É inegável que quase todas as empresas hoje entendem que a sustentabilidade deve ser essencial para sua estratégia e processo de alocação de capital, mas muitas vezes elas ficam confusas sobre a melhor forma de relatar o progresso ESG de uma maneira que seja crível para os acionistas e outras partes interessadas.
Imagine um mundo onde cada empresa tivesse que decidir por si mesma como medir, digamos, receitas ou depreciar seus ativos, ou escolher entre três ou quatro formas alternativas de fazê-lo sugeridas por ONGs. Essa é a situação em que as empresas vivem atualmente quando se trata de sustentabilidade.
Como vocês sabem, o mundo dos relatórios de sustentabilidade é uma infinidade de nomes e estruturas. Apenas para citar alguns dos mais conhecidos: o Climate Disclosure Standards Board - CDSB, o Global Reporting Initiative - GRI, o International Integrated Reporting Council - IIRC, o Sustainability Accounting Standards Board -SASB, e a Task Force on Climate-related Financial Disclosures - TCFD.
Cá para nós, a contabilidade ESG está uma bagunça e você já deve ter notado que iniciativas concorrentes significam que não há um conjunto uniforme de padrões para medir o progresso de uma empresa em sustentabilidade. Mas corra, corra que o Padrão Universal está chegando! Estamos muito próximos desse conjunto uniforme de padrões para medição e de relatórios, assim como temos para o desempenho financeiro.
E essa é a boa notícia que trago para vocês nesse artigo: surgiu um precursor que está produzindo uma única fonte de verdade dos relatórios ESG que é o International Sustainability Standards Board - ISSB. O ISSB fará para relatórios de sustentabilidade o que o International Accounting Standards Board - IASB faz para relatórios financeiros: desenvolver padrões para as empresas relatarem seu desempenho de sustentabilidade aos investidores.
Criado em novembro na cúpula da COP 26, o ISSB fornecerá uma “linha de base global” para relatórios de sustentabilidade de alta qualidade que apoiarão o trabalho que está sendo feito nos EUA pela Securities and Exchange Commission - SEC e pela União Europeia UE - CSRD “Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa.
O ISSB está focado na “Materialidade Única” ou nas informações ESG que impulsionam a avaliação e são relevantes para os investidores. Este também é o foco da SEC e, portanto, os mandatos são consistentes. Em contraste, a CSRD tem um mandato mais amplo de “Dupla Materialidade”, o que significa que cobrirá informações de interesse das partes interessadas, mesmo que não sejam de interesse dos investidores.
Ligando os dois está o conceito de “Materialidade Dinâmica” - questões ESG com as quais os investidores não se importam hoje podem se tornar aquelas com as quais eles se importarão no futuro.
O resultado esperado é que o ISSB se torne um padrão global que integre o trabalho de todos os padrões e frameworks anteriores focados nas necessidades dos investidores. Brevemente a SEC e a UE poderão usar o padrão global único. A UE pode então “completar” esses padrões com aqueles que abrangem a dupla materialidade. Como a materialidade dinâmica torna isso relevante para os investidores, o ISSB pode assumir a responsabilidade pelo processo de definição de padrões.
Entretanto, a configuração do padrão global ainda pode demorar mais um ou dois anos. Lembremos que após a Grande Depressão, as instituições reguladoras levaram décadas para padronizar a contabilidade corporativa nos EUA e globalmente. No nosso caso, não dispomos de tanto tempo assim, precisamos nos mover rapidamente. As ameaças de um clima em mudança e pressões sociais maciças são urgentes.
Felizmente, não precisamos começar do zero, longe disso. A qualidade da divulgação de sustentabilidade vem melhorando constantemente nos últimos anos e a consolidação das estruturas da Value Reporting Foundation, da Climate Disclosure Standards Board e da TCFD forneceu desde o início ao ISSB pessoas altamente comprometidas e uma forte propriedade intelectual.
A comunidade corporativa também tem um papel fundamental a desempenhar para garantir o sucesso do ISSB - e é muito do seu interesse fazê-lo, pois os investidores estão exigindo cada vez mais informações sobre o desempenho de uma empresa em suas questões materiais de sustentabilidade, e, ao mesmo tempo, as empresas estão sendo cada vez mais acusadas de “greenwashing” em seus relatórios de sustentabilidade. Ter padrões aborda ambas as questões.
Mas ao mesmo tempo, as empresas têm uma preocupação legítima sobre qual será o custo na implementação desses padrões. Observemos que a definição de padrões sempre envolve uma análise de custo/benefício. Desde a sua criação, o IASB fez da análise de custo/benefício um elemento central de seu processo de definição de padrões e essa experiência será útil para o ISSB. O ISSB também poderá se beneficiar da experiência do SASB, uma vez que uma análise de custo/benefício foi parte integrante de seu trabalho.
Há um outro grande desafio que as empresas devem enfrentar. Até o momento, duas conversas estão acontecendo entre as empresas e seus investidores e outras partes interessadas. Uma é sobre seu desempenho financeiro, e esta é uma conversa entre o CEO, CFO e relações com investidores com gestores de portfólio. A outra é sobre seu desempenho em sustentabilidade, e esta é uma conversa entre a função de sustentabilidade da empresa e a função de sustentabilidade e gestão no investidor.
Essas duas conversas já estão começando a convergir e devem se tornar uma. O pessoal de finanças e sustentabilidade nas empresas e investidores devem se tornar bilíngue.
Nas empresas, as funções de finanças e sustentabilidade precisam ser capazes de explicar os investimentos em sustentabilidade e suas contribuições para o desempenho financeiro. Do lado dos investidores, os gestores de portfólio precisam entender questões materiais de sustentabilidade, e a equipe de sustentabilidade precisa colocar suas discussões no contexto do desempenho financeiro.
Mas por que muitos profissionais de finanças e de sustentabilidade ainda não vêem a conexão dos diversos padrões em um só?
Em primeiro lugar, eles ficam surpresos com a linguagem e as métricas usadas diferentemente por ambas as funções. As empresas falam sobre EBIT e ROI; as pessoas da sustentabilidade se concentram em medidas como a redução de efluentes ou emissões. O relato separado de sustentabilidade e métricas financeiras, tanto interna quanto externamente, agrava o problema. Há pouca conexão clara entre os dois mundos sob as atuais estruturas de gerenciamento, relatórios e contabilidade.
Em segundo lugar, poucas empresas rastreiam adequadamente os retornos sobre seus investimentos em sustentabilidade existentes ou avaliam cuidadosamente aqueles sobre os futuros investimentos. Entre os motivos dessa omissão estão a falta de comunicação entre os responsáveis pelas ações de sustentabilidade nas diversas unidades; a dificuldade de mensurar benefícios intangíveis; a disponibilidade limitada de sistemas de contabilidade projetados para capturar dados de desempenho de sustentabilidade; o uso, quando os retornos são medidos, de diferentes métricas por unidades diferentes; e a crença da função de finanças de que os benefícios monetários das atividades de sustentabilidade não são suficientes para garantir o seu rastreamento.
Mas, à medida que os vínculos entre sustentabilidade e desempenho econômico se tornam mais claros, aumentará a pressão de investidores, conselhos e liderança executiva para rastrear e relatar as recompensas, e haverá uma defasagem inevitável entre o momento em que as normas são publicadas e o país em que a empresa está sediada as torna obrigatórias, se for o caso, mas aqueles que esperam provavelmente serão os que perdem. À medida que algumas empresas adotam rapidamente os padrões do ISSB, a pressão dos investidores aumentará para que outros sigam o exemplo, para que possam comparar o desempenho das empresas e fazer suas análises.
A falta de relatório não dará a uma empresa o benefício da dúvida. Em vez disso, os investidores provavelmente assumirão o pior em possível detrimento do preço das ações da empresa.
Entretanto, nos nossos trabalhos com ESG de Verdade, identificamos nove impulsionadores do desempenho corporativo que se concentram em tornar explícitos os links entre finanças e sustentabilidade e fornece as ferramentas de que as empresas precisam para monitorar e melhorar o retorno de seus investimentos em sustentabilidade: inovação, eficiência operacional, vendas e marketing, fidelidade do cliente, gestão de risco, relações com empregados, relações com fornecedores, cobertura da mídia e engajamento de partes interessadas.
Fazemos isso com drivers de fatores mediadores, afinal, uma boa gestão de qualquer tipo pode sempre melhorar e uma boa gestão de riscos e oportunidades de sustentabilidade é uma das formas mais poderosas de fazê-lo, observando-se que os padrões não objetivam questões exclusivas, como emissões de carbono ou diversidade, equidade e inclusão DEI. Em vez disso, eles fornecem informações confiáveis sobre os relatórios feitos por uma empresa sobre seu progresso em alcançar quaisquer metas ESG que ela decida estabelecer.
Rochana Grossi Freire
é managing director RP Risk Management; alternate Supervisory Board Eternit; fundadora dos cursos ESG de Verdade; e fundadora do Movimento Conselhos de Conselheiras.
rochanagrossifreire@gmail.com