Assembleias de Acionistas

O PALCO É SEU! COMEÇA A TEMPORADA BRASILEIRA DE ASSEMBLEIAS DE ACIONISTAS

A pandemia de coronavírus impactou violentamente as estruturas e práticas dos sistemas de governança corporativa mundial, trazendo instabilidade ao ambiente de negócios. Acelerou tomadas de decisão, impulsionou mudanças e colocou à prova a habilidade das companhias se adaptarem às novas tecnologias.

Consideramos o aumento da propriedade institucional uma das mais significativas mudanças em andamento na estrutura de propriedade das empresas listadas nas bolsas de valores do mundo.

Segundo o Factbook de Governança Corporativa da OCDE 2021, os investidores institucionais detêm 43% da capitalização do mercado mundial, seguido de empresas privadas, com 11%; o setor público, com 10%, e indivíduos estratégicos, com 9%. Os 27% restantes são detidos por acionistas que não atingem o limite para a divulgação obrigatória de seus registros de propriedade e investidores de varejo, pois não são obrigados a fazê-lo.

A importância das diferentes categorias de investidores depende e varia de acordo com os modelos de governança efetivamente praticados. Os investidores institucionais representam a maior categoria nos modelos de governança anglo-saxão, japonês e latino europeu. No modelo chinês, o poder público representa a categoria de maior investidor, detendo quase 30% de todas as ações do país. Empresas asiáticas cotadas em bolsa detêm uma parte significativa de suas ações detidas por outras empresas.

A mudança de cenário, incluindo maior ativismo por parte dos acionistas, fez com que companhias e órgãos reguladores repensassem o modelo das assembleias gerais ordinárias (AGOs) e assembleias gerais extraordinárias (AGEs), permitindo a realização de assembleias e reuniões de conselho em formatos diferentes do presencial.

As assembleias gerais passaram a ter que garantir não só a presença física dos participantes, mas a interação ao vivo entre diretores e conselheiros, assim como dispositivos e estruturas para participação virtual e votação eletrônica. Formatos híbridos, participação presencial e virtual em curto espaço de tempo passaram a ser não só permitidos como também incentivados.

Novos procedimentos e regulamentos tiveram que ser criados, exigindo transparência na escolha do formato definido para cada assembleia ou reunião. O formato somente de áudio não foi e continua não sendo recomendado.

As tecnologias escolhidas foram colocadas em xeque, pois devem suportar as reuniões virtuais permitindo não só o acesso democrático a todos os participantes, mas também facilitar o diálogo aberto dos acionistas ou seus procuradores com a administração, expressando suas preocupações e fornecendo feedback sem censura.

Alguns novos requisitos e procedimentos passaram a ser necessários, desafiando o senso de urgência dos órgãos reguladores e empresas, principalmente na geração de evidências e documentação que comprovem que os direitos de todos os acionistas foram respeitados. A neutralidade assumida por parte dos reguladores trouxe não só certa liberdade às empresas, mas também responsabilidades e riscos, porque a documentação é imprescindível para a companhia provar a efetividade e confiabilidade do sistema utilizado.

Todo processo das assembleias ‒ desde a divulgação do calendário de eventos corporativos, convocação da reunião, republicação do boletim de voto a distância (quando for o caso), instalação do evento até a divulgação e confirmação dos votos ‒ foi totalmente impactado, criando novos requisitos legais que precisam ser levados em consideração para se garantir a legalidade e validade das assembleias gerais.

Tanto a OCDE quanto o IGCN em seus relatórios de acompanhamento do mercado de 2021 não só pontuaram a importância desses requisitos como também pesquisaram a adaptação das empresas a eles. Sintetizaremos a seguir o que consideramos mais relevante do levantamento dessas organizações, cujos itens mais pontuados foram: a notificação das assembleias gerais e informações fornecidas aos acionistas; certificação da identidade do acionista; possibilidade de manifestação aos participantes e de comunicação entre si; garantia de visualização, circulação e apresentação de documentos; autenticidade e segurança das comunicações, manifestações de votos; registro de presença dos acionistas; sistema de votação eficiente e documentado; gravação integral da reunião e estrutura adequada e suporte técnico em tempo real a todos os participantes.

1. Notificação das assembleias e informações fornecidas aos acionistas:
a. a fim de garantir que os acionistas possam receber todas as informações necessárias com tempo suficiente para reflexão e consulta, é estipulado o período mínimo de aviso prévio para essa convocação e envio de documentos. Em 2021, de acordo com 2021 Factbook OECD, 54% das jurisdições pesquisadas estabeleceram um período mínimo de aviso prévio de 15 a 21 dias, enquanto outros 36% exigiram períodos maiores. A ICGN estipula um período mínimo de 30 dias antes de suas assembleias;
b. o formato (presencial, híbrido, meio eletrônico ou por procuração) e os procedimentos (inscrição, acesso, participação, identificação do participante, opções de voto e abordagens que possam se fazer necessárias) devem ser igualmente divulgados, respeitando o mesmo aviso prévio da convocação;
c. ressaltamos as questões relevantes de segurança cibernética e identidade. É mandatório assegurar que os participantes e votantes sejam realmente os de direito e que os sistemas sejam protegidos contra fraudes e ameaças de manipulação de dados, votações ou gravações.

2. Direito dos acionistas de solicitar reuniões prévias e de colocar itens na ordem do dia das assembleias.
a. como parte de seus direitos fundamentais, os acionistas podem solicitar a convocação de reuniões prévias e a inclusão de itens específicos de seus interesses na ordem do dia da assembleia;
b. oitenta e quatro por cento das jurisdições levantadas pela OCDE 2021, estipularam prazos específicos para que se possa atender a esse direito. O período mínimo mais comum foi de 31 a 60 dias para solicitação dessas reuniões. A inclusão de itens na ordem do dia das assembleias é menos comum e depende da legislação e do percentual de participação do acionista. De forma geral, é permitido esse pleito ao acionista com um mínimo de 5% na participação acionária. Mas existem flexibilizações para que esse percentual seja reduzido.

3. Voto do acionista.
a. componente-chave dos direitos dos acionistas que, além de participar das assembleias, devem exercer o seu direito de votar. Diferentemente do que ocorre nas sociedades limitadas, em que as deliberações são tomadas segundo o valor das quotas de cada acionista, as sociedades por ações são regidas pelo princípio geral e da boa governança corporativa do “one share, one vote”. Essa máxima estabelece que cada ação ordinária corresponde a um voto nas deliberações da assembleia geral.

No entanto, os legisladores, de forma análoga ao que já ocorre em todas as jurisdições, podem optar por estabelecer algumas exceções em relação a tal princípio. Votação majoritária, processo de voto múltiplo, em separado e plural são alguns exemplos.

Votação Majoritária: Os acionistas escolhem, por lista ou por chapa em quem desejam votar. Se é submetida uma lista, a votação ocorre de forma individual, por cabeça, e os acionistas utilizam todas as suas ações na disputa de cada assento. Se é submetida uma ou mais chapas, ocorre o mesmo, e invariavelmente o acionista controlador ou grupo de acionistas de aglutinam a maior posição na eleição elegem todos os seus candidatos, ou a sua chapa.

Voto Múltiplo: Por esse sistema, cada ação passa a ter direito não mais a um único voto, mas sim a quanto for o número de vagas a serem preenchidas no conselho de administração. O acionista pode cumular os votos em um único candidato ou distribuí-los entre vários. Esse sistema tem como finalidade dar representatividade aos acionistas minoritários no conselho de administração. O requerimento do voto múltiplo no Brasil, contudo, não pode ser feito no momento de realização da assembleia, devendo ser solicitado até 48 horas antes do evento.

Importante destacar que quando o conselho de administração é eleito por meio da sistemática desse mecanismo, a destituição de qualquer um dos seus membros resultará na destituição de todos os seus demais integrantes, devendo a assembleia geral eleger novamente todos os conselheiros.

Voto em Separado: A votação em separado, de forma diferente do que acontece no sistema de voto múltiplo, não é uma prerrogativa exclusiva dos acionistas detentores de ações com direito a voto. Nesse caso, os acionistas de companhias abertas detentores de ações preferenciais que representem, no mínimo, 10% do capital social total da companhia, ou de ações ordinárias que representem pelo menos 10% do capital votante terão o direito de eleger em separado um membro e seu suplente do conselho de administração. Nesse procedimento, os minoritários podem se reunir durante a assembleia para eleger os conselheiros, e o acionista controlador não participa da votação. Os acionistas que optarem pela faculdade do voto múltiplo não poderão participar do processo de votação em separado, ou vice-versa.

Voto Plural: Instituído recentemente na legislação brasileira pela Lei 14.195/21, o voto plural confere a uma ou mais classes de ações ordinárias o direito a múltiplos votos nas assembleias gerais. Em virtude desse sistema, determinados acionistas poderiam manter o controle, ainda que não detenham a maioria do capital social. De acordo com a legislação atual, a atribuição do voto plural a uma classe de ações não poderá ser superior a dez votos por ação ordinária. No caso das S.A. de capital aberto, a criação do mecanismo deve ocorrer antes da abertura de seu capital. Importante ressaltar que, quando a lei indicar quóruns de deliberação baseados em percentual de ações ou capital social, sem menção ao número de votos conferidos pelas ações, o cálculo deverá desconsiderar a pluralidade de voto.

A menos que o estatuto social da companhia exija quórum superior, a instituição do mecanismo depende da aprovação de pelo menos metade do total de votos conferidos pelas ações com direito a voto e de no mínimo metade das ações preferenciais sem direito a voto ou com restrições. Os acionistas que não concordarem com a criação de referida classe de ações terão o direito de se retirarem da companhia.

Além dos mecanismos acima explanados, continua a possibilidade de estabelecimento de outros tipos de voto por meio da celebração de um acordo de acionistas. Alguns exemplos são o voto em bloco, a golden share e o voto qualificado.

O voto em bloco é um procedimento no qual é possível unificar o voto de acionistas de um determinado grupo. Assim, estabelecem-se quóruns de aprovação dentro daquele bloco. A decisão tomada no âmbito do grupo — normalmente, por meio de uma reunião prévia — vincula todos os seus integrantes, mesmo os dissidentes e ausentes na assembleia geral da companhia.

A golden share, por sua vez, permite que o seu detentor retenha o poder especial de veto, mesmo que não seja titular da maioria do capital social da companhia. Ela é utilizada principalmente pelo poder público, quando o Estado é detentor de participação acionária em determinada companhia, e foi muito utilizada nos processos de privatização da década de 1990.

Outro mecanismo possível de se estabelecer no acordo de acionistas ‒ bem como no estatuto social da companhia ‒ é o voto qualificado. Nele, ficam determinados quóruns de aprovação superiores àqueles estabelecidos na legislação. Temos ainda:

Voto Negativo: O mecanismo estabelece que os acionistas votem nos membros que queiram eleger, atribuindo-lhes voto favorável, bem como nos candidatos que não desejam que sejam eleitos, conferindo-lhes o chamado voto negativo. Assim, os conselheiros de maior número de votos positivos serão eleitos e, em caso de empate, o de menor número de votos negativos. Polêmico do ponto de vista da boa governança, porque os acionistas controladores podem votar de forma favorável aos seus candidatos e vetar a eleição de candidatos dos minoritários. Essa modalidade foi afastada das eleições em companhias abertas brasileiras em 2015 e novamente em 2021 por interpretação da Superintendência de Relações com Empresas (SEP0) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Voto a Distância: Concede ao acionista o direito de votar, remotamente, mediante envio do Boletim de Voto a Distância (BVD) para a companhia ou via escriturador. Não se pode confundir o voto a distância com a assembleia virtual. O Voto a distância é uma faculdade do acionista, se assim optar, deverá preencher o BVD e enviá-lo dias antes da assembleia. Este BDV contém instrução sobre o exercício do direito do voto, participação na assembleia e a ordem do dia da assembleia em questão. Esse boletim não substitui o sistema eletrônico de participação de voto, pois se trata de um mecanismo de votação que pode ser utilizado inclusive em assembleias presenciais.

Os emissores de American Depositary Receipt (ADR) conferem aos detentores o direito de exercer voto nas assembleias através do Proxy-Card, que é uma cédula de voto eletrônica elaborada pelo depositário que, após sua consolidação, apresenta à companhia através de procurador, que comparece na assembleia representando todos os ADRs e registrando os votos que foram proferidos.

Existe um limbo jurídico na competência da CVM em relação aos programas de ADR, pois os mesmos não estão sujeitos aos requisitos da Instrução CVM 481/09, que regula o BVD. Nesse sentido, não pode ser exigido, por exemplo, que os acionistas comprovem a titularidade ininterrupta da participação acionária ali exigida durante o período de 3 (três) meses, no mínimo, imediatamente anterior à realização da assembleia-geral.

As companhias devem tanto divulgar as instruções de voto para a assembleia, definindo uma data limite para a participação dos acionistas, ao mesmo tempo devem garantir a precisão do rastreamento e conciliação de votos recebidos antes da reunião com qualquer votação feita durante a própria AGO/AGE/AGOE.

O resultado da votação, as instruções de voto, relatadas separadamente a favor, contra ou abstenção, assim como o total para cada resolução, devem ser publicados imediatamente após a reunião no site da companhia.

As companhias devem confirmar aos acionistas a validade, o registro e metodologia de contagem de voto.

Como o órgão soberano de uma companhia, é na assembleia de acionista que o tabuleiro do jogo corporativo é armado e os atores são escolhidos. Depois desse momento é seguir o jogo de acordo com as boas práticas.

A temporada de assembleias brasileira de 2021 foi marcada por problemas nos sistemas de votação, destacando-se divergência sobre a remuneração de executivos e intervencionismo do governo.

Acompanhamos as discussões sobre os seguintes problemas:

1. Na CSN não houve transparência na apuração do percentual para instalação da eleição em separado para membros do CA. Aparentemente, a companhia desconsiderou os votos recebidos via PROXY CARD por falta de comprovação da titularidade por 90 dias. O mesmo ocorreu na Braskem;

2. Na Klabin, em 2020, a candidata dos minoritários indicada para concorrer pelo processo de voto múltiplo não foi incluída no BVD, o que inviabilizou a sua eleição, uma vez que os acionistas institucionais estrangeiros só exercem voto através desse formato. Já em 2021, a companhia deturpou o sistema de voto múltiplo ao inovar criando a disputa entre a “Chapa 1”, indicada pelo acionista controlador, e a “Chapa 2”, em que o controlador retirou um de seus 12 candidatos e inseriu a candidata indicada por acionistas minoritários. Na verdade, o que acabou ocorrendo foi uma votação majoritária entre a Chapa 1 contra a Chapa 2 e, obviamente, o acionista controlador, que detém mais de 50% do capital votante, definiu o resultado da eleição (algo que entendemos, além de irregular, ser ilegal);

3. Na Vale, em 2021, não foi seguida a mesma ordem dos 16 candidatos que concorreram pelo processo de voto múltiplo no BVD e no PROXY CARD, mas as consultorias de recomendação de voto utilizam a ordem do BVD. Assim, como ocorreu a inversão dos 15º e 16º candidatos, a instrução de voto para os ADRs foi equivocada, levando a erro a grande maioria dos investidores institucionais estrangeiros, que se orientam pelas consultorias de voto para definir as suas instruções de voto;

4. Na Petrobras, em 2020, equivocadamente, a presidência da mesa permitiu a eleição de um conselheiro pela eleição em separado, prevista no art. 239 da LSA, e outro candidato indicado por acionistas minoritários através do processo de voto múltiplo, contrariando o próprio 239. Isso acabou esterilizando 10% das ações com direito a voto para as eleições pelo voto múltiplo ocorridas em abril e agosto de 2021, e foi, possivelmente, a principal razão para que os minoritários não lograssem êxito na sua tentativa de eleger um segundo conselheiro pelo voto múltiplo.

Mas o principal motivo do insucesso do movimento dos acionistas minoritários da Petrobras na busca pelo aumento da sua representatividade em 2021 foi o fato de o Presidente da Assembleia realizar a eleição em rodadas múltiplas, e não somente em uma única rodada, em que os oito candidatos mais votados seriam declarados eleitos. No caso concreto, em agosto de 2021, foram 11 candidatos disputando 8 assentos, e em primeira rodada, as 7ª e 8ª vagas ficaram para dois dos três candidatos indicados pelos acionistas minoritários. Mas o presidente da assembleia decidiu fazer nova rodada, colocando em disputa apenas esses dois assentos, e o acionista controlador retirou votos do 9º candidato mais votado e transferiu para o 11º colocado, o que lhe levou a 8ª posição.

Esses problemas demonstram o quanto ainda temos a caminhar em relação às boas práticas mundiais. Acreditamos que a cada temporada de assembleias de acionistas o mercado brasileiro crescerá tanto em na questão da legalidade quanto na questão da legitimidade.

Estaremos acompanhando, participando e nos posicionando no mercado brasileiro como conselheiros independentes na defesa das melhores práticas de governança corporativa.

Segue o jogo!

Marcelo Gasparino da Silva
é Advogado e Especialista em Administração Tributária Empresarial. Atua como Conselheiro de administração independente em companhias abertas, com mais de 30 mandatos, sendo 6 anos como Presidente de Conselho de Administração. É Presidente do Conselho de Administração da ETERNIT desde 2017; Conselheiro de Administração VALE desde 2020, da CEMIG desde 2016 e da PETROBRAS desde 2021. É Coordenador do Comitê de Sustentabilidade da VALE. É membro do Comitê de Finanças e Estratégia da CEMIG, Coordenador do Comitê de Geração Fotovoltaica da ETERNIT. É membro dos comitês de Investimentos, de Auditoria e de Representantes de Minoritários da Petrobras.
marcelo@gaspa.com.br

Adriana de Andrade Sole
é Engenheira Eletricista. Conselheira de Administração da SCGAS, Editora Fórum, Conselheira Fiscal Suplente da Vale e recertificada pelo IBGC. Pesquisadora da Fundação Gorceix de Ouro Preto, Autora, Professora, Consultora de Governança Corporativa, Agenda ESG, Gestão de Ativos.
adrianasole2021@gmail.com


Continua...