ESG: uma partitura que demanda tempo
Nesta edição, damos continuidade ao projeto ESG: uma partitura que está sendo escrita, que abrange 12 entrevistas com conselheiras de administração altamente qualificadas e com grande experiência em temas como governança, gestão, sustentabilidade, ESG, inovação, tecnologia, transformação e outros muito relevantes.
Nossa segunda entrevistada é Cátia Tokoro, engenheira eletricista formada pela PUC-RJ, cujo histórico profissional chama a atenção pela grande diversidade de experiências: ela tem atuado como conselheira, coordenadora de comitê de sustentabilidade, investidora anjo e professora de governança corporativa, tendo sido executiva por 25 anos. Convidamos os nossos leitores a conhecer a conselheira e seu pensamento, profundo e muito didático, acompanhando sua entrevista.
Cátia Tokoro integra o conselho de administração das empresas SulAmérica (onde também coordena o Comitê de Sustentabilidade) e CHESF, bem como o conselho consultivo do Grupo Imagem e o conselho deliberativo do LivMundi.
Atuou na Oi durante 18 anos onde foi Líder da Unidade de Negócios B2B, atuou também na IBM, nas Unidades de Negócios Utilities e Remarketing. É investidora anjo e advisor de startups & scaleups. Cátia é instrutora em cursos de formação de conselheiros de administração e de governança de startups & scaleups no IBGC. No Instituto, integra as Comissões de Inovação e de Saúde e é uma das coordenadoras do Capítulo RJ. Coordena também o fórum de conselheiros do Chapter Zero Brazil.
A conselheira Cátia Tokoro é graduada em Engenharia Elétrica pela PUC-RJ, cursou o MBA Executivo no IBMEC e especializou-se em negócios em várias instituições: Harvard Business School, Singularity University, GoNew, Risk University KPMG, Competent Boards e IBGC. Possui formação em mediação pelo Instituto Mediare. Acompanhe a entrevista.
RI: Como a governança direciona as empresas e demais organizações a adotarem as melhores práticas ESG?
Cátia Tokoro: Primeiramente, é preciso trabalhar o letramento dos administradores, executivo(a)s e colaboradores das empresas e organizações na temática ESG. Conhecimento e, principalmente, autoconhecimento são fundamentais e gosto de lembrar que CNPJ´s são conjuntos de CPF´s. Falamos em B2B, B2C, B2B2C, mas as relações são sempre H2H (human to human). Na sequência, é necessário levantar dados, gerar informações e priorizar os temas que sejam mais materiais para as empresas e organizações em questão. Sejam temas mais associados ao E (environmental) e/ou ao S (social), mas sempre orquestrados pelo G (governance). Destas informações, surgem os possíveis insights, que nortearão transformações e planos de ação. E todo plano de ação contém metas e métricas. O(a)s executivo(a)s, assim como o conselho de administração, monitoram e supervisionam o desempenho deste plano, que deve ser retroalimentado e atualizado ao longo do tempo, motivado por novas necessidades, contextos, tecnologias, inovações, modelos de negócios, demandando constante letramento, reciclagem e retroalimentação deste ciclo virtuoso.
Lembro que o conselho pode ser assessorado por um comitê de sustentabilidade. E é recomendável que este comitê seja coordenado por um conselheiro, preferencialmente independente, que seja composto por outros membros do conselho, podendo contar também com a participação de membros externos, especialistas no tema (referências: GRI e curso IBGC). Sustentabilidade e ESG estão fundamentados em princípios éticos e devem estar totalmente integrados à estratégia do negócio. A governança surgiu para coordenar, para orquestrar diferentes interesses de públicos distintos, para lidar de forma mais inteligente com o contraditório. Quando esses interesses são orquestrados com harmonia e equilíbrio, atendemos os 3P’s da sustentabilidade: people, planet, profit; e gosto de acrescentar um 4oP: prosperity.
RI: O que a pandemia COVID agregou às discussões sobre sustentabilidade e ESG?
Cátia Tokoro: As discussões sobre sustentabilidade e ESG foram encorpadas por questões como saúde física e emocional das pessoas, mudanças climáticas, biodiversidade, gestão de riscos mais acurada, novos protocolos, novas práticas de trabalho, transformações digitais, novas tecnologias, inovações, dentre outras. Se a realidade das organizações já era pautada por riscos de governança e socioambientais, ao lado dos demais riscos inerentes aos negócios e suas operações, a pandemia ampliou consideravelmente o quadro de riscos, como o de segurança cibernética, privacidade de dados de forma holística, para citar alguns. Por outro lado, a resiliência estratégica, organizacional e operacional – agilidade, flexibilidade, transparência, acolhimento, foco na saúde e bem-estar dos colaboradores, cuidado, experiência, relacionamento e interatividade digital com clientes e parceiros, ajuste e adequação na cadeia de suprimentos – foram fatores críticos de sucesso nesse momento de pandemia. A forma como as empresas endereçam as questões ESG, tanto sob a ótica de mitigação de riscos, como de novas oportunidades, deve estar integrada à estratégia do negócio e é fundamental para a sustentabilidade no longo prazo e geração de valor para seus stakeholders (referência: Oito prioridades para os Conselhos de Administração em 2022, KPMG).
RI: A resposta anterior enfatiza a importância dos líderes nas mudanças organizacionais e sistêmicas. A sra. poderia dar exemplos concretos de ações que criam mudanças efetivas?
Cátia Tokoro: Muitas organizações precisaram migrar seus colaboradores para o modelo de trabalho remoto (aqueles que eram possíveis) em muito pouco tempo. Trabalho presencial era, para muitos, uma espécie de axioma. Proteger a saúde e segurança das pessoas não seria o mínimo a esperar? Sim, mas precisamos reconhecer que foi por meio da coordenação assertiva de muitas lideranças de negócios que as mudanças foram processadas com celeridade e cuidado. Esses líderes determinaram a velocidade das mudanças, deram o tom e souberam, em inúmeras situações, orquestrar o que precisava ser considerado e realizado, criando forte comprometimento e engajamento dos times. O banco de investimentos Goldman Sachs anunciou, no Fórum Econômico Mundial de Davos, em 2020, que não conduzirá mais processos de abertura de capital de empresas (IPOs) nos Estados Unidos e Europa, que não tenham pelo menos um membro diverso no conselho de administração. Em 2021, a Securities and Exchange Commission (SEC) aprovou uma proposta da Nasdaq para incentivar a diversidade nos conselhos, o Nasdaq’s Board Diversity Rule. Já que mencionei algumas iniciativas internacionais, eu gostaria de mencionar aqui três nacionais, que também fomentam a diversidade em conselhos: o Programa Diversidade em Conselhos (PDeC) apoiado pelas entidades Women Corporate Directors (WCD), International Finance Corporation (IFC), IBGC, B3 e Spencer Stuart, o Conselheiras 101 (C101) e o selo Women on Board (WOB), com apoio da ONU Mulheres. Outro exemplo que vimos foi o da coopetição, no qual empresas tradicionalmente concorrentes se reúnem para criar cooperação em projetos de interesse comum. Vimos Bradesco, Itaú Unibanco e Santander, os três maiores bancos privados do País, lançarem um plano conjunto para promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Colaboração é um tema cada vez mais presente na promoção de mudanças.
RI: Retornando uma vez mais à pandemia: a senhora poderia discorrer sobre medidas práticas que as empresas têm tomado para enfrentá-la, com foco em pessoas?
Cátia Tokoro: Primeiramente, eu diria que as inúmeras medidas adotadas por empresas para lidar com a COVID, enquadradas em tópicos como foco na saúde, em necessidades humanas e boa comunicação, podem ser resumidas em dois verbos: acolher e cuidar. Acolher e cuidar de pessoas: empregados, clientes, fornecedores e outros stakeholders. Eu gostaria de enfatizar que cuidar não é sinônimo de promover uma atitude passiva das pessoas, mas estimulá-las a aprender, a se envolver profundamente em sua própria evolução, a explorar suas potencialidades e fazer o melhor que puderem, onde quer estejam, e que sejam protagonistas de suas próprias vidas. Gosto de pensar que o mínimo que posso fazer é dar o meu máximo. Quanto às medidas adotadas propriamente ditas, elas têm sido diversas, como algumas citadas anteriormente: trabalho remoto onde possível, atenção à saúde física e emocional das pessoas, novos protocolos de saúde e segurança, revisão de processos, práticas de investimento social privado, dentre outras. E há que se destacar a comunicação e transparência, fundamentais na pandemia. A insegurança inicial foi sendo superada e o(a)s executivo(a)s aprimoraram e desenvolveram novas práticas de comunicação e gestão.
RI: Como uma empresa – ou outra organização – deve introduzir o tema ESG nas agendas dos conselhos de administração?
Cátia Tokoro: Tudo começa com o letramento e podemos pensar numa jornada evolutiva que deve considerar: aprendizado e entendimento, suporte e transversalidade, direcionamento estratégico. Lembrando que, (1) os fatores sociais, ambientais e de governança são um risco no nível do conselho; (2) o conselho deve fazer uma gestão de riscos holística; (3) é responsabilidade do conselho inserir as questões ESG na visão estratégica dos negócios; (4) a comunicação com as partes interessadas é fundamental para a transmissão do compromisso da empresa com a criação de valor no longo prazo; e, (5) é necessário ter uma visão integrada na definição de indicadores. Em resumo, melhores decisões serão tomadas se os fatores de sustentabilidade forem considerados de forma holística e profunda pelos conselhos. Neste sentido, como já comentado, um caminho possível é através da criação de um comitê de sustentabilidade – os comitês assessoram os conselhos com pareceres, opiniões, propostas e recomendações em seus temas de expertise. Este comitê deve ter como um dos objetivos, engajar a alta administração para a importância estratégica da agenda ESG para a longevidade dos negócios e é grande aliado para o maior entendimento do conselho sobre riscos emergentes não captados ou até subestimados pelas matrizes convencionais de avaliação. Esta mesma dinâmica se aplica a inovações e novas oportunidades de negócio. Como contribuições deste órgão, podemos citar: (1) o fomento ao pensamento mais integrado na companhia, corroborando decisões baseadas no equilíbrio de aspectos econômico-financeiros, socioambientais e de governança; (2) avaliação de assuntos ou drivers de maior tração na companhia, capazes de introduzir as variáveis de sustentabilidade à estratégia do negócio; (3) provocações como a criação e/ou atualização do propósito da empresa; (4) incentivos ao desenvolvimento de produtos e serviços mais sustentáveis, às parcerias com startups e inovação aberta, aos novos modelos de negócios; (5) suporte à emissão de títulos verdes, sociais e sustentáveis; (6) recomendação de metas relacionadas a aspectos ESG para os executivos, a partir da construção de indicadores de sustentabilidade; e, (7) discussões transversais com outros comitês, como de auditoria, de gestão de riscos, de capital humano, de comunicação e divulgação de resultados, por exemplo, contribuindo com o conselho em prol dos melhores interesses da companhia, da sociedade e do meio ambiente.
RI: Como a senhora percebe o contexto brasileiro e a sustentabilidade das empresas que aqui operam? O que podemos fazer como profissionais e como cidadã(o)s?
Cátia Tokoro: Independentemente do estágio de maturidade de cada organização com relação à sustentabilidade, relembro, que esta é uma jornada, uma construção que demanda tempo, de longo prazo e que precisa ser consistente e estar integrada à estratégia do negócio. Como profissionais, mas também cidadãos e cidadãs, gosto de pensar que podemos ser mais conscientes na forma como lidamos com nosso patrimônio, seja como pessoas físicas, seja como tomadores de decisões nas empresas em que atuamos ou servimos. Assim, aprecio reflexões como: 1) Reflita sobre o seu consumo. Como você se comporta como consumidor ou consumidora? Quais tipos de produtos e serviços você prioriza? Você consome mais do que precisa? 2) Reflita sobre seus investimentos. Como você investe a diferença entre o dinheiro que recebe e o que gasta com seu consumo (preferencialmente consciente)? Aliás, você se planeja para que tal diferença seja positiva, a fim de que consiga investir? Caso positivo, em que tipos de empresa você investe? e 3) Reflita sobre suas doações. O que você tem doado à sociedade? Recursos financeiros? Trabalho (seu tempo)? Em que e como poderia contribuir mais? Como transpor essas perguntas ao ambiente organizacional? Às pequenas, médias e grandes organizações? Convido os leitores da Revista RI a refletirem sobre as várias possibilidades, associando sempre a estratégia à execução. Peter Drucker, pensador da Administração respeitado por muitos líderes organizacionais ao redor do Planeta, afirmou que “a melhor maneira de predizer o futuro é inventá-lo”.
RI: Como professora e, portanto, formadora de opiniões, qual seria a sua mensagem aos brasileiros que ora começam a construir suas carreiras no mundo corporativo?
Cátia Tokoro: Invistam sempre no seu autoconhecimento e procurem ser lifelong learners. Gosto de lembrar a frase de Alvin Toffler: “o analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender”. Acredito na força do aprendizado sem estagnação ou preconceitos, e destaco que ele não advém apenas de cursos e treinamentos, mas de leituras, pesquisas, observação, conversas com pessoas diversas, abertura ao contraditório, mentorias, viagens. Já dizia Nelson Mandela: “eu nunca perco; ou eu ganho, ou aprendo”.
RI: Finalizando, a senhora poderia compartilhar com os leitores da Revista RI um momento altamente gratificante de sua profícua trajetória profissional?
Cátia Tokoro: Como executiva, à época responsável pela Diretoria de Serviços a Clientes B2B, participei de um processo de fusão entre duas grandes empresas. Estas empresas tinham muitos clientes em comum, mas tinham modelos distintos de negócios e gestão, de contratos e níveis de serviços, de produtos, equipes de atendimento e sistemas de informações. Orquestrar e administrar estas várias variáveis complexas num curto espaço de tempo foi desafiador. Muitas decisões eram delicadas, envolviam pessoas e havia a pressão de vários stakeholders. Alguns anos após esta experiência, posso afirmar que o aprendizado adquirido, especialmente sobre pessoas, é inesquecível e replicável. E retorno a algumas palavras já mencionadas: ética, transparência, confiança, comunicação, cuidado e acolhimento. Esta e outras experiências profissionais e de vida, me levam a uma frase de Abraham Lincoln: “no final, não são os anos de vida que contam. É a vida contida nesses anos”.
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NOTA: Links recomendados pela conselheira Cátia Tokoro citados na entrevista:
- Guia GRI sobre comitês de sustentabilidade: https://ibluezone.com/wp-content/uploads/2020/11/GRI-Guia-Comit%EF%BF%AF%EF%BE%BF%EF%BE%BD-de-Sustentabilidade-v6.pdf
- Curso IBGC sobre comitê de sustentabilidade: www.ibgc.org.br/cursos/comite-ESG
- Manifestação do banco de investimentos Goldman Sachs (Fórum Econômico Mundial): www.goldmansa-chs.com/our-commitments/diversity-and-inclusion/launch-with-gs/pages/commitment-to-diversity.html
- Proposta para incentivar a diversidade nos conselhos, da Nasdaq, aprovada pela SEC: www.sec.gov/news/public-statement/statement-nasdaq-diversity-080621
- Programa Diversidade em Conselhos (PDeC), apoiado por WCD, IFC, IBGC, B3 e Spencer Stuart: www.ibgc.org.br/advocacy/diversity e www.ibgc.org.br/blog/renovacao-conselhos-diversidade
- Programa Conselheiras 101 (C101): www.linkedin.com/company/conselheira101
- Women Corporate Directors (WCD): https://wcdbrasil.com.br/
- Selo Women on Board (WOB), apoiado pela ONU Mulheres: https://wobwomenonboard.com
Prioridade dos conselhos em 2022 – KPMG: https://home.kpmg/content/dam/kpmg/br/pdf/2022/2/AGENDA_CONSELHO_ADM_22.pdf
Cida Hess
é economista e contadora, especialista em finanças e estratégia, mestre em contábeis pela PUC SP, doutoranda pela UNIP/SP em Engenharia de Produção - e tem atuado como executiva e consultora de organizações.
cidahessparanhos@gmail.com
Mônica Brandão
é engenheira, especialista em finanças e estratégia, mestre em administração pela PUC Minas e tem atuado como executiva e conselheira de organizações e como professora.
mbran2015@gmail.com