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Como as empresas podem participar na solução do problema pela visão das ODS
Pobreza, fome e desigualdades são problemas que se confundem com a história da civilização. Até os indígenas perceberam essa questão, quando o Rei Carlos IV da França perguntou aos líderes indígenas, convidados para a “Festa Brasileira em Rouen” em 1550 (não vamos entrar em pormenores), qual a opinião deles sobre o país. Atendo-se ao segundo comentário dos líderes indígenas, sua resposta foi de que notaram que “havia entre nós homens repletos e abarrotados de comodidades, e que suas metades uns dos outros eram mendigos às suas portas, descarnados de fome e pobreza e achavam estranho que como essas metades podiam suportar tal injustiça” (“Sobre os Canibais”, em Os Ensaios de Michel de Montaigne, 1580).
Voltando ao século XX-XXI, encontramos uma a mesma conjuntura global. O problema muda de roupa, muda de cor, mas continuamos a ter de lidar com a busca da “solução” para a “Erradicação da pobreza” (ODS 1), “Fome Zero” (ODS 2) e “Redução das Desigualdades” (ODS 10). Não é à toa que a Agenda 2030 mostra como eles estão fortemente relacionados.
Não resta dúvida que em termos globais a situação melhorou. De acordo com o Banco Mundial, o número de pessoas abaixo da linha de pobreza extrema caiu de 1,1 bilhão (21% da população global) em 1990 para 735 milhões (10%) em 2015. Entretanto, ao observarmos métricas relacionadas à desigualdade social, vemos que o caminho para o desenvolvimento sustentável ainda está longe de ocorrer.
O índice de Gini, coeficiente que correlaciona a proporção acumulada de renda com a proporção acumulada de população, é um dos indicadores mais utilizados por instituições competentes, como a ONU, para medir tal efeito. Sua escala varia de zero a um, sendo que quanto mais próximo de zero, menor é a desigualdade social. Segundo os dados do Banco Mundial, compilados pela plataforma “Our World in Data”, a distribuição do índice de Gini pelo mundo se dá da seguinte maneira:
O mesmo Banco Mundial estima um aumento de 150 milhões de habitantes no nível da pobreza extrema em 2020/2021 por causa da pandemia, e a mitigação do problema considerando-se a de crise sistêmica consequente depende de políticas públicas emergenciais. Foi o que aconteceu em todos os países do mundo, atingindo o Brasil de modo ainda mais incisivo, visto que, segundo uma pesquisa recente da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, aproximadamente 117 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar ou passando fome. As cicatrizes deixadas pela pandemia nas classes menos favorecidas combinadas com nosso índice de Gini ser um dos maiores do mundo (dos países mapeados) escancaram os desafios que teremos para cumprir a agenda 2030, especialmente se tratando de ODS 1, 2 e 10.
Durante o ano de 2020, pudemos assistir uma mobilização muito intensa do setor privado e da sociedade em tais questões. O movimento “Não Demita”, por exemplo, foi um breve ensaio disso. Essa movimentação mostrou que as iniciativas emergenciais podem ser estendidas para um quadro de saída da crise e até para a retomada do crescimento econômico, que deve ter um caráter inclusivo. Nesse sentido, consideramos importante que em cada país, independente do grau de desenvolvimento, sejam discutidas 4 questões fundamentais:
1. Em nível macroeconômico, a construção de políticas públicas estruturais que protejam as populações menos favorecidas em conjunturas de crise;
2. Em nível de política de Estado, um ambiente social de igualdade de oportunidades. A desigualdade de renda, que tanto tentamos explicar desde a ascensão das ciências sociais do qual a economia faz parte, é consequência da desigualdade de oportunidades;
3. Em nível microeconômico, a consideração de políticas de remuneração que levem em consideração as questões ESG e os ODS com a adoção de padrões mínimos de distribuição de valor adicionado para todos os stakeholder, incluindo as comunidades e populações vivendo na informalidade. Isso conversa diretamente com o ODS 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes);
4. O crescimento econômico não pode ser obtido a qualquer custo tanto em nível global, como a nível de países, como a nível de empresas, tem de ser concomitante com a distribuição de renda e universalidade na prestação de serviços essenciais (Saneamento básico no Brasil, por exemplo) é uma urgência há 30 anos pouco se investe e quase nada se evoluiu).
Esses desafios não existem apenas na nossa conjuntura nacional. Mundialmente (especialmente na Europa) existe um debate muito forte na agenda 2030 sobre como podemos utilizar forças públicas e privadas para melhorar a qualidade de vida do ser humano. Até novos modelos econômicos já foram desenhados, com o objetivo de incluir as externalidades ambientais e sociais e mecanismos para garantir um alicerce social saudável. O modelo em questão, denominado “Economia de Rosquinha” e proposto pela professora de Oxford Kate Raworth, está sendo implementado em Amsterdã, na Holanda como uma resposta das autoridades locais para superar a crise provocada pelo coronavírus. Os elementos trazidos nos alicerces estão alinhados com os ODS da ONU, e buscam aliar o crescimento econômico com limites ambientais e maximização de bem-estar social, atingindo o tão falado “crescimento sustentável”.
Como elucidado no começo desse artigo, a pobreza, fome e desigualdade social são os principais problemas no pilar de bem-estar social. Como podem então, nesse espectro, as empresas envidarem esforços para diminuir o nível de pobreza no país e contribuírem para o desenvolvimento sustentável?
Os ODS fornecem diversas diretrizes para se alcançar determinados objetivos, incluindo a erradicação da pobreza (ODS 1). Estudando todas as 169 metas propostas pela ONU (e adaptadas para a realidade brasileira), desenhamos um mapa de relações diretas e indiretas baseados nas metas do ODS 1, cujos metas brasileiras:
1.1. Até 2030, erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares, medida como pessoas vivendo com menos de PPC$3,20 per capita por dia;
1.2. Até 2030, reduzir à metade a proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem na pobreza monetária e não monetária, de acordo com as definições nacionais;
1.3. Assegurar para todos, em nível nacional, até 2030, o acesso ao sistema de proteção social, garantindo a cobertura integral dos pobres e das pessoas em situação de vulnerabilidade;
1.4. Até 2030, garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e as pessoas em situação de vulnerabilidade, tenham acesso a serviços sociais, infraestrutura básica, novas tecnologias e meios para produção, tecnologias de informação e comunicação, serviços financeiros e segurança no acesso equitativo à terra e aos recursos naturais;
1.5. Até 2030, construir a resiliência dos pobres e daqueles em situação de vulnerabilidade, e reduzir a exposição e vulnerabilidade destes a eventos extremos relacionados com o clima e outros choques e desastres econômicos, sociais e ambientais.
Nosso racional para desenho do mapa foi trazer a nível de metas de outros ODS o que está relacionado diretamente com cada uma das metas acima descritas, e para cada uma delas, trazer os ODS que possuem ligação para seu alcance dos objetivos pretendidos:
À primeira vista, o desenho parece confuso. Porém, ele basicamente traz a estrutura de interrelações que está atrelado direta e indiretamente às metas desenhadas para erradicação da pobreza. Trazendo os exemplos dos ODS que mencionamos no artigo publicado na edição anterior da Revista RI (relativos às empresas da carteira do ISE), conseguimos mostrar de que modo as companhias podem auxiliar nessa agenda.
Empresas que possuem o “ODS 7 – Energia Acessível e Limpa” como material, ao englobarem metas de descarbonização de matriz energética (tanto produção quanto consumo), acabam mitigando parte do problema causado pelas mudanças climáticas. Nisso, o risco no longo prazo de ocorrerem eventos climáticos extremos tende a diminuir, o que favorece populações mais carentes que sempre acabam sendo mais impactadas mais fortemente em períodos de grandes enchentes e secas, por exemplo.
Outra métrica que pode ser adotada de forma estratégica e que possui um efeito dominó positivo é o fomento à diversidade, tanto de gênero (assunto debatido com mais afinco nos últimos tempos) quanto racial, esse último mais ligado à temática aqui trazida. Apesar da população negra corresponder a aproximadamente 55% dos habitantes no Brasil, vemos que 75% das pessoas mais pobres do Brasil são negras, e o número de lideranças no mundo corporativo ainda é muito pequeno. Muito disso se deve à falta de oportunidades estruturalmente dada para esse público, e programas que visem fomentar sua contratação, retenção e desenvolvimento acabam atingindo de forma indireta o problema estrutural da pobreza do nosso país.
Outras relações detectadas como caminhos possíveis para atingirmos a agenda 2030 e, especificamente a erradicação da pobreza e que o mapa nos mostra:
Todas essas relações estão no processo de solução da ODS1. A cooperação do setor privado nessa agenda é crucial para melhorar o cenário que vivemos atualmente e eliminar as externalidades negativas do processo de crescimento que são princípios básicos da Agenda ESG e Agenda 2030, que há tanto foram deixadas de lado por nós.
Talvez se o Rei Carlos IV da França levasse mais a sério o recado dos nativos brasileiros na festa de Rouen, a Revolução Francesa não tivesse acontecido e estaríamos resolvendo esses problemas de forma mais objetiva, aumentando a dosagem dos princípios éticos e de justiça social nas políticas públicas e privadas, combinado com o retorno dos investimentos.
Eduardo Werneck
é senior adviser da Resultante Consultoria ESG e vice presidente da Apimec Brasil.
eduardo.werneck@apimec.com.br
Lincoln Camarini
é head de Research ESG da Resultante Consultoria ESG.
lincoln.camarini@resultante.com.br