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A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou em audiência alteração da Instrução 480 para incluir um novo comunicado com o objetivo de dar divulgação às informações sobre demandas arbitrais e judiciais de natureza societária. O novo anexo à Instrução 480 visa dar maior visibilidade a essas ações, que no entender da autarquia, podem afetar, direta ou indiretamente, direitos de acionistas das companhias envolvidas nesses litígios.
A proposta esteve em audiência pública até o mês passado e gerou muitas controvérsias, inclusive por juízes arbitrais, que temem pelo futuro da atividade em função da nova regra. A questão, na verdade, é muito sensível, por conta do sigilo contemplado no regulamento das câmaras e nas próprias cláusulas arbitrais. Essa circunstância tem gerado discussões ao longo dos últimos anos em razão do princípio de transparência das companhias abertas e dos deveres de informação que é próprio de seus administradores.
Estímulo ao enforcement privado
O objetivo manifestado pela CVM é melhorar o enforcement privado. A Autarquia acredita que será saudável tanto para os investidores como para o mercado. A iniciativa foi tomada com base no último relatório produzido pelo Grupo de Trabalho, formado pela CVM, Ministério da Economia, com o apoio financeiro do Prosperity Fund da Grã-Bretanha e apoio técnico do Comitê de Governança Corporativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que recomendou a criação de um comunicado sobre litígios societários.
Os emissores de valores mobiliários, as companhias abertas, foco da regulação, não participaram dos debates e estudos prévios.
O que se questiona no documento da CVM é o alto grau de subjetividade. A proposta permite interpretação ampla do que precisa ser informado. Não são questões óbvias, pois elas implicam na decisão de investir ou não. Cabe lembrar que há mais de 20 anos, quando foi criado o Novo Mercado e alterada a Lei das S.A. para a inclusão da arbitragem no estatuto das empresas, havia a preocupação com o enforcement. Na época, inclusive, a arbitragem era vista como melhoria da governança corporativa.
A razão para isso era a lentidão do judiciário e a pouca especialização sobre as normas do mercado de capitais, fatores que, agregados à confidencialidade dos processos, levaram as empresas a aderirem às câmaras de arbitragem para resolução de seus conflitos.
A questão é que a arbitragem evoluiu muito, assim como cresceu o número de investidores no mercado de capitais, particularmente nos últimos três anos. A CVM percebeu esse movimento já há algum tempo e vem estudando a possibilidade de exigir mais transparência sobre ações que envolvem litígios societários. A nova regra, porém, pode colocar em risco o instituto da arbitragem, um sistema muito bem sucedido no Brasil.
A minuta de instrução da CVM é positiva, embora alguns pontos do documento precisem ser melhor definidos e conceituados para evitar dúvidas. Afinal, melhorar o enforcement privado e garantir certa transparência aos processos arbitrais são movimentos na direção certa.
Por outro lado, o item que trata sobre direito individual homogêneo, por exemplo, deixa a entender que uma ação movida por um acionista questionando dividendos pode beneficiar todos os acionistas da empresa. Isso pode abrir espaço para a criação, na prática, de class action no país ou estimular esta prática.
Outro ponto é a divulgação de decisões provisórias. Qual o benefício dessa divulgação se não é uma posição final? Isso pode acarretar efeitos nas cotações dos papéis da empresa sem correspondente fundamento. O mesmo ocorre com a divulgação de proposta de acordo, que não tem materialidade, porém enseja muito potencial para especulações.
Propostas da Abrasca à CVM
Nas sugestões enviadas pela Abrasca, foi colocado que as hipóteses que ensejam divulgação de comunicado ao mercado devem ser mais limitadas que as previstas no artigo 1º do Anexo. Isso porque os termos deste artigo são excessivamente amplos, ao designar essas hipóteses “tais como ação de anulação de deliberação social, ação de responsabilidade de administrador e ação de responsabilidade de acionista controlador”.
Vale ressaltar que quanto mais clara e precisa for a abrangência de uma definição, mais efetiva será a sua observância e o cumprimento da regra em questão. Desta forma, é possível dar maior segurança tanto para os investidores, que passam a saber com mais exatidão que tipo de informação podem esperar, assim como para as companhias, que saberão com precisão o que devem informar.
Foi sugerida também a exclusão do inciso I do art. 1º do Anexo, que trata de assuntos envolvendo direitos ou interesses difusos, coletivos ou homogêneos. As associadas da entidade entendem que a definição de relevância adotada pela ICVM 358 é suficiente para assegurar proteção aos investidores e acionistas minoritários, sem que seja necessário o acréscimo de outras categorias jurídicas, como a dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Cabe destacar que isso não veda o acionista a questionar seus direitos. O sistema de tutela coletiva adotado no Brasil tem poucas barreiras de entrada: são legitimados os cidadãos para mover ação popular e as associações para mover ação civil pública. E não existe condenação em honorários de sucumbência, custas e despesas processuais, salvo nas hipóteses de má-fé comprovada.
Sobre o critério de relevância, a Abrasca propõe redação na qual apenas as decisões provisórias relevantes e os acordos relevantes estejam sujeitos ao dever de divulgação, afastando assim a divulgação de simples propostas de acordo. Para dirimir incerteza em torno do conceito de “relevância” foi sugerida a adoção de critério que se assemelha ao previsto na ICVM 358. Este critério tem a dupla vantagem de já ser conhecido pelos agentes do mercado e também a de trazer coerência para o sistema de proteção ao mercado de capitais.
A Abrasca sugeriu ainda aumentar de três para sete dias o prazo para divulgação de notícia não sigilosa sobre instauração de processo. O objetivo é harmonizar o prazo com as divulgações sobre informações eventuais previstas na ICVM 480.
Para garantir a confidencialidade dos procedimentos atualmente em curso, em respeito à expectativa de sigilo das partes com relação a essas demandas, a Abrasca propõe a adoção de um regime de transição. A obrigação de divulgar ficará restrita somente às demandas instauradas após a vigência da nova Resolução, sendo facultativa para aquelas já em curso para garantir a observância dos contratos vigentes, que em sua imensa maioria prevêem confidencialidade.
Eduardo Lucano da Ponte
é presidente Executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca)
abrasca@abrasca.org.br