Conselho Fiscal

CONSELHO FISCAL: EXERCÍCIO DA FUNÇÃO DE FISCALIZAÇÃO DOS ATOS DOS ADMINISTRADORES

O Conselho Fiscal é regulado pelo disposto no capítulo XIII da Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. A exposição de motivos, a qual reflete as justificativas e intenção do legislador por ocasião da preparação da Lei, nos faz refletir se os objetivos e a intenção do Legislador, por ocasião de sua preparação e submissão para aprovação, foram alcançados.

Como previsto na exposição de motivos da Lei 6.404/76, o Conselho Fiscal não é órgão de auditoria contábil, que somente pode ser exercida por organizações de profissionais especializados.

Entretanto, é órgão de fiscalização dos administradores e de informação da Assembléia Geral, que poderá desempenhar papel da maior significação na defesa da companhia e dos acionistas ao acompanhar, efetivamente, a ação dos administradores, submetendo seus atos a apreciação critica, para verificar o cumprimento de deveres legais e estatutários.

Para aumentar a eficiência do órgão, § 5º do artigo 163 da Lei 6.404 estabelece que, se a companhia não tiver auditores independentes, o conselho fiscal poderá, para melhor desempenho das suas funções, escolher contador ou firma de auditoria e fixar-lhes os honorários, dentro de níveis razoáveis, vigentes na praça e compatíveis com a dimensão econômica da companhia, os quais serão pagos por esta.

Entretanto, (i) o artigo 177 da Lei 6.404/76 estabelece que todas as companhias abertas devem contratar auditores independentes; e (ii) em 2007 a Lei 11.638 trouxe a obrigatoriedade da auditoria independente a todas as empresas de grande porte. Consequentemente, os auditores independentes, que examinam a prestação de contas dos administradores a serem submetidas a Assembleia dos Acionistas, são previamente contratados pela própria administração a ser auditada.

A contratação dos auditores independentes, pela própria administração cuja prestação de contas será auditada, gera inerente conflito de interesses entre o contratante (auditado) e o auditor (contratado).

Por outro lado, o parágrafo 4º do artigo 163 da Lei 6.404 prevê que a pedido de qualquer dos membros do Conselho Fiscal, os auditores independentes deverão prestar esclarecimentos ou informações e a apuração de fatos específicos, para aumentar a eficiência do órgão no desempenho de suas funções, além da redução do risco de conflito de interesses entre o auditor independente contratado e a administração da Companhia.

De forma a auxiliar o Conselho Fiscal no cumprimento de suas atribuições de verificar o cumprimento, pela administração, dos seus deveres legais e estatutários, trazendo maior eficiência do órgão no desempenho de suas funções, deveria o Conselho Fiscal:

a) ser o responsável pela escolha e contratação dos auditores independentes, mitigando o risco de conflito de interesses, anteriormente mencionado.
b) Ser o responsável pela aprovação do Plano da Auditoria interna, orçamento e acompanhamento de sua execução, para quem a Auditoria interna deve reportar o resultado dos trabalhos realizados, em relação ao Plano de Auditoria implementado.

Quando implementado Comitê de Auditoria na Companhia, o qual é um órgão de assessoramento vinculado diretamente ao conselho de administração, dentro de suas atribuições e de forma coordenada com o Conselho Fiscal, este poderia atuar:

a) Opinando, ao Conselho Fiscal, sobre a contratação e destituição do auditor independente, refletindo a posição da administração acerca do assunto;
b) Opinando, ao Conselho Fiscal, sobre o Plano da Auditoria interna a ser por este aprovado, refletindo a posição da administração acerca do assunto; e
c) Participando, representado pelo especialista em contabilidade societária, das reuniões do Conselho Fiscal em que estejam presentes os auditores independentes reportando o resultado dos seus trabalhos de revisões intermediárias e da auditoria anual. Ao menos uma reunião do Conselho Fiscal com os auditores independentes deve ser privativa, sem a participação de representantes da administração, incluindo os Comitês de Assessoramento do Conselho de Administração, sempre que forem discutidos aspectos relacionados com o Planejamento e Escopo dos trabalhos de Auditoria.

A Instrução CVM 509 de 16 de novembro de 2011 estabelece, primariamente, que o Comitê de Auditoria é um órgão de assessoramento vinculado diretamente ao conselho de administração e a Lei 6.404/76 estabelece, primariamente, que o Conselho Fiscal é um órgão de fiscalização da administração (cujo conselho de Administração é seu órgão máximo), reportando diretamente a Assembleia Geral de Acionistas. Dessa forma, não há conflito na atuação entre esses distintos órgãos.

Ressalta-se, ainda, que o § 6º do artigo 163 da Lei 6.404/76 estabelece que o conselho fiscal deverá fornecer ao acionista, ou grupo de acionistas que representem, no mínimo 5% (cinco por cento) do capital social, sempre que solicitadas, informações sobre matérias de sua competência, dando maior transparência, aos acionistas minoritários, sobre o processo de fiscalização. O Comitê de Auditoria não reporta aos acionistas, devendo apenas seu coordenador estar presente à Assembleia Ordinária dos Acionistas para responder a questões que eventualmente lhe forem dirigidas, sobre assuntos de sua competência.

O fortalecimento do Conselho Fiscal para que exerça suas atribuições fiscalizadoras, quando instalado, traria maior transparência aos acionistas não controladores, contribuindo para que o funcionamento do órgão deixe de receber críticas como sendo um órgão que quase sempre se reduz a formalismo vazio de qualquer significação prática. Essas críticas já lhe eram feitas e constam da exposição de motivos da Lei 6.404/76, mencionando que também, naquela época, haviam propostas para sua extinção.

Neste sentido, ressalto que o Projeto de Lei n. 249 de 2020, que “institui o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador”, de autoria do Poder Executivo e aprovado com 361 votos favoráveis no Plenário da Câmara dos Deputados, prevê a inclusão, na Lei 6.404, do artigo 294-A, segundo o qual a Comissão de Valores Mobiliários regulamentará as condições facilitadas para o acesso de companhias de menor porte (aquela que aufira receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões) ao mercado de capitais e será permitido dispensar ou modular a observância ao disposto:

I - no § 2º do art. 138, quanto à obrigatoriedade de haver conselho de administração nas companhias abertas; e
II - no art. 161, quanto à obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal a pedido de acionistas.

O Conselho Fiscal necessita receber, neste momento, suporte para que tenha condições de executar as suas atividades e cumprir com suas responsabilidades. Para tanto, requer alteração na Legislação Societária Brasileira. Entendo que, passados 35 anos do início de vigência da Lei 6.404/76, cumpre-nos reavaliar e revisar seus termos, para assegurar que os objetivos previstos pelo Legislador continuem sendo atendidos, prezando pela manutenção de um ambiente de maior transparência entre os atos dos administradores, eleitos pelos acionistas majoritários, e os acionistas não controladores.

Clóvis Pereira
é Contador, Auditor com experiência de 31 anos atuando em Big4, Conselheiro Fiscal certificado pelo IBGC e membro de Conselhos Fiscais de Companhias Abertas - Novo Mercado. Coordenador de Comitês de Auditoria de Companhias Abertas - Novo Mercado. Associado ao IBGC e ao IBRACON, onde atua em Comissões e Grupos de Trabalho.
clovis.a.pereira@gmail.com


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