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Em seus mais de 25 anos de história, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) tem ressaltado a importância da adoção das melhores práticas de governança corporativa por empresas listadas, seja por meio de mecanismos de adesão voluntária, seja por meio da autorregulação, regulação ou legislação, com o objetivo de contribuir para o fortalecimento, a confiabilidade e a atratividade do mercado brasileiro de capitais. Foi assim que o IBGC apoiou o lançamento do Novo Mercado e dos segmentos especiais de listagem da B3, em 2000, e coordenou a criação do Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas (2016), entre outros exemplos.
A evolução dos regramentos e a aplicação das recomendações de governança são significativas. O Novo Mercado, o segmento de listagem com as regras mais sofisticadas, continua sendo a primeira opção das empresas que decidem ter ações negociadas na B3. A partir de 2018, companhias abertas elevaram a transparência sobre a aplicação de práticas recomendadas de governança, por meio do relato “pratique ou explique”.
Entretanto, nos últimos anos, a ocorrência de problemas graves de governança em companhias que deveriam ser referência nesse assunto tem chamado a atenção e indicado que princípios e boas práticas consagrados ainda não foram suficientemente assimilados. Algumas operações de aquisições ou reorganizações societárias geraram desconfiança sobre o cumprimento da essência, e não apenas dos aspectos formais, das normas e recomendações.
Diante disso, em seu papel de agente de fomento de boas práticas de governança corporativa, o IBGC vem e virá a público, anualmente, reforçar as lições de boa governança aprendidas após episódios recentes envolvendo empresas listadas. Este documento, por ser o primeiro da série, trará os aprendizados referentes aos principais casos das empresas listadas nos segmentos especiais de 2020, mas também abordará as lições aprendidas de casos relevantes referentes a anos anteriores.
Foram selecionados, neste estudo, um conjunto de princípios e boas práticas que poderiam ter evitado ou mitigado algumas das falhas de governança corporativa observadas e mais contundentes.
1. Os membros do conselho de administração devem ter acesso a todas as informações necessárias para a tomada de decisões.
Os membros do conselho devem adotar os melhores esforços para compartilhar as informações que detêm sobre as matérias em discussão, além das disponibilizadas pela diretoria, a fim de que as opiniões e os julgamentos individuais dos conselheiros sejam formados a partir da mesma base informacional.
Não cabe ao membro do conselho de administração, de posse de alguma informação relativa a alguma matéria em discussão pelo órgão, fazer um juízo de valor isolado sobre sua relevância para a tomada de decisão. Ele deve compartilhá-la com todos os outros conselheiros para que cada um, fazendo uma avaliação individual, possa tomar sua decisão, observando seus deveres fiduciários.
2. Os conselheiros devem ter tempo adequado para a análise dos assuntos submetidos a sua deliberação.
É fundamental que os conselheiros disponham de tempo suficiente para analisar os assuntos que lhes são submetidos para apreciação e deliberação. Os conselheiros devem sempre avaliar se estão em condições de deliberar sobre determinadas matérias e, em linha com o grau de dificuldade e risco que se apresentam em cada caso, podem e devem demandar um maior tempo de análise de determinadas operações.
Os regimentos internos dos conselhos de administração devem definir um prazo de antecedência razoável (sete dias, no mínimo) para o recebimento dos materiais para discussão nas reuniões – sem prejuízo de situações excepcionais que exijam justificadamente atenção urgente.
3. Conselheiros e diretores devem abster-se de participar de decisões em que estejam em situação de conflito de interesses.
Abster-se de participar de decisões estando em uma situação de conflito de interesses é uma prática de governança reconhecida e um dos deveres fiduciários dos administradores previstos na Lei 6.404/76: nos termos de seu artigo 156, “é vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse”.
“A pessoa que não é independente em relação à matéria em discussão ou deliberação deve manifestar, tempestivamente, seu conflito de interesses ou interesse particular. Caso não o faça, outra pessoa deve manifestar o conflito, caso dele tenha ciência. Tão logo identificado conflito de interesses em relação a um tema específico, a pessoa envolvida deve afastar-se, inclusive fisicamente, das discussões e deliberações. Esse afastamento temporário deve ser registrado em ata”, diz o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa (IBGC, 2015).
As companhias podem prever que as possibilidades de conflito de interesses sejam verificadas e consideradas sempre que um assunto crítico ou complexo seja colocado na ordem do dia do conselho de administração. Logo após a instalação da reunião, o conselho pode fazer uma consulta geral sobre a existência de conflito de interesses sobre qualquer item da pauta, por exemplo.
A identificação e o tratamento necessário do conflito de interesses não devem se limitar a interpretações da legislação e regulamentação, mas considerar os impactos de determinada decisão nas partes interessadas e no mercado, inclusive do ponto de vista reputacional.
O código do IBGC também destaca que o conselho deve esgotar todos os meios disponíveis para avaliar a independência dos conselheiros. “Em última instância, cabe a cada conselheiro refletir sistematicamente sobre sua capacidade de fazer um julgamento independente diante dos temas examinados no conselho.”
4. Acionistas devem abster-se de participar de deliberações em que estejam em situação de conflito de interesses.
O Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, recomenda que o acionista que, por qualquer motivo, estiver em situação de conflito de interesses em determinada deliberação, deve comunicar imediatamente o fato e abster-se de participar da discussão e da votação dessa matéria.
Ao impedir o voto em conflito de interesses, a legislação societária, assim como o código do IBGC, reconhece que toda transação societária que envolve conflito de interesses expõe a companhia e/ou os acionistas minoritários a uma situação de vulnerabilidade, porque controladores ou acionistas com poder de influenciar decisões podem agir de forma a expropriá-los indevidamente. A melhor forma de apaziguar essa tensão é delegar a decisão apenas a agentes sem conflito de interesses.
O Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas (GT Interagentes, 2016) recomenda que a companhia adote “mecanismos de administração de conflitos de interesses nas votações submetidas à assembleia geral, para receber e processar alegações de conflitos de interesses, e de anulação de votos proferidos em conflito, ainda que posteriormente ao conclave.”
5. Os conselheiros devem sempre atuar no melhor interesse da companhia – e não competir com ela.
Os deveres legais dos administradores os impedem de realizar quaisquer atos que possam ferir a relação fiduciária mantida entre eles e a companhia. O desenvolvimento de negócios concorrentes e a prospecção de clientes e fornecedores da companhia não são permitidos. Por esse motivo, o pagamento de contrapartida financeira pela companhia a administradores por um acordo de não competição apenas se justifica após o encerramento do vínculo entre a companhia e o administrador.
Acordos de não competição devem ser definidos no momento do ingresso do administrador na companhia. Caso alguma questão do acordo tenha de ser revista posteriormente, além do afastamento dos potenciais beneficiados do processo decisório, cabe também à administração avaliar a necessidade do envolvimento de outras instâncias da companhia, como comitês de remuneração, ou, dependendo de sua relevância, a submissão da proposta à assembleia geral de acionistas.
6. A assembleia geral deve deliberar sobre contrapartidas relevantes oferecidas aos administradores que não estejam inclusas na remuneração global
Uma das matérias que mais envolvem conflito de interesses é a remuneração de administradores. A fim de evitar riscos e arbitrariedade, a política de remuneração da companhia deve contemplar muito mais que o mecanismo de aprovação da remuneração global e da atribuição da remuneração a cada órgão ou a cada membro da administração – algo que, inclusive, já é regulamentado pela legislação em vigor. É preciso que as políticas de remuneração sejam capazes de criar mecanismos de incentivo na atuação dos membros da administração, direcionando-os para uma atuação que sempre promova o alinhamento de interesses de longo prazo entre acionistas e administradores e a geração de valor para a companhia.
Situações como acordos aplicáveis após a saída de um administrador ou circunstâncias que possam alterar a remuneração de algum membro da administração ao longo de um exercício social (posteriormente à aprovação do tema em assembleia), caso não estejam previstas na política de remuneração e tenham impacto relevante, devem ser levadas à deliberação em assembleia geral.
7. Os princípios e as práticas de governança, bem como a legislação e regulamentação, devem ser observadas em sua essência.
A legislação e regulação em vigor devem ser estritamente observadas, assim como os princípios e as práticas de governança corporativa que as companhias se dispõem a cumprir.
Nesse sentido, as companhias e sua administração não devem buscar lacunas ou subterfúgios para não aplicar determinada disposição quando inconveniente para quaisquer interesses em determinado momento ou contexto. Que as regras devem ser cumpridas, é óbvio; mas a preocupação em privilegiar a essência sobre a forma deve prevalecer.
8. Os líderes das companhias devem se engajar em uma agenda positiva de governança corporativa.
As companhias não previam o risco e não estavam preparadas para os impactos de uma pandemia como a de Covid-19. Além das aulas imediatas sobre gestão de crise e gerenciamento de riscos, o ano de 2020 deixou lições fundamentais para o que se espera da governança corporativa hoje e no futuro.
Esse aprendizado consta da Agenda Positiva de Governança Corporativa, iniciativa lançada pelo IBGC em novembro de 2020, que convida acionistas, conselheiros, diretores e demais líderes das empresas a adotar quinze medidas, baseadas em seis pilares, a saber: ética e integridade; diversidade e inclusão; ambiental e social; inovação e transformação; transparência e prestação de contas; e conselhos do futuro.
As profundas mudanças pelas quais as organizações passaram e têm passado – por motivações econômicas, sociais, políticas e sanitárias – mais uma vez reforçam a necessidade da adoção de princípios e melhores práticas de governança corporativa. Mais do que nunca, está claro que a evolução exige uma atuação protagonista das empresas na resposta às aspirações humanas que vão além dos resultados econômicos e financeiros, como bem mostra a campanha do IBGC: https://www.agendapositivadegovernanca.com.
Considerações finais
Esta é a primeira edição de uma série de revisões anuais de recomendações de governança para empresas listadas no Brasil. Ainda que algumas delas sejam consagradas e basilares, tais recomendações abordam práticas que não foram observadas em casos de grande repercussão no mercado de capitais e, por isso, devem ser relembradas e enfatizadas. Com este exercício, o IBGC espera orientar e conscientizar administradores (conselheiros e diretores), acionistas, investidores e reguladores, em benefício de todas as partes interessadas no crescimento e fortalecimento do mercado brasileiro de capitais.
Créditos
Este foi redigido com base na análise técnica realizada por grupo de trabalho formado por André Camargo, Beatriz Rocha, Claudio Timm, Felipe Arnhold, Gustavo Stolagli, José Roberto Prado de Almeida, Leonardo Leite, Lucas Trevisan, Luciana Dias, Luiz Roberto Ahrens, Maiara Madureira (coordenadora), Patricia Pellini, Rafael Andrade, Raphael Giovanini e Renato Vetere. Seu conteúdo não reflete, necessariamente, as opiniões individuais daqueles que participaram de sua elaboração, e sim o entendimento do IBGC.
Agradecimentos
Agradecemos as contribuições feitas em audiência restrita por Eliane Lustosa, Emilio Carazzai, Fabio Alperowitch, Fábio Coelho, Flavia Mouta, Maria Helena Santana e Pedro Rudge.
IBGC
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
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