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O Mercado de Capitais começa a desbravar o Metaverso. No último mês de junho houve uma Assembleia Geral de Acionistas, com direito a diversos avatares (bonequinhos caracterizados com os traços da pessoa que representa), promovida pela espanhola Iberdrola e, em março último no Brasil, a CVM - em parceria com o SEBRAE-MG - realizou o evento “Metaversos e NFTs: O Futuro da Educação e das Finanças”, com o objetivo de apresentar a utilização do metaverso para desenvolvimento da educação financeira, além de trazer à pauta a importância de acompanhar as tendências que surgem no meio tecnológico. A ação fez parte da programação da 10ª edição da Global Money Week (GMW), campanha mundial anual que busca garantir que os jovens estejam financeiramente conscientes e, gradualmente, adquirindo conhecimentos, habilidades, atitudes e comportamentos necessários para tomar decisões sólidas, alcançando o bem-estar e resiliência financeira.
A propósito, a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) abriu consulta junto à CVM para saber se há algum impeditivo às assembleias virtuais, incluindo o Metaverso, no país. Em março o regulador editou a Resolução 81/2022 dispondo sobre assembleia de acionistas e debenturistas, mas a Abrasca quer ter certeza em relação a todos os procedimentos virtuais. O Metaverso cresce e ninguém parece disposto a ficar de fora. De acordo com relatório do Citibank, divulgado pela imprensa especializada, até 2030 o Metaverso terá valor de mercado entre US$ 8 trilhões e US$ 13 trilhões.
O que é Metaverso?
“Metaverso” é a terminologia utilizada para indicar um tipo de mundo virtual que objetiva replicar a realidade através de dispositivos digitais. É um espaço coletivo e virtual compartilhado, constituído pela soma de “realidade virtual”, “realidade aumentada e “Internet”.
No início dos anos 90, Neal Stephenson cunhou pela primeira vez o termo “Metaverso” em seu romance de ficção científica, Snow Crash. Décadas depois, o investidor/analista da indústria Matthew Ball aumentou a conscientização sobre “Metaverso” em uma série de ensaios focados no presente/futuro da Epic Games (dona do Fortnite). Ambos os pensadores estabeleceram uma referência de temas que os investidores podem imaginar elementos-chave da indústria mudando da Web 2.0 para a Web 3.0. Grandes plataformas de tecnologia (que se beneficiaram do surgimento de aplicativos de computação móvel) agora olham para a realidade aumentada como a próxima mudança de plataforma de computação. Nessa linha, reposicionar as principais ofertas de consumidores/empresas para aplicativos de consumo de mídia em evolução, parece ser a próxima mudança lógica nos padrões de consumo que provavelmente impulsionará mudanças econômicas da unidade de plataforma e criará novos líderes, status entre os players do setor. Um aspecto interessante dessa evolução é a interconectividade de tal paisagem de computação e a possível erosão dos elementos do “jardim murado” da onda de computação móvel. Embora ainda existam pontos de atrito importantes a serem resolvidos, como fator de forma de hardware (especialmente curva de custo), conectividade de banda larga e casos de uso de apelo em massa, a maioria dos investidores e operadores de tecnologia - provavelmente mais notável, é o foco de Mark Zuckerberg na Meta Platforms e na indústria de jogos em geral - são planejando e investindo na evolução da plataforma nessa direção. Nos últimos meses, o termo Metaverso começou a ganhar força logo após a listagem direta da Roblox em março de 2021 e, de forma mais significativa, viu níveis mais altos de interesse na pesquisa do Google durante a temporada de resultados do terceiro trimestre de 21, à medida que várias equipes de gerenciamento discutiam elementos de seus negócios no futuro Metaverso. Mais significativamente, a Meta Platforms (anteriormente Facebook) mudou seu nome para refletir a visão do CEO Mark Zuckerberg sobre o papel da Meta dentro do Metaverso. Dito isso, o termo assumiu muitas formas e definições com semelhanças e temas em torno de experiências virtuais, interoperabilidade, comunidade de criadores, imersão e muitos outros elementos. (Fonte: Relatório Goldman Sachs: Estruturando o Futuro da Web 3.0 - edição: Metaverso - Dez, 2021)
Para conhecer a real situação do Mercado de Capitais no Metaverso, a Revista RI escalou este repórter que criou um avatar adequado à situação. Do lendário Clark Kent (dos gibis e telas de cinema), o bonequinho tem apenas o espírito investigativo, dispensando o vetusto chapéu e fica longe de confundir kriptonita com criptoativos.
Desta jornada mista (com telefonemas, emails, vídeochamadas e WhatsApp), que durou alguns dias, restaram três convicções: 1) a plataforma blockchain, que armazena dados de transações em lotes (tratados como blocos), é segura; 2) as companhias, de uma forma geral, ainda não estão preparadas para atividades contínuas no ambiente virtual (faltam investimentos e infraestrutura); e 3) é preciso construir o caminho, desde já, uma vez que a tendência parece irreversível.
Por uma dessas coincidências da vida, soubemos que a advogada Ana Paula Marques dos Reis, experiente profissional com atuação junto ao mercado de capitais e uma das proponentes da consulta da Abrasca (que utilizou os serviços da associada BMA Advogados junto à CVM), também tem um avatar para suas incursões no Metaverso. Sempre atualizada, a sócia do BMA e VP da Comec - Comissão de Mercado de Capitais, da Abrasca, respondeu – no mundo real – sobre o ambiente virtual.
– A utilização do Metaverso está liberada para as companhias realizarem AGOs e AGEs junto à base de acionistas? - perguntamos.
– Sim, é o que defendemos na consulta formulada à CVM. Acreditamos que o Metaverso cumpre com todos os requisitos mínimos exigidos pela Resolução CVM nº 81/2022 para ser considerado um sistema de votação eletrônico, podendo ser utilizado pelas companhias para realização de suas assembleias gerais – diz Ana Paula, acrescentando que a convocação dos acionistas para participarem de assembleias realizadas no Metaverso deve seguir todo o rito legal e regulamentar já aplicável às demais modalidades de assembleias.
Como a questão ainda é nova, reiteramos o aspecto da validade do Metaverso para fins legais relativamente às ações tomadas pelas corporações.
– Tudo o que ficar decidido tem legitimidade, e correspondência, no mundo real automaticamente? Ou será preciso uma validação a posteriori?
– Importante destacar que o Metaverso será apenas uma forma de participação. Assim, como já ocorre nas assembleias digitais realizadas por videoconferência, não haverá a necessidade de validação a posteriori – explica ela. Portanto, desde que observados todos os requisitos legais e regulamentares, as deliberações tomadas na assembleia realizada através de plataforma imersiva terá validade e produzirá efeitos.
Em relação à assembleia da Iberdrola (companhia que detém 53,5% das ações da Neoenergia no Brasil), realizada no Metaverso, a especialista em direito societário entende que a experiência da organização espanhola é um convite às companhias brasileiras e ao regulador para discutirem o uso das tecnologias no cotidiano do mercado de capitais, mostrando as possibilidades de uso benéfico e, especificamente, a viabilidade de realização de assembleias em formato totalmente virtual, com base na regulamentação já existente.
– É possível se fazer uma assembleia presencial e uma no Metaverso, simultaneamente?
– Sim, a assembleia poderá ser realizada de forma híbrida, reunindo acionistas de forma presencial e de forma virtual.
– O Metaverso deixa o investidor mais exposto?
– Ao adotar o Metaverso como um meio de participação em assembleias, as companhias deverão se diligenciar no momento da escolha da plataforma provedora, optando por aquela que ofereça um tratamento de dados compatível com os princípios e regras previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sobretudo os relacionados à transparência e privacidade do usuário.
Quanto a esses lúdicos bonequinhos, que transitam livremente pelo ambiente virtual, indagamos sobre a necessidade de se legitimar o próprio avatar.
– Caso o investidor queira participar com avatar, é preciso ter as mesmas características físicas do mundo real? Afinal, quem valida o avatar?
– Atualmente, não há qualquer exigência nesse sentido. No Metaverso, o avatar poderá ser o meio de representação do acionista na assembleia, ao qual será facultado reproduzir suas características físicas no mundo virtual ou não. Abre-se, inclusive, a oportunidade de o acionista manifestar, por meio do seu próprio avatar, aspectos de sua personalidade. No que se refere à validação do avatar, hoje não há a necessidade de ter um agente fiscalizador específico, bastando o próprio julgamento do acionista participante. O que provavelmente ocorrerá é algo muito similar ao que já ocorre hoje nas assembleias digitais realizadas por programas de videoconferência: as companhias enviarão um link para o cadastro e acesso do acionista à assembleia, sendo-lhe vedada a transferência a terceiros não autorizados. Assim, o acionista é - e continuará sendo - o responsável pelo manejo do link de acesso.
– Quem entrar no Metaverso, com avatar ou sem ele, teria alguma vantagem sobre o investidor do mundo tradicional?
– Não, os acionistas que participarem de assembleias digitais no Metaverso não possuem vantagem ou desvantagem em relação aos acionistas que participarem de forma presencial. O Metaverso se qualifica como uma forma adicional e alternativa para a realização de assembleias. Não se trata de um meio superior ou inferior aqueles já existentes e comumente utilizados, mas sim de uma opção a ser avaliada pela própria companhia.
Por fim, quis saber se existe alguma diferença na captura de informações no ambiente do Metaverso, em relação ao ambiente tradicional. Ao que Ana Paula respondeu: “Para que as assembleias sejam realizadas na forma da regulamentação em vigor, os dados solicitados e concedidos pelos acionistas para participação serão os mesmos já fornecidos em qualquer assembleia que utilize algum sistema eletrônico de participação”.
Case Iberdrola
Em 17 de junho último, a Iberdrola tornou-se a primeira companhia espanhola a realizar a Assembleia Geral de Acionistas no Metaverso. Jactando-se do feito, em seu site, a companhia destaca que esteve “um passo além ao fazer um Conselho mais digital e participativo” e que “mais uma vez, a empresa é referência em facilitar o acompanhamento e a participação dos acionistas, não apenas presencialmente, mas também pelos principais canais digitais e pelos aplicativos móveis mais convenientes e úteis para os acionistas”. Depois de destacar a participação do acionista, de forma imersiva, com óculos de realidade virtual, ou ainda de um computador ou celular, seus investidores poderiam “percorrer o mundo virtual da Iberdrola e conhecer os projetos mais inovadores da empresa e a situação atual da transição energética”.
TOKENIZAÇÃO
Monitorando os ambientes virtual e de realidade aumentada, há pelo menos dois anos, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem o Grupo de Trabalho (GT) Fintechs, que estuda valores mobiliários digitais, finanças descentralizadas (DeFi) e assuntos correlatos. Em paralelo participa de vários debates, entre os quais o Projeto Tokenização do Laboratório de Inovação Financeira (o LAB, de iniciativa do Banco Interamericano de Desenvolvimento). Nessa linha, promoverá, junto com a Abrasca, dia 15 de agosto, live de uma hora abordando: “O Metaverso e as Companhias Abertas”.
“Estamos nos aproximando desse ambiente imersivo”, destaca José Alexandre Vasco, superintendente de Proteção e Orientação aos Investidores (SOI) da CVM. Segundo ele, a entidade é a primeira reguladora, no mundo, a trabalhar um evento no Metaverso, como aconteceu em parceria com o Sebrae-MG e foi disponibilizado à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e à Organização Internacional das Comissões de Valores (IOSCO), como projeto piloto, no primeiro semestre deste ano. A novidade repercutiu bem, avalia Vasco que encontrou no virtual um ambiente interessante para a prática educacional.
Ainda como exercício de educação, o superintendente revela que a Casa da Moeda irá produzir algumas obras e imprimir em papel especial para serem emitidas como NFTs (sigla, em inglês, para Token Não Fungível). Sobre a criação de fundos para os NFTs, por exemplo, ele diz que o brasileiro que pretende investir em ativos digitais já tem acesso a ETFs.
Em outubro próximo acontecerá a Semana do Investidor e a CVM, em parceria com a IOSCO e “mais uma CVM”, abordará o tema Resiliência do Investidor, sob o enfoque da educação financeira.
Na prática, os papéis de todos os agentes do ecossistema ainda estão sendo desenhados, opina Vasco, enxergando um grande crescimento de todo o ecossistema de criptoativos.
PAPEL DO RI
Na real, qual é o papel do profissional de relações com investidores nesta interface com o mundo virtual? A pergunta, simples, direta, foi feita a Rodrigo Maia, presidente do IBRI, profissional com vasto conhecimento nas áreas de RI e de tecnologia.
– Tanto o IBRI quanto a Abrasca têm observado o interesse do profissional de RI nas novas tecnologias, mas sabemos que este ainda não conhece todos os riscos envolvidos – diz o CEO do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI) e global consultant da Abrasca, acrescentando que as companhias que já têm a cultura digital estão mais preparadas para assumir riscos.
Para Rodrigo Maia, as assembleias de acionistas demonstram um risco muito baixo porque, geralmente, são pouco conflituosas. “Os riscos foram flagrantes no período da pandemia, em que as empresas primeiro tinham a opção e depois a obrigatoriedade de realizar suas AGOs e AGEs no formato digital. A velocidade entre os participantes era diferente, caíram sistemas durante a contagem de votos”, diz ele, lembrando ainda que na questão do voto múltiplo havia muitas equipes despreparadas para lidar com a tecnologia.
“As companhias não estão preparadas porque não conhecem o Metaverso”, destaca o CEO do IBRI, argumentando que é preciso disseminar a cultura junto às áreas de RI, Jurídica, Compliance, RH etc. E dá a receita para facilitar a absorção do conhecimento: “Quando o CEO é o sponsor, a coisa facilita muito. É preciso ter envolvimento da alta administração para dar certo”.
A inovação – prossegue Maia – não é um campo de tentativas. “São 70% de planejamento e 30% de desenvolvimento”, frisa, destacando que é papel do profissional de relações com investidores ir atrás das novas tecnologias, entendê-las e disseminá-las inclusive junto ao Comitê de Divulgação e Conselho. Depois de enfatizar que o RI tem de estar à frente na aplicação dos processos tecnológicos, sugere que sejam realizadas pequenas AGOs para ir adaptando o conjunto de soluções, como velocidades diferentes de sistemas dos participantes, localidades diferentes etc. “Esse é o mindset digital!”
Desse processo de ajustes, por exemplo, faz parte a convocação de assembleias. Se o edital especifica o formato digital, depois não tem volta. Caso, à frente, se queira mudar para híbrida ou presencial, é preciso prorrogar o prazo da chamada anterior e depois cancelar. Outra coisa: não se pode exigir do investidor o uso de óculos para frequentar uma assembleia no Metaverso. Quem tiver, participa no ambiente e quem não possuir o equipamento (seja por falta de habilidade ou pelo custo) deve ter a mesma oportunidade – destaca o executivo. A diferença, no caso, é que um avatar ou dono de óculos poderá interagir com outros participantes, mas o acesso à informação será equânime.
OPERACIONALIDADE
O Metaverso tem alta operacionalidade. Diferentemente de outras plataformas (como Zoom, por exemplo), o blockchain é mais ágil e, também, bastante confiável, uma vez que nesta plataforma pode-se abrir 10 telas simultâneas, compartilhar documento “sem enroscar” e ter qualidade na transmissão. “O avanço desta é visível, pois dá garantia da origem do voto à companhia, em uma assembleia. No modo presencial, mesmo o participante apresentando o RG, corre-se o risco de fraude”, alerta Maia, também expert em TI.
Nas plataformas mais tradicionais é possível uma pessoa acessar a reunião, conversar um pouco e logo depois desligar a câmera, ficando somente com o áudio. Após o desligamento desta câmera (recurso muitas vezes utilizado para melhorar a conexão) quem garante que não existem outras pessoas assistindo a uma assembleia, por exemplo, na mesma máquina? No Metaverso isto não acontece, com os avatares devidamente identificados. Além do que, o sistema não apresenta falhas de microfones e consegue evitar que entre alguém de repente e comece a falar em cima do que está sendo apresentado. “O Zoom e similares já estão ultrapassados”, atesta o CEO do IBRI.
A segurança cibernética vai melhorar muito com a chegada do 5G, uma vez que as senhas de celulares são fracas e ultrapassadas como modelo de acesso. “Cyber security deve ser preocupação número 1, em qualquer companhia”, recomenda Rodrigo Maia, aduzindo que o ambiente virtual é bem mais confiável que o de uma videoconferência. E a realização de uma reunião APIMEC no Metaverso? Normal, responde o nosso entrevistado sem titubear. Para tanto basta a CVM responder “sim” à consulta da Abrasca (citada no início da matéria).
Quem acompanha o mercado de capitais sabe o que é ESG e, consequentemente, greenwashing. São, respectivamente, práticas ambientais, sociais e de governança e o greenwashing, uma espécie de “ESG pra inglês ver”. Agora o dirigente do IBRI alerta para o “digital washing”. Explica-se: ficou claro, até aqui, que as companhias para se tornarem mais competitivas precisam alcançar o Metaverso. “Mas não adianta dizer que vai se não estiver preparada. E o RI tem de ter isto bem definido, pois se tiver de esperar um pouco... deve esperar!”
ACELERAÇÃO DIGITAL
O Metaverso não deve ser visto como algo à parte, mas como consequência do processo de digitalização de toda a sociedade que caminha a passos largos neste sentido. “Do mesmo jeito que fomos utilizando cada vez menos papel, máquinas de escrever, fax, etc, aceleramos a digitalização. E hoje vemos transformações gigantes, como por exemplo participar de uma assembleia de acionistas sem precisar pegar avião e ter o ônus do deslocamento”, comenta Samir Kerbage, CTO da Hashdex - a maior gestora de criptoativos da América Latina, que cuida da gestão de R$ 2 BI de seus 260 mil cotistas.
Para ele, a plataforma blockchain é segura e melhora sobremaneira a eficiência, proporcionando o surgimento das finanças descentralizadas (DeFi). Ela substitui os cartórios, pois o registro de contratos e operações – como a criação de sistemas de pagamentos, realização de transações financeiras diversas, inclusos contratos de empréstimo sem intermediário – podem ser feitas diretamente por lá. Esta é a mesma tecnologia que permite a realização de uma assembleia de acionistas virtual com idêntica validade da presencial.
Em tempos digitais, o investidor criar um avatar pode ser interessante mas não obrigatório. “Ele ficará bem à vontade em uma conferência, mas se isto atrapalhar, a própria pessoa rejeita”, sublinha Kerbage lembrando que a tecnologia já permite a reorganização da custódia, a tokenização (isto é, a representação digital de um ativo real, tornando as negociações mais simples e rápidas).
Essas práticas, às vezes muito simples de entender (outras nem tanto), são disruptivas. Rápidas, normalmente precisam dar fôlego ao regulador, assinala o sócio da Hashdex que vê a regulação acontecendo por demanda. “O natural é o regulador ser provocado”.
CUSTÓDIA
Assim como você pode jogar Minecraft (se você nunca jogou, pergunte ao seu filho de 7 anos...), a qualquer tempo, com óculos de realidade virtual ou sem ele, você também pode acessar o Metaverso nas mesmas condições. A comparação é de Alex Buelau, diretor de tecnologia da Parfin (fintech criada em 2019, com foco em cripto services, custódia e interface de produtos), demonstrando que o ambiente virtual é acessível a qualquer pessoa. “A questão mais complexa é a interoperabilidade dos Metaversos”, ressalva ele, exemplificando que uma pessoa pode entrar no espaço virtual com óculos, outra sem, um outro participante via computador, outro pelo celular e assim por diante.
Acessando o Metaverso, pode-se acessar o blockchain. Mas o serviço de custódia como fica em meio a esta tecnologia? Buelau responde que cada endereço de blockchain tem uma chave privada. Quem tem a chave pode acessar os fundos e fazer operações. Mas onde a chave fica guardada e como saber se está sendo acessada pelo dono? “A Parfin faz a custódia dessa chave”, responde, rápido, adiantando que tal processo vai sempre existir.
O dono da chave não precisa fazer a custódia com a Parfin ou outra empresa do setor, pode, se quiser, guardá-la no próprio computador. “Com tantos hackers à solta, é seguro guardar no computador?”, agora pergunta Alex Buelau, acrescentando que uma instituição precisa de mecanismos próprios e muito seguros. Esta também não pode armazenar a chave no computador do cliente, por uma questão de governança.
DEBÊNTURE TOKENIZADA
No mês de julho, a Vórtx QR – que opera dentro do sandbox da CVM –, lançou um token regulado. O token de debênture é da Pravaler, uma plataforma de financiamento estudantil. Remuneração é de CDI + 3% a.a. O Itaú BBA coordenou a oferta, a exemplo do primeiro token da empresa. A emissão foi de R$ 60 milhões representados por 60 mil tokens (R$ 1 mil cada). Trata-se da terceira emissão da plataforma de negociação Vórtx QR (a primeira regulada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para operar com ativos tokenizados); as duas anteriores ocorreram em junho último. Na oportunidade foram 74 mil debêntures tokenizadas (também de R$ 1 mil cada), da Salinas Participações, também com a coordenação do Itaú BBA. E 8 mil cotas (também de R$ 1 mil) de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) QR Rispar Crédito Cripto, lançado pela QR Asset e com lastro em bitcoin. A custódia desses ativos é da Parfin.
Em tese, qualquer investidor pode pegar o seu ativo digital brasileiro e vendê-lo na Inglaterra, por exemplo. Para tanto, é preciso se adequar à legislação brasileira e à inglesa. “Cada país tem a sua legislação e quando você adquire um ativo estrangeiro, o que prevalece é a regulação local”, completa Buelau, que imagina demorar algum tempo mais para que surjam grandes ofertas de ativos tokenizados no mercado.
FUTURO
Por ora o Metaverso é uma tecnologia em expansão. Bem diferente no mundo dos games, em que é bastante conhecida. A utilização pelo mercado de capitais ainda é incipiente. Esta é a visão de Diego Barreto, diretor de Finanças e Estratégia do iFood, que observa uma alta demanda da capacidade de máquinas e computacional, mas adverte que o processo do Metaverso ainda não está fechado. Ele prevê a criação de 30 novas ferramentas, no espaço virtual, nos próximos cinco anos.
O case da Iberdrola, realizando assembleia no Metaverso, em junho último, não impressionou o executivo. “Faz parte da evolução; foi um primeiro passo e todo movimento requer um primeiro passo”, resume. A priori ele não vê muito sentido para uma small cap mergulhar neste ambiente no momento, ilustra. A menos que precise de um grau específico de engajamento e de transparência e não se importe com os custos.
De qualquer forma, o futuro pode ser abreviado com a atuação dos atores do mercado. A consulta da Abrasca, por ele citada, poderá acelerar o processo no Brasil. Já em relação ao profissional de relações com investidores e o próprio IBRI, diz que é papel da instituição buscar compreender os movimentos no mercado internacional e levar pleitos e sugestões às companhias, à B3 e à Comissão de Valores Mobiliários.
APRENDIZAGEM
Buscando entender e traduzir o universo virtual para o mercado de capitais, a Revista RI conversou também com um engenheiro especializado em governança. Membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Alexandre Oliveira, CEO da Cebralog Consultoria, tem mestrado em Supply Chain Management (Cranfield University, é pós-graduado em Finanças (Unicamp) e em Negócios Digitais (MIT e Columbia University) e doutorando em aplicações de IA nas decisões corporativas (Unicamp).
Perguntamos, objetivamente: – As companhias estão preparadas para atuar no Metaverso, assim como os investidores?
– Um metaverso é como a réplica de uma cidade com vários quarteirões. Existem prédios comerciais como Shopping Center, onde marcas compram o espaço de lojas e consumidores circulam pelo ambiente buscando experiências de valor. Decisões do mundo real, tais como em qual shopping abrir a loja de uma marca, ou quais produtos ou experiências oferecer, também ocorrem no mundo digital. Também vale a ideia da pesquisa de mercado, pois diferentes públicos circulam em diferentes centros de consumo (diferentes metaversos ou diferentes áreas de um metaverso). A jornada omnichannel entre marcas e clientes encontra nos modelos de negócio baseados em Metaverso um novo canal de relacionamento. É mais uma possibilidade de gerar novos MACRO-MOMENTOS e instaurar inúmeros DIGITAL-TOUCHPOINTS, capazes de promover produtos e serviços - além de impulsionar o BRAND EQUITY (força da marca). Tudo isto é muito novo e a maior parte das empresas e investidores não sabe como se posicionar. O fato é que estamos no início de uma longa curva de adoção e aprendizagem – destaca ele.
Já em termos de regulação, o CEO da Cebralog avalia que os modelos de negócios digitais, “em todos os setores, se formam e amadurecem em grande velocidade, produzindo a percepção de defasagem em relação aos marcos regulatórios”. E pontua: ”No entanto, frequentemente, ambientes transacionais digitais oferecem uma experiência que é nova em seu formato, mas não no conteúdo. Por exemplo, o insider trading pode ser cometido no mundo offline, nas transações online (web 2.0) e poderão ser cometidos nos metaversos (web 3.0) – mas a legislação alcançará igualmente as três formas de uso inadequado de informações privilegiadas”.
No Brasil, a CVM não determina limites técnicos para a realização de reuniões com acionistas e mantém uma regulamentação neutra do ponto de vista tecnológico. A fim de confirmar tal neutralidade é que a Abrasca solicitou à CVM um parecer sobre a utilização de soluções em Metaverso.
A AGE da Iberdrola, tomada como ponto de análise, não entusiasmou tanto o engenheiro – a exemplo de Diego Barreto, acima – pois a viu como “quase tudo associado ao Metaverso, um experimento híbrido, com participantes podendo votar presencialmente (offline), via WhatsApp ou Telegram, via PC ou celular (web 2.0) ou com óculos de realidade virtual (experiência imersiva da web 3.0)”. Sintetizando, para esta aplicação não detectou “grande mudança do modelo em Metaverso, quando comparado aos demais modelos. Mesmo o fator conveniência e mobilidade pode ser oferecido de outras formas”.
Não é demais lembrar que no Brasil a Iberdrola detém 53,5% da Neoenergia, daí fica a expectativa de quando veremos a replicação deste modelo na Assembleia Geral da Neoenergia. “A meu ver, o principal elemento desta assembleia foi o registro em blockchain da identidade dos participantes, independente do formato escolhido. A solução em blockchain, que envolve um processo denominado tokenização, certifica um acionista para votação e torna praticamente impossível qualquer tipo de fraude pois assegura a inviolabilidade e imutabilidade do cadastro individual. O procedimento foi executado mesmo para os participantes presenciais”, notou.
Indagado sobre a segurança na navegação em ambiente virtual, o doutorando em aplicações de Inteligência Artificial (IA) destacou a plataforma blockchain, afirmando que a validação coletiva das transações (mecanismos de consenso) e o ambiente peer-to-peer, típico da web 3.0, também contribuem para a segurança do sistema. “Algumas aplicações podem incluir algoritmos de aprendizagem de máquina e rotinas de RPA (Robotic Process Automation) que reduzem ainda mais qualquer interface humana, mesmo quando ações no Metaverso estão integradas com o mundo offline. Este contexto reduz o risco de fraudes ou vazamento de dados”, observou ele, para adiante finalizar: “No entanto, é importante considerar esquemas fraudulentos do mundo físico e da web 2.0 (navegação na internet) que poderão ser reproduzidos no Metaverso. E que alguns riscos jamais deixarão de existir, como o cambial, informacional e financeiro. A solução Metaverso, quando estiver madura, no futuro, será apenas mais uma forma de relacionamento pessoal, profissional e comercial”.
NOVIDADE
Em novembro as companhias brasileiras estarão divulgando resultados do terceiro trimestre do ano (3TRI 22). Uma das 380 listadas na B3 deverá apresentar a novidade do Metaverso para o público brasileiro. O nome por ora está bem “custodiado”, mas quem prepara o evento é a MZ, líder em tecnologia e serviços na área de Relações com Investidores, atendendo a mil clientes (entre fundos e companhias abertas) e atuação direta junto a 12 Bolsas de Valores.
“Temos várias consultas informais sobre o Metaverso, porque as companhias querem baixar custo e melhorar a qualidade da transmissão”, diz PH Zabisky, CEO da MZ, observando que o formato no Metaverso precisa, necessariamente, preservar a assimetria da informação. “Atualmente o entrave é este, a acessibilidade para todos os participantes. A nós e às companhias interessa algo simples e rápido de se fazer”. Os recursos do ambiente virtual são convidativos, já que permitem muito mais câmeras ligadas, sem perda de qualidade, legendas e até linguagem em libras.
Mas como mencionado anteriormente, estamos, todos, fazendo a curva de aprendizagem. “Talvez tenhamos alguns investors days para irmos nos adaptando e mais à frente call de resultados”, especula Zabisky que revela: ainda hoje um terço dos acessos é feito por telefone fixo, no Brasil, e nos Estados Unidos é por operadora mesmo, que fornece senha para entrar no call.
DARWINISTA
A fim de buscar diferentes e complementares ângulos para esta matéria, entrevistamos Carlos Piazza, um singular darwinista digital e futurista certificado pelo Millenium Project. Conhecido consultor em ambientes futuristas, ele minimiza o impacto do Metaverso na vida nossa de cada dia.
“Criado para fomentar o consumo, o Metaverso é um market place dentro do qual podemos estabelecer novos mercados”, define. Em se tratando do mundo corporativo, vê neste ambiente uma espécie de “replicagem do modelo do Capitalismo de Vigilância”, em que “as big techs ganham muito dinheiro”. Um ambiente que, afinal, estimulou a criação da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
Metaverso tem os seus paradoxos, como a possibilidade de criação de Fundos de Investimento (lastreados em ativos reais ou em criptomoedas) e também tem o mercado de NFT´s, que ganhou atenção no início deste ano quando o jogador Neymar comprou a figura de um macaco, da coleção “Bores Ape Yach Club”, por valor equivalente a R$ 6 milhões. Na mesma prateleira está a tiara de US$ 300 mil, da Dolce&Gabbana, que só pode ser usada no Metaverso.
“Estão se criando castas digitais, elitizando a tecnologia com a venda de óculos a US$ 2.500”, dispara ele, preocupado com a população que, a cada dia mais, “busca um atalho para fugir da realidade”. Depois de citar o Second Life, do início dos anos 2.000, que flopou, e o Pokémon (lembram dele?), faz uma reflexão final: “Em que o Metaverso pode melhorar a Humanidade?”
TAMANHO
Segundo os especialistas aqui entrevistados, o Metaverso ainda está no início. Para que avance – e disto ninguém duvida – são necessários novos investimentos em tecnologia e infraestrutura. No entanto, há muitos players do mercado tradicional se preparando para o mergulho no mundo virtual.
Além da própria Meta (FB), cujos papéis são negociados no mercado norte-americano, e que são possíveis de serem alcançados pelo investidor brasileiro, via BDR (Brazilian Depositary Receipts), Microsoft e Google se estruturam para marcar presença no ambiente virtual. No Brasil, Itaú e Lojas Renner já anunciaram intenção em entrar no Metaverso e preparam servidores exclusivos para dar conta do tráfego projetado.
De acordo com relatório do Citibank, divulgado em abril último, até o final desta década (2030) o Metaverso deverá ter um valor de mercado entre US$ 8 trilhões e US$ 13 trilhões.