? Quais as perspectivas para o mercado?

Luiz Barsi: Eu não acredito que a taxa de juros de 2% é para um país como o nosso. Lamentavelmente nós chegamos a esses 2% por criatividade dos nossos grandes economistas que são especialistas em divulgar conceitos ultrapassados. Nos Estados Unidos e em outros países é viável. Aqui no Brasil nós convertemos todos os ativos em ativos financeiros. O carro sobe mensalmente, o apartamento sobe mensalmente. Como é que pode ser 2% ao ano? Essa é uma visão anacrônica na minha opinião. Então, talvez eu tenha prosperado exatamente por não participar da mesma teoria que esses grandes economistas, que estão no governo, praticam. São teorias econômicas ultrapassadas. Eu também nunca acreditei no governo. O governo brasileiro jamais me inspirou a confiança que o governo americano inspira. Nessa questão de juros, de taxas, enfim. Vejo a possibilidade do nosso mercado crescer bastante desde que haja empresas que venham efetivamente para ficar no mercado, para se capitalizar e para evoluir. Em contrapartida, você tem como deficiência o fato de nós sermos um país que tributa fortemente a produção, tributa magistralmente o consumo e não tributa a especulação.

RI: Como o senhor vê essa tributação de dividendos?

Luiz Barsi: A tributação de dividendos é uma forma de se analisar diferente daquilo que se analisa em outros países. Você tem, por exemplo, potencial para fazer um investimento. Se você for fazer esse investimento em qualquer outro país, vai ter uma cobrança de imposto de renda de 15%. Então, você precisa ter um resultado. A empresa não vive só de poesia, vive de resultados. O cidadão que se atreve a montar um investimento aqui no país, tem que se contentar em pagar 45% de imposto de renda. Ele é obrigado a formar uma reserva de mais 5% sobre o capital. Aí sobrou o que? Sobrou 50% e ele vai ter que ter no mínimo os 20% ou 25% de reserva técnica para dar prosseguimento a sua atividade em termos de ter um caixa. Ele vai ter que renovar seus equipamentos e só aí já foi 100%. Então, ele não ganhou nada. Se você ainda colocar uma tributação de dividendo, não vai conseguir atrair capitais para cá. Nos Estados Unidos, por exemplo, você paga 15% de imposto de renda. Então, é justo que o governo cobre os 10% ainda sobre o dividendo. Mas aqui você já toma do empresário 45%. O dividendo já foi tributado. Se você tributar de novo será uma bitributação. Recentemente nós estivemos com um presidente de uma empresa que tem potencial para investir. Ele não disse só para mim, ele disse para todos: “Eu tenho uma empresa no Brasil, mas eu não amplio meus investimentos aqui. Estou ampliando meus investimentos no exterior, porque lá eu consigo ter um preço competitivo. Investindo nos Estados Unidos, o meu custo é 30% inferior a esse que eu tenho aqui. A empresa que eu tenho não vou fechar para acabar com o emprego, mas não vou investir mais no país, exatamente porque o governo quer tudo. Não sobra nada para nós, né? E outra. Nós não somos competitivos, o empresário tem que ser competitivo”. Conversei com alguns empresários sobre porque não investem. Me disseram o seguinte: “Barsi, se você me arrumar um produto que eu não tenha que ter empregado, ou seja, uma máquina que produza aquilo que eventualmente vou produzir, eu invisto. Mas se eu tiver que concorrer com tudo isso, eu não vou investir nunca. Porque aqui não é um país propício para se investir”. Temos tudo para ser um país nobre em termos de atração de investimentos, mas lamentavelmente nossa carga tributária de um lado e os benefícios trabalhistas de outro inviabilizam o investimento. Essa é a minha forma de pensar. Exatamente por causa disso que eu não sou dono, sou parceiro de bons e grandes projetos.

RI: Como o senhor avalia o momento atual do mercado financeiro diante do forte crescimento do número de pessoas físicas na bolsa e dos IPOs? Há algum risco de estarmos em um movimento de bolha em que os “mais tolos ficarão com os micos”?

Luiz Barsi: Eu acho que ainda é bastante cedo, porque eu não vejo o mercado sendo invadido por investidores. Eu vejo um mercado tomado por especuladores e um especulador tem vida curta ou, pelo menos, programada. Uma hora ele vai errar a mão e vai perder o que tem. Diante disso, vejo com alguma reserva o crescimento do nosso mercado porque também não acredito muito nessa inflação e nessas taxas de juros. Elas são fictícias. Se você for no banco e tiver que pagar juros sobre um cartão de crédito, você acha que é 2% ao mês? Me responda! A gente vive uma fantasia. E o grande problema também é o seguinte: umas das formas de nós melhorarmos a nossa economia seria a pessoa buscar crédito, mas acontece que está todo mundo quebrado. Está todo mundo endividado. Se não fosse o governo dar essa migalha que tem dado aí... Estão dando R$ 600 por mês. Nos Estados Unidos, eles estão dando US$ 400 por semana. É uma diferença muito grande. Lá a economia pode voltar a reluzir com a participação do estado. Aqui, infelizmente nós não temos uma capacidade financeira para poder bancar uma volta dos fatores econômicos mais ativos e o reingresso da economia em um patamar mais coerente. De qualquer maneira, o governo fez um sacrifício muito grande e vislumbrou a possibilidade de tentar agitar a economia através das remunerações que ele tem dado. Tem alguma coisa de política. A verdade é essa, mas enfim, a gente prefere interpretar que foi um ato declaratório para ajudar a economia a se restabelecer de alguma forma mais dinâmica. A economia vai ter problemas para crescer.

RI: Como o senhor avalia a atuação da bolsa brasileira (B3)? O que pode ser melhorado?

Luiz Barsi: Para quem? Para o mercado ou para a B3? Para o mercado não vejo nada. Para a B3 eu vejo muitas alternativas. Tanto é fato que agora eles querem criar CPMF do provento. Eles querem criar uma taxa de 0,12 para incidir sobre os proventos que a empresa paga. Não sei se vão conseguir, mas a bolsa consegue o que quer. Nós temos a questão da locação de ações que é permitida. Nós temos o day trade que é permitido. Nós temos o fato de as pessoas físicas que compram e têm lucro sobre uma ação, serem obrigadas a pagar 15%. O fundo não é obrigado, o fundo é do banqueiro, o fundo não paga imposto. Há uns negócios que a gente não entende o porquê que acontecem. Quem manda mais? A bolsa manda bastante e a visão dela por todos os movimentos que faz é aumentar o seu resultado. Tanto é fato que ela divulgou o dividendo de R$ 1,3 bilhão. Faz muito por si e não pelo o mercado. É a minha opinião. Um dia o governo vai abrir os olhos e vai acordar e eu acho que não será tudo isso. Eu não quero ser futurólogo de falar alguma coisa, mas uma ação da B3 hoje custa R$ 56,00 e ações de outras empresas custam R$ 3,00. Então há uma dissonância muito grande. Ela tem uma valorização acima daquilo que se pode interpretar como normal. Mas, enfim, é o nosso mercado.

RI: Seria positiva a vinda de uma outra bolsa para o Brasil?

Luiz Barsi: Isso já foi positivo, porque aqui no Brasil, nós tínhamos inúmeras bolsas, há uns 20 anos. Lamentavelmente, o CADE, que é o órgão responsável por evitar monopólios, é o principal criador de monopólios. Ele criou o monopólio chamado B3, o monopólio chamado Fibria e a BR Foods.

RI: Como o senhor avalia a evolução da área de Relações com Investidores (RI) nos últimos anos? O que ainda falta para atingirmos a excelência?

Luiz Barsi: Algumas empresas agem de uma forma bastante interessante. Procuram esclarecer os seus acionistas. Tivemos uma informação recente de que a Klabin, por exemplo, tinha um elenco de investidores em que 90% eram fundos. Com a disseminação da empresa, passou a ter uma quantidade de mais de 100 mil acionista individuais. O RI da empresa varia em função do elenco e da quantidade de acionistas. Nós temos RIs que são ocultos. Por exemplo, o RI da Paranapanema não existe. Depois que a Paranapanema foi privatizada, você não consegue falar com o RI. A empresa não dá informações, o telefone está sempre ocupado, o RI não está, foi viajar. Parece que, quando a empresa foi privatizada, resolveram colocar as informações sobre custódia. Você não sabe como a empresa está. Só sabe através do balanço, mas não tem informações complementares. A Louise (Louise Barsi, filha de Barsi) está tentando manter contato com eles, mas é difícil. Acho que o RI é a porta de entrada de uma empresa de capital aberto. Ele tem que estar sempre disponível para esclarecer o acionista, para orientar sobre determinadas atitudes da empresa. Eu falei aqui da Paranapanema porque é verdade. Depois que o Silvio Tini comprou o controle, a empresa só não sumiu da cotação, mas sumiu do mapa em termos de informação. Então você fica alheio, não sabe o que vai ou pode acontecer. Eu acho que o RI, deve estar presente a todo momento para prestar informação ao acionista. Boa parte das empresas desenvolve bem essa questão, mas existem algumas que lamentavelmente omitem fatos e não dão esclarecimentos aos acionistas sobre seus desenvolvimentos. Todos deveriam ser prestativos, mas infelizmente nem todos são. Deveria ter alguma lei que os obrigasse.

RI: Com relação a CVM, como que o senhor avalia a atuação do órgão regulador?

Luiz Barsi: Eu acho que a CVM foi criada para gerar regras e fiscalizar o mercado. A interpretação que dou é que ela acabou se transformando num órgão de arrecadação. A visão dela é mais de arrecadar do que fiscalizar o mercado. A gente tem verdadeiros absurdos no mercado. Até o office boy sabe, só a CVM não sabe, infelizmente. Mas, eu não quero apontar esses defeitos porque, se você aponta os defeitos estará consagrando a mediocridade. Então é preciso que eles que ganham salários, que ganham os honorários, desvendem isso. Existem algumas distorções flagrantes do mercado que a CVM deveria pelo menos indagar e pesquisar. Mas não pesquisa.

RI: Cometer crime no mercado compensa?

Luiz Barsi: O crime compensa aqui no Brasil. A CVM parece que optou por essa trajetória de ser uma agência arrecadadora. Nós tivemos empresas de consultorias e corretoras que andaram divulgando fatos irreais, orientações que penalizaram. Coisas absurdas, mas que, com uma simples multa, acabou tudo. Então, compensou o crime.

RI: Porque a multa é menor do que o ganho...

Luiz Barsi: A CVM precisaria ter um presidente que conhecesse o mercado. O presidente da CVM é um advogado. O advogado deve saber que quando você vende um ativo que alugou é estelionato. No entanto, pode-se fazer estelionato no país.

RI: Com relação às boas práticas sustentáveis e de governança, o senhor leva em conta as questões ESG no processo de escolha das empresas que tem em carteira?

Luiz Barsi: Eu tenho uma identidade muito forte com a governança corporativa. Procuro sempre que possível ajudar nessa questão. Sou membro de dois Conselhos de Administração de empresas de capital aberto, procuro colaborar de uma forma positiva nesse segmento e nessa questão. A governança corporativa deve ser o elo máximo que o cidadão para que a empresa vá e se desenvolva de uma forma positiva. O importante é você colocar sempre a frente o interesse da empresa e não o interesse individual. É isso que tem norteado a nossa participação e nós temos conseguido seguir nessa trajetória.

RI: O senhor vem de uma família humilde, o que mostra que é possível chegar lá. Alguma lição final?

Luiz Barsi: Eu vim de uma família muito humilde mesmo. Isso significa dizer que qualquer um que venha de uma família pobre pode chegar onde eu cheguei. Para isso, é preciso tentar administrar seus egos, controlar a ansiedade, formatar uma trajetória de longo prazo, procurar investir em projetos vitoriosos. Não investir em dicas, não respeitar dicas. É ser um pequeno empresário que começa muito pequeno e ter a pretensão de um dia ser um grande empresário em termos de participação. A questão é ter foco e metas. Isso é o que sempre tive, e é o que eu vou continuar fazendo até um dia não viver mais. O mercado acionário é um instrumento da economia que pode perfeitamente modificar a sua estrutura, desde que você tenha incorporado os elementos que são necessários para que isso possa ser possível e viável. E isso acaba se viabilizando quando você elege a sua participação no mercado em termos de investimentos. Nós somos sim empreendedores, só que não copiamos o Sebrae. Ele é um órgão que estimula o empreendedorismo, mas ensina o cidadão a pensar pequeno. Monte uma barbearia, monte uma lanchonete, monte alguma coisa que você seja dono. Nós interpretamos que o empreendedorismo deve ser um fator que você invista em grandes projetos.


Continua...