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SELEÇÃO DA ALTA ADMINISTRAÇÃO DAS ESTATAIS AINDA PRECISA AVANÇAR

Empresas carecem de mais transparência sobre suas políticas de indicação e de garantir o funcionamento efetivo dos comitês de elegibilidade e dos processos de avaliação.

As estatais possuem várias particularidades em relação às empresas privadas, como a necessidade de executar políticas públicas e a atuação próxima do Estado, seu acionista controlador. Essas peculiaridades fazem com que a composição dos cargos da alta administração das estatais mereça tanta ou mais atenção do que nas demais companhias.

Não por outra razão, o tema foi tratado pela Lei das Estatais (Lei 13.303/16), que visou evitar a ingerência político-partidária no preenchimento desses cargos. A lei trouxe importantes avanços no processo de indicação e avaliação dos administradores (conselheiros de administração e diretores) e de conselheiros fiscais.

No entanto, passados mais de três anos após o período de adaptação à lei (que terminou em 30/06/2018), muitas das inovações referentes à indicação de conselheiros e diretores de estatais ainda carecem de plena implementação, conforme mostrou a recém-divulgada pesquisa Governança Corporativa em Empresas Estatais Brasileiras, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

A divulgação das políticas de indicação e a sua observância pelos comitês de elegibilidade ainda precisam virar realidade. A lei determinou que as companhias com receita operacional bruta superior a R$ 90 milhões por ano contem com uma política de indicação que especifique as capacitações necessárias ao exercício das funções dos administradores e dos conselheiros fiscais. A política pode também conter vedações e os trâmites para o processo de admissão. Além disso, há a previsão de essas companhias contarem com um comitê estatutário (geralmente chamado de comitê de elegibilidade) para verificar o cumprimento da política e a adequação do processo de contratação dos administradores e conselheiros fiscais.

A pesquisa do IBGC mostrou que o comitê foi constituído em 80,9% das estatais obrigadas a contar com o órgão (e em 50,8% da amostra completa). Esses percentuais levam em consideração as empresas que divulgaram, em seus websites, a existência de comitês (é possível que algumas contem com eles, mas não tenham informado). Apesar de a presença do comitê ter sido informada em 80,9% das estatais para as quais ele é compulsório, e curiosamente, a política de indicação, que deveria orientar o trabalho do comitê de elegibilidade, foi identificada em apenas 30% das empresas que deveriam tê-la instituído (percentual que cai para 15,9% quando se leva em conta a amostra completa).

O fato de mais empresas aparentemente contarem com o comitê do que com a política levanta uma questão: com base em quais critérios esses comitês estão analisando a adequação da contratação dos administradores, uma vez que talvez não disponham de uma política para balizar a admissão dos altos cargos em suas organizações? E, ainda, qual vem sendo a efetividade desses comitês?

Existe o risco de que os comitês de elegibilidade estejam cumprimento apenas formalmente seu papel (e não em sua essência), o que poderia explicar parcialmente o percentual ainda pequeno de conselheiros independentes nas estatais – apenas 9,7% dos membros de conselhos eram assim considerados, levando-se em conta a amostra completa. As empresas com receita operacional bruta superior a R$ 90 milhões devem contar com 25% dos conselheiros independentes, mas a pesquisa verificou que, dentre estas, eles correspondem a 15,7% (de acordo com as informações publicamente disponíveis).

Outro ponto passível de aprimoramento com relação à alta administração das estatais diz respeito aos processos de avaliação dos conselhos de administração, também obrigatórios para as empresas com receita operacional bruta superior a R$ 90 milhões. A lei prevê que o desempenho dos administradores e dos membros de comitês seja avaliado anualmente, de forma individual e também como colegiado.

A prática da avaliação foi identificada em 81,8% das empresas obrigadas por lei a contar com o procedimento, sendo que 100% das estatais federais apresentaram algum indício de realizá-la. Considerando toda a amostra (que inclui também companhias com receita inferior a R$ 90 milhões), a adesão à prática foi de 58,7%, de acordo com a já citada pesquisa.

Além da adesão incompleta à avaliação, as empresas não fecham o ciclo completamente. O ideal é que o processo de avaliação sirva de subsídio para iniciativas posteriores, de forma a suprir as lacunas de competências identificadas – exemplos são os programas de educação continuada e planejamento de sucessão, assim como o subsídio às decisões relativas à recondução de conselheiros e da diretoria.

Para que esse ciclo se complete, é necessário que os resultados das avaliações sejam informados ao comitê de elegibilidade, à entidade proprietária ou instância de coordenação do Estado, além de publicado no relatório anual da empresa. Mas não é o que acontece na maior parte das estatais, que não compartilham a avaliação com o controlador ou com o comitê, conforme levantado pela pesquisa durante as entrevistas com agentes de governança das estatais.

Dado o importante papel que a alta administração desempenha nas empresas, é importante que as estatais implementem políticas de indicação (ou as divulguem caso já as possuam), garantam o funcionamento efetivo dos comitês de elegibilidade e utilizem ferramentas como a avaliação para aprimorar sua governança. Apesar de todos os avanços nas estatais nos últimos anos, ainda há bastante a ser feito. E a adequada seleção dos administradores permanece como um ponto crucial para a boa governança dessas empresas.

Luiz Martha
é gerente de Pesquisa e Conteúdo do (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
comunicacao@ibgc.org.br


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