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Recado aos Programas de Integridade brasileiros a partir das alterações da Lei 12.846/13 e dos últimos acontecimentos na Caixa Econômica Federal.
Iniciamos o mês de julho último, animados e estudando o novo decreto 11.129/22, que regulamenta a Lei Anticorrupção (lei no. 12.846/13) e substitui o decreto 8.420/15, trazendo algumas alterações (em negrito) para os programas de integridade existentes que podem ser evidenciadas em três pertinentes itens explicitados a seguir : Importância do Conselho; Gerenciamento de Riscos & Alocação de Recursos e Canais de Denúncia.
1. Importância do Conselho de Administração
“I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os Conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa, bem como pela destinação de recursos adequados;”
2. Gerenciamento de risco e alocação de recursos
“V - gestão adequada de riscos, incluindo sua análise e reavaliação periódica, para a realização de adaptações necessárias ao programa de integridade e a alocação eficiente de recursos”; e
XIII - diligências apropriadas, baseadas em risco, para:
a) contratação e, conforme o caso, supervisão de terceiros, tais como fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários, despachantes, consultores, representantes comerciais e associados;
b) contratação e, conforme o caso, supervisão de pessoas expostas politicamente, bem como de seus familiares, estreitos colaboradores e pessoas jurídicas de que participem; e
c) realização e supervisão de patrocínios e doações;”
3. Canais de denúncias
“X - canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e mecanismos destinados ao tratamento das denúncias e à proteção de denunciantes de boa-fé;”
É importante entender que o Programa de Integridade como meio promotor da cultura ética empresarial é um processo estratégico cuja gestão precisa ser específica para que possa ser absorvida como grande valor das empresas. Para tanto, a mobilização do público interno, a tradução do programa em termos operacionais e atitudinais, o seu alinhamento transversal na organização e a motivação dos seus públicos são condições “si ne qua non”” para que tenha minimamente condições de ser eficiente e eficaz.
Sutis, mas relevantes, as alterações ocorridas na lei 12.846/13 fortalecem :
1. O papel do Conselho de Administração na gestão do Programa de Integridade como fomentador e mantenedor da cultura ética no ambiente organizacional;
2. O Código de Conduta como a pedra angular dos programas de integridade e cartão de visita da empresa e sugere;
3. A existência de um Comitê de ética ligado ao Conselho de Administração como gestor do Programa de Integridade e de seus instrumentos tendo como uma das atribuições a criação de “mecanismos destinados ao tratamento das denuncias”.
Sabemos que as principais comprovações de que uma empresa, instituição ou organização tem um programa de integridade é a existência de evidências como:
Fonte: Lauretti, Lélio e Solé, Adriana. Código de Conduta: Evolução, Essência e Elaboração, 2022 Editora Fórum
A Lei 12.846/13 , sugere a formalização institucional da equipe de compliance, deixa claro que o programa é top down - e enfatiza o Código de Conduta como o coração dos Programas de Integridade, pelo fato de que é através dele que são definidos, formalizados, e traduzidos os princípios basilares de qualquer organização, direcionando todas as suas políticas internas e externas e balizando os comportamentos desejáveis.
O canal de denúncias, além de ser um requisito legal básico de um programa de compliance e integridade:
• cria um ambiente de controle que permite monitorar as ocorrências de eventos de desvio de conduta;
• detecta tempestivamente esquema de fraude (51% dos desvios de fraude são detectados através de um canal de denúncias);
• previne e reduz os casos de assédio moral e sexual;
• é uma demonstração cabal do dever de diligência;
• cria percepção positiva no público interno e demais stakeholders da organização;
• produz e guarda evidências documentais para possíveis atenuações da responsabilidade civil, criminal e administrativa; e, por fim,
• promove a cultura ética nas relações internas e externas da organização.
Para que seja uma ferramenta eficiente, precisa atender a um requisito essencial, que é o de garantir a confidencialidade, com o sigilo do conteúdo relatado e a proteção da identidade do denunciante, permitindo a realização de denúncias anônimas. A proteção e a vedação de retaliação aos denunciantes são informações que devem constar do Código de Conduta.
A Lei de Acesso à Informação, Lei 12.527/11, prevê a proteção das informações do denunciante de boa fé e só permite a disponibilização de seu conteúdo em casos de extrema necessidade.
A disponibilidade do canal de denúncias deve ser integral, 24 horas por dia, 7 dias por semana, para que o relatante se sinta à vontade em formular suas manifestações fora do horário comercial e ausente do ambiente da empresa. E disponibilizar também uma linha ética, canal telefônico 0800 atenderá aos que não tiverem acesso à Internet.
Na prática e de acordo com a pesquisa da KPMG: “Maturidade em compliance das empresas brasileiras 2021”, percebemos tanto, uma evolução na utilização desta ferramenta pelas empresas brasileiras, 91% das empresas respondentes possuem canal de denúncia, contra 85%, em 2019, como também um expressivo aumento de consultorias terceirizadas independentes na gestão deste instrumento, de 8 % em 2019 para 20% em 2021.Os gráficos abaixo atestam esta afirmação:
Fonte: Pesquisa KPMG: Maturidade do Compliance no Brasil, 2019 e 2021
Lauretti e Solé, na segunda edição do Livro Código de Conduta, lançada este ano pela Editora Forum, postulam “....a total independência do canal de denúncia, (nos gráficos acima representado pela consultoria terceirizada e independente) para garantir a credibilidade desse instrumento perante o público interno e que as denúncias sejam remetidas para serem tratadas no Comitê de Ética da Companhia, instância ligada ao Conselho de Administração.”
Os mesmos autores, sobre o Comitê de Ética defendem que uma das suas atribuições deva ser a de zelar pela gestão do Programa de Integridade e dos seus principais instrumentos: Código de Conduta, canal de denúncia e que as suas atribuições e limitações no caso de violações, assim como as áreas de atuação e dinâmica de operação sejam descritas minuciosamente através de um Regimento Interno do Comitê de Ética. Não lhe atribuem poder para aplicação de penalidades, tarefa que deve ser reservada aos administradores.
Entendem que o Comitê de Ética deva funcionar como uma “primeira instância”, limitando-se a opinar sobre a existência, ou não, de violação ao Código em cada denúncia recebida e processada, e recomendar à administração o tipo de penalidade que entende cabível. Consequentemente, não incluir administradores em sua composição, reservando esse nível para a “segunda instância” – àquela na qual, com base nas conclusões dos relatórios do Comitê, poderão ser aplicadas penalidades. Caberá aos membros do Comitê a escolha, em rodízio e por mandatos definidos, de seu próprio coordenador. Essa competência é de fundamental importância para manter a independência operacional do Comitê.
De acordo com a mesma pesquisa da KPMG, citada anteriormente, e o “Estudo Governança Corporativa e Mercado de Capitais 2021/2022”, percebemos os seguintes avanços em relação ao Comitê de Ética:
A evolução na coordenação desse Comitê nos últimos três anos pode ser sintetizada através dos gráficos a seguir:
Fonte: Pesquisa KPMG: Maturidade do Compliance no Brasil, 2019 e 2021
De acordo com a última edição desta pesquisa as principais preocupações atuais giram em torno do fato de que os funcionários não possuem conhecimentos dos mecanismos internos de relato e alçada, pouco envolvimento e responsabilização da gerência média, treinamentos exaustivos, com potencial diluição das mensagens, e pouca familiarização dos profissionais com o Código de Conduta.
A preservação da integridade civil e criminal na diminuição do grau de exposição e responsabilização da alta administração da organização em relação a potenciais comportamentos irregulares ou ilegais de seus colaboradores tem sido o maior motivador na implantação dos programas de compliance e integridade atualmente.
Os últimos acontecimentos veiculados na mídia brasileira ocorridos na Caixa Econômica Federal: a destituição do CEO e a morte do Diretor de Controles Internos nos remete a reflexão sobre a eficácia e eficiência dos Programas de Integridade existentes em nossas empresas. De acordo com o noticiado, a Diretoria de Controles Internos e Integridade da Caixa é a responsável pelo recebimento e acompanhamento das denúncias feitas por funcionários por meio dos canais internos do banco e responde a Vice presidência de riscos, que por sua vez está ligada ao CEO da Instituição. Padrão considerado normal nas nossas Instituições.
Tecnicamente, pondero o fato de que denúncias serem recebidas e acompanhadas por gestores internos, embora comuns em nossas empresas, compromete a legitimidade do programa de Integridade por subestimar a identidade cultural “relacional” das nossas Instituições. Esta identidade relacional é calcada na mistura , no “incluir” e encontrar “pontes” entre as pessoas na busca do “meio” e da negociação de conflitos. A total independência de um canal de denuncia elimina em boa parte esse “jeitinho brasileiro’, prática já vivenciada por vinte por cento das empresas pesquisadas pela KPMG em 2021 .
Uma das principais atribuições de um Conselho de Administração é zelar pelos valores e crenças da Instituição e ter um Comitê de Ética ligado a ele pode funcionar como termômetro , meio direcionador e fomentador da cultura ética no ambiente organizacional. Apenas 7% das empresas pesquisadas pela KPMG em 2021 utilizam desta prática.
Estamos acompanhando desde 2013 a evolução destes programas no contexto brasileiro e nos parece que o grande descolamento entre a conduta da alta administração de nossas empresas e os preceitos definidos pelos seus programas de Integridade seja uma das principais causas da ineficiência dos mesmos.
Atualmente, vivenciamos concomitantemente outro desafio trazido pela Agenda ESG. Focada em direcionar as empresas sob as perspectivas ambientais/ecossistemas, social e de governança em conjunto, tem impulsionado o sentido de responsabilidade corporativa e da expectativa sob o ponto de vista dos investidores e da sociedade em relação às empresas. Uma das maiores dificuldades ao se aferir a qualidade tanto do programa de integridade quanto da aderência à Agenda ESG de uma empresa está em conseguir compreender a efetiva aplicação dos procedimentos e o efetivo comprometimento da alta administração, logrando separar o que é mero discurso da efetiva ação. Assim como tem sido uma das grandes dificuldades para os profissionais de compliance os chamados “programas de papel”, o Greenwashing – lavagem verde – é um desafio para os profissionais e empresas ESG.
Cabe aos Conselhos de Administração das empresas e instituições garantir a diminuição deste gap tanto entre o discurso e prática respondendo a sociedade e aos acionistas por tudo o que se passa nas empresas em que atuam, quanto o grau de exposição civil e criminal dos seus administradores.
Respondendo a provocação do subtítulo deste artigo, o recado que fica aos Programas de Integridade é a importância da existência de um Comitê de Ética ligado as mais elevadas alçadas de poder de uma empresa, a total independência de um canal de denúncia e a periódica atualização do Código de Conduta.
Adriana de Andrade Solé
é Engenheira Eletricista, Conselheira de Administração, Autora, Pesquisadora, Professora e Consultora. Coautora do livro: Código de Conduta: Evolução, Essência e Elaboração - em parceria com Lélio Lauretti, segunda edição 2022, Editora Forum.
adrianasole2021@gmail.com