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Relações com Investidores |
Mais dinheiro é igual a mais felicidade? Essa pergunta foi o título do artigo que publiquei nesta seção da Revista RI em agosto de 2013. Nove anos depois, esse ainda é um dos temas que mais me desperta curiosidade acadêmica, por isso resolvi voltar a ele.
Esse primeiro artigo foi atravessado por uma ideia bastante em voga na época, de que existiriam limites relativamente bem definidos do impacto do dinheiro na felicidade. A maioria das pesquisas indicava que, em aumentos de renda até o limite de 15 mil dólares ao ano, a correlação entre renda e nível de satisfação com a vida era muito forte, caindo a partir desse ponto até perder qualquer efeito após 70 mil dólares anuais.
O artigo foi escrito logo depois do lançamento do primeiro World Happiness Report, editado por John Helliwell, Richard Layard e Jeffrey Sachs. O Relatório Mundial da Felicidade chegou em 2022 a sua décima edição e atualmente usa dados de pesquisas globais para relatar como as pessoas avaliam suas próprias vidas em mais de 150 países em todo o mundo.
Nesses dez anos, a publicação ganhou musculatura e profundidade, além de um forte apoio do Instituto de Pesquisas Gallup. Entre seus patrocinadores, estão uma empresa que produz café e outra que produz sorvetes, duas coisas que eu rapidamente associo a felicidade. A título de curiosidade, o país mais feliz do mundo, segundo o relatório, é a Finlândia, enquanto o Brasil está na 38ª colocação em uma amostra de 146 países pesquisados.
Atualmente existem diversos pesquisadores buscando respostas sobre quanto o dinheiro impacta na felicidade. O Questionário de Felicidade Oxford desenvolvido pelos psicólogos Michael Argyle e Peter Hills na Universidade de Oxford é um dos mais conhecidos. São também importantes a Escala de Satisfação com a Vida de Deiner, Emmons, Larsen e Griffin, a Escala de Felicidade Subjetiva de Lyubomirsky e Lepper, a Escala de bem-estar psicológico de Ryff e a Escala Panas de Watson, Clark e Tellegen.
Essas pesquisas partem de perguntas feitas para grupos de pessoas sobre seu nível de satisfação com a vida, pois até agora a única forma de saber o quão satisfeita uma pessoa está com sua vida é perguntando a ela. Existe, portanto, a ideia de que os indivíduos são capazes de relatar sua experiência subjetiva de uma maneira objetiva – e que os resultados podem orientar a sociedade para uma vida melhor. Porém, quanto mais resultados de pesquisas aparecem, menos clara fica a resposta para a questão do impacto da renda sobre a satisfação com a vida.
O crescente interesse pelo tema da felicidade e o universal desejo que as pessoas têm de encontrá-la também estão ligados à busca de um paradigma de sucesso de uma nação que vá além da simples medida de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). A Resolução 65/309 de julho de 2001, da Organização das Nações Unidas, foi patrocinada pelo Butão e buscou trazer uma abordagem holística para o desenvolvimento de uma nação focando na busca da felicidade e do bem-estar para medir o desenvolvimento social e econômico de um país.
Parece pouco realista acreditar que podemos ter um crescimento do consumo ilimitado em um planeta limitado. Assim, substituir o paradigma da economia clássica de que os agentes econômicos sempre vão preferir mais renda e mais consumo parece fundamental para a sobrevivência da espécie sapiens neste planeta. Mas será que voluntariamente alguém aceitaria limitar seus ganhos e sua possibilidade de consumo? Ou será que o desejo ilimitado por mais é inerente aos humanos e o paradigma econômico clássico de que sempre queremos mais está correto?
Paul G. Bain, da Universidade de Bath, e Renata Bongiorno, da Bath Spa University, exploraram essa questão em um novo artigo, “Evidence from 33 countries challenges the assumption of unlimited wants”, publicado na revista Nature Sustainability.
Os autores trouxeram resultados de duas pesquisas. A primeira incluiu cerca de 2.000 participantes de 12 países: África do Sul, Argentina, Austrália, Brasil, China, França, Índia, Coreia do Sul, Reino Unido, Rússia, Suécia e Estados Unidos. Nessa pesquisa, foram oferecidos oito prêmios hipotéticos aos participantes: US$ 10 mil; US$ 100 mil; US$ 1 milhão; US$ 10 milhões; US$ 100 milhões; US$ 1 bilhão; US$ 10 bilhões e US$ 100 bilhões.
Segundo a teoria da utilidade, base da teoria econômica dominante, os agentes econômicos deveriam sempre escolher o maior valor, pois o aumento de riqueza deveria elevar também seu nível de satisfação com a vida. Porém, não foi o que aconteceu.
Na média desses países, apenas 17,6% dos participantes escolheram o valor máximo. No Brasil, apenas 11% fizeram essa escolha. Na verdade, a maioria dos participantes preferiu receber entre US$ 1 milhão (27,9%) e US$ 10 milhões (22,9%).
O gráfico abaixo ilustra a escolha média geral e a escolha dos brasileiros pesquisados:
O segundo estudo citado no artigo de Bain e Bongiorno recrutou cerca de 6.000 participantes de 33 países de diferentes regiões do mundo – Oriente Médio, África, América Central, América do Norte, América do Sul, Ásia, Europa e Oceania. Os resultados médios foram extremamente parecidos. A título de curiosidade, o Reino Unido teve o menor percentual de escolhas do prêmio máximo (13,9%), e a Indonésia, o maior (39,2%).
Mesmo considerando que um milhão de dólares é muito mais do que o patrimônio da maioria das pessoas, já é um avanço sobre a percepção de que os humanos têm desejos ilimitados. Esse princípio econômico amplamente aceito sobre a natureza humana representa desafios consideráveis para abordar a sustentabilidade, pois, como já citei, buscar crescimento econômico infinito em um planeta finito é pouco realista.
Pessoalmente, concordo com as pessoas que resolvem limitar o valor a receber. Eu adoro viajar de bicicleta, e um dos momentos mais difíceis de uma viagem é escolher o que levar nos alforjes. Se coloco pouca coisa, eles ficam leves e facilitam a pedalada, porém pode faltar algo no caminho. Mas se coloco muitas coisas, sei que vou sofrer pedalando uma bike muito mais pesada.
Acho que na vida algo semelhante acontece com nosso patrimônio. Quando acumulamos muito, tornamos nossa curta existência neste pequeno planeta azul muito pesada e complicada.
Como planejador financeiro, já acompanhei a vida de pessoas muito ricas, e algumas tinham vidas muito boas. Para outras, me parecia que o dinheiro, longe de ser um facilitador, se tornava um empecilho para a busca da felicidade.
Acredito que o dinheiro deve ser um meio e nunca um fim na nossa vida. Para explicar meu ponto de vista, gostaria que você imaginasse um garçom levando a uma mesa de bar uma bandeja abarrotada de copos de chope para um grupo de amigos.
Quem trouxe o chope foi a bandeja? É óbvio que não. Porém foi a bandeja que ajudou o garçom a trazer a rodada de chope gelado. Acho que o dinheiro é como a bandeja, ele pode ajudar, mas sozinho é incapaz de nos trazer felicidade.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br