Uma das coisas mais difíceis na vida é desaprender.
O preço do aprendizado é elevado, considerando que geralmente precisamos dedicar tempo e recursos para aprender alguma coisa. Sendo assim, é normal que sejamos muito ciosos dos nossos conhecimentos. Mesmo quando percebemos que eles não são mais úteis, é bastante difícil abandoná-los.
O historiador conservador alemão Rainer Zitelmann, no seu excelente livro “The Power of Capitalism”, fala da importância do aprendizado implícito em oposição ao explícito.
O aprendizado implícito é aquele que ganhamos pelas nossas experiências ao longo da vida, sem a mediação de uma educação formal, como aquela que é dada pela escola ou academia. O explícito, por sua vez, é o aprendizado formal. Em uma pesquisa feita com indivíduos ultrarricos, Zitelmann identificou que o aprendizado implícito tinha muito mais impacto na vida deles do que o explícito.
A partir da leitura da obra de Rainer, comecei a pensar na minha experiência com consultoria para pessoas bem-sucedidas. Como seria de se esperar, o sucesso tende a consolidar os conhecimentos adquiridos de forma implícita, já o fracasso incentiva a uma maior abertura para a reflexão – mesmo assim, ele não é garantia de abertura para novos conhecimentos.
Isso posto, passei a refletir sobre um dos maiores problemas que identifico na gestão patrimonial de parte importante das pessoas que acumularam um bom patrimônio durante sua vida produtiva e que se preparam para a aposentadoria: o excessivo apego aos investimentos em imóveis.
Por que as pessoas mais velhas gostam tanto de investir em imóveis? A resposta é bastante simples. As pessoas da geração dos baby boomers que investiram em imóveis urbanos ganharam muito dinheiro. Façamos uma retrospectiva.
Quando eu nasci, em 1961, a população brasileira era de 71 milhões de pessoas, das quais 32 milhões viviam em cidades e 39 milhões, no campo. Ou seja 45% da população era urbana e 55% era rural.
Naquela época, cada mulher tinha em média 6,04 filhos, 53% da população tinha menos de 20 anos, 5% da população tinha mais de 60 anos e apenas 0,3% tinha mais de 80. Éramos um país jovem, rural e em franco crescimento. Atualmente, 28% da população brasileira tem menos de 20 anos, 15% têm mais de 60 e 2,1% têm mais de 80. Somos um país urbano e em um processo muito rápido de envelhecimento.
Entre 1961 e 2022, as cidades brasileiras cresceram impressionantes 462,7%, saindo de 32 para 180 milhões de habitantes, enquanto a população rural teve uma redução de 7 milhões.
É um crescimento impressionante, porém ainda é preciso considerar um outro dado. Como na década de 1960 tínhamos 53% da população com menos de 20 anos e agora esse percentual é de apenas 28%, e como pessoas dessa faixa etária geralmente moram com os pais, o total de adultos vivendo em cidades cresceu impressionantes 762%.
Ora, com esse imenso crescimento da população urbana, como o esperado, o valor dos terrenos urbanos cresceu vertiginosamente. Quem investiu em terrenos nas cidades ganhou dinheiro.
Assim, é fácil explicar por que os boomers que estão aposentados ou em vias de se aposentar têm preferência por investimentos imobiliários.
No entanto, como costumo dizer, olhar no espelho retrovisor nem sempre é a melhor forma de tomar decisões para o futuro. Eu não posso afirmar que o preço dos imóveis vá parar de subir, porém as previsões demográficas são um tanto mais confiáveis que as previsões econômicas. Vejamos alguns dados.
De 1961 para cá, a taxa de fecundidade das brasileiras começou a cair e, em 2002, chegou a 2,1 filhos por mulher, exatamente a taxa de estabilização da população, pois é preciso dois filhos para substituir pai e mãe e 0,1 é a fração necessária para compensar os indivíduos que morrem antes de atingir a idade reprodutiva. Ou seja, quando a taxa de fecundidade cai abaixo desse número, a população começa a diminuir.
Pois bem, a taxa de fecundidade continuou a cair. Em 2021, chegou a 1,64 filhos por mulher e há estimativas de que em 2022 pode chegar a menos de 1,6.
Estudos otimistas dão conta de que a população brasileira vai continuar crescendo até 2036, quando deveremos atingir 227 milhões de habitantes, um crescimento de 5,7% em relação à população atual, dado que as mulheres em idade reprodutiva são aquelas que nasceram antes de 2002. Porém, talvez tenhamos surpresas pelo caminho. É possível que o censo demográfico deste ano descubra que a população é menor que a estimada e, se a taxa de fecundidade não aumentar, é possível que a população pare de crescer bem antes do esperado.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, estima que na virada do século 21 seremos 180 milhões de brasileiros, ou seja, teríamos uma redução de 35 milhões de pessoas no Brasil. Para termos uma ideia da magnitude dessa queda, seria como tirar de uma única vez toda a população do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e Tocantins.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA, traça cenários de queda ainda maior. A estimativa é que em 2100 a população brasileira poderá ser de 156,4 milhões de pessoas. Isso equivale a uma redução maior do que retirar toda a população atual dos estados de São Paulo e Paraná.
Independente do cenário traçado, o fato é que a população brasileira vai ainda crescer pouco por alguns anos e entrar em uma forte queda depois, a menos que as mulheres brasileiras aumentem drasticamente a quantidade de filhos. Quando pergunto para as jovens mulheres que frequentam minhas turmas na Universidade quantos filhos planejam ter, me mantenho convicto de que a taxa de fecundidade dificilmente vai aumentar.
Dados esses fatos, a pressão de preços sobre os terrenos urbanos vai arrefecer e talvez até cair vertiginosamente.
Os defensores de investimentos em imóveis urbanos costumam citar o déficit habitacional como um fator de crescimento da demanda por imóveis. É verdade que o déficit habitacional é grande no Brasil. Um estudo coordenado pela Fundação João Pinheiro, realizado em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Regional, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), estima que o déficit urbano é de 5 milhões de habitações, frente aos 73 milhões de domicílios existentes.
Entretanto, temos que considerar que, em função do crescimento do valor dos imóveis nas últimas décadas, muitas pessoas investem de forma especulativa em terrenos urbanos. Assim, se existe um déficit habitacional também existe um grande estoque de terrenos que atualmente são mantidos sem uso visando ao aumento dos preços. Caso a demanda comece a cair, é possível que muitos desses imóveis venham para o mercado derrubando os preços.
Como falei no início deste artigo, é bastante difícil desaprender, principalmente as lições obtidas com o sucesso. Espero que os dados apresentados ajudem aqueles que estão aposentados ou próximo da aposentadoria a questionar suas convicções sobre o investimento em imóveis.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br