Orquestra Societária

SONIA CONSIGLIO, CONSELHEIRA, ESPECIALISTA EM SUSTENTABILIDADE

Sustentabilidade: Uma jornada com inteligência
Em 2016, Sonia Consiglio, especialista em Sustentabilidade e Comunicação Empresarial, foi reconhecida pelo Pacto Global da ONU – entre mais de 800 inscrições – como uma das 10 pessoas no mundo que trabalham pelo avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Jornalista e radialista, atuando em Sustentabilidade, Comunicação e Investimento social privado há mais de vinte anos, foi executiva do BankBoston, Itaú Unibanco e B3, tendo também atuado na Febraban. É membro do Conselho Curador da FIA Business School, vice-presidente do Conselho Consultivo do CDP e membro do Conselho Técnico do Instituto Ekos Brasil. É conselheira de administração, membro de Comitês de Sustentabilidade e também colunista do Valor Investe. Foi presidente do Conselho Deliberativo do Índice de Sustentabilidade Empresarial - ISE por dez anos, presidente do Board da Rede Brasil do Pacto Global da ONU e do Conselho Consultivo da GRI Brasil e membro do Stakeholder Council da GRI – Global Reporting Initiative, Amsterdam. É autora do livro “#vivipraver - A história e as minhas histórias da sustentabilidade ao ESG”.

No final de 2021, Sonia Consiglio lançou o livro #vivipraver, uma coletânea de 50 histórias: da Sustentabilidade ao ESG, que retrata de forma leve sua trajetória pioneira de décadas, nestes temas fundamentais ao planeta e às pessoas. O livro contou com as seguintes participações: na apresentação, de Antonio Jacinto; na introdução, de Carlo Pereira; nas contracapas, de Carlos Takahashi, David Feffer, Reinaldo Bulgarelli e Tania Cosentino; no prefácio, de Fábio Barbosa; e posfácio, de Glaucia Terreo. O evento de pré-lançamento do livro #vivipraver, em 16/11/21, foi uma aula de sustentabilidade, seus rumos, desafios, sonhos e realizações - e tornou-se artigo (30/11/21): https://valorinveste.globo.com/blogs/sonia-favaretto/post/2021/11/licoes-de-pioneiros-do-esg.ghtml

Nesta edição, entrevistamos Sonia Consiglio, profissional conhecida pelos leitores desta Revista RI, autora de matérias, entrevistas, artigos e livro sobre sustentabilidade e ESG. Com a pandemia, durante mais de dois anos, nossas entrevistas aconteceram virtualmente. Desta vez, realizamos de forma híbrida: Sonia Consiglio e Cida Hess, presencialmente, em São Paulo, e Mônica Brandão, virtualmente, em Belo Horizonte. Acompanhe a entrevista.

RI: Como você avalia a evolução da Sustentabilidade ao longo do tempo?

Sonia Consiglio: Importante dizer que Sustentabilidade não é uma jornada nova. Podemos citar um dos marcos, ainda em 1987, o “Relatório Brundtland - Nosso Futuro Comum”, da ONU, que trouxe a definição clássica de Desenvolvimento Sustentável: “Desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”. Essa caminhada veio, então, ganhando mais ritmo e tração. Em 2004, no Relatório “Who Cares Win”, Pacto Global e Banco Mundial cunham o hoje famoso termo ESG. Mas são muitos momentos marcantes, muita história... Fazendo uma retrospectiva da minha carreira, tive a oportunidade de estruturar a área de sustentabilidade no Banco Itaú, quando ele adquiriu o BankBoston, em 2006, onde eu era diretora. Isso foi justamente quando esses movimentos estavam ganhando mais espaço. Naquele momento, aconteceu a catástrofe ambiental e social do furacão Katrina (2005) que, na minha visão, deu uma chacoalhada no mundo: alguma coisa estava acontecendo com o meio-ambiente, impactando pessoas e a economia (foi a maior crise do mercado segurador até hoje). Naquela época, vimos também o Al Gore rodando o mundo com o documentário “Uma Verdade Inconveniente” (2006), ressaltando o quanto o aumento do aquecimento global iria prejudicar os negócios, as pessoas e o meio-ambiente. As empresas então começaram a criar suas áreas de sustentabilidade, o que aconteceu no Itaú, com a aquisição do BankBoston. Os bancos e empresários atentos começaram a se localizar nessa conversa, nesses movimentos empresariais. Um deles foi a evolução das áreas de crédito dos bancos, com a contratação de analistas ambientais para avaliarem os impactos desses fatores nas concessões de créditos. Foram quase duas décadas, mas ainda como um movimento paralelo: questões ambientais e sociais de um lado e negócios de outro, só às vezes se encontrando e tangenciando as decisões empresariais. Mais recentemente, nos últimos cinco anos, temos assistido um movimento divisor de águas, em minha visão: a comunidade de investidores chegando muito mais forte e valorizando as empresas que têm práticas ESG e cobrando das que não tem.

RI: ESG é a sigla que define Sustentabilidade atualmente?

Sonia Consiglio: Conceituações técnicas à parte, na prática, sustentabilidade e ESG têm o mesmo significado. Estamos falando de integrar fatores sociais, ambientais, de governança e econômicos, porque juntos, eles têm valor agregado e estão transformando o modelo ainda vigente, predominantemente econômico-financeiro, para uma visão interligada na sua lógica, a visão da sustentabilidade. E qual fator é fundamental nisso tudo? A liderança. O líder dá o tom e indica o caminho. E as lideranças chegaram, fortemente impactadas pela pandemia: presidentes de conselhos de administração e de diretorias executivas e os demais profissionais de instâncias de decisões entenderam que sustentabilidade não é uma pauta acessória e/ou boa de se ter, mas, sim, uma pauta que impacta riscos e oportunidades de negócios.

RI: Qual é o status atual dos temas Sustentabilidade e ESG no mundo?

Sonia Consiglio: Nesta grande jornada, chegamos em 2022 com questões estruturais importantes, como um mercado global de carbono aprovado na Conferência da ONU ano passado (COP26), novas regras surgindo, autorregulação... O mercado vem se estruturando para as questões ESG e esta é a diferença em relação à 10 anos atrás. Há oportunidades absolutamente concretas, como as bem sucedidas emissões de título de dívidas – green bonds, sustainability liquid bonds... O mercado é comprador, tem dinheiro na mesa para isso. E o mercado de carbono começa a se organizar. Há grande expectativa de avançarmos na sua implementação após a COP 27, no Egito. Em resumo, este é um momento rico de estruturação porque possibilita avanços de forma orgânica. No ano passado, Al Gore enfatizou em uma live: “Estamos caminhando para a revolução da sustentabilidade, uma revolução na magnitude da revolução industrial, mas na velocidade da revolução digital”. Essa frase é certeira. É uma revolução na magnitude da revolução industrial, porque muda todos os preceitos com os quais vivemos neste mundo, mas com a diferença da velocidade do digital.

RI: Em muitas empresas, a Sustentabilidade e a administração de negócios pouco se interconectam. Como mudanças efetivas podem ocorrer?

Sonia Consiglio: Se vivemos em um mundo predominantemente econômico-financeiro, é por meio dele, principalmente, que as mudanças acontecerão. Quando vemos a comunidade de investidores e o setor financeiro entendendo o valor agregado das questões sociais, ambientais e de governança, concluímos que há uma boa possibilidade de mudança estrutural. O principal desafio é trazer as questões ESG para dentro das estratégias empresariais. Quando se está no Conselho de Administração ou na Diretoria Executiva, traçando os rumos por meio do planejamento estratégico, se não integrarmos aqui as questões Sociais, Ambientais e de Governança, eu brinco que estaremos fazendo um puxadinho ESG. Depois que se tem o produto ou o serviço, como associar as questões socioambientais? Até dá. Mas esse puxadinho corre o risco de cair mais para frente, por falta de base. Reconheço que o desafio não é simples, é um exercício que começa do Conselho de Administração, que determina as estratégias para a companhia. Se a agenda ESG não for discutida no âmbito do Conselho, o CEO e os demais executivos, se estiverem convencidos da necessidade, até poderão fazer um trabalho importante. Mas será com mais esforço e entropia. O Conselho dá a direção, tem a visão de longo prazo. Novamente, trazer as questões ESG para estratégia é o principal desafio e é um exercício que, em minha visão, as empresas estão assumindo. Ainda há várias dúvidas: Como fazer? Qual é o melhor caminho? Por onde começar? Como fazer de forma perene? Mas, primeiramente, é importante entender que a agenda ESG tem que estar presente na estratégia, para ela ser transformacional e fazer parte da cultura, do modo de ser da empresa. Trazer a preocupação com as pessoas e o meio-ambiente, de forma certa e com a melhor governança, agregando-a ao jeito de ser da empresa é um exercício. Foi publicado um artigo meu no jornal Valor Econômico, em cujo texto observo: “Ninguém dorme e acorda sustentável”. É uma jornada, que precisa de liderança, seriedade, calma, sem movimentos críticos; na força não vai acontecer – não se impõe uma agenda. A transformação não se dá pelo enfrentamento, ainda que, às vezes, sejam necessários movimentos disruptivos, que façam avançar. Mas penso que é preciso somar forças e ter uma visão crítica construtiva para endereçar o que não se está vendo; senão se perde muita energia.

RI: Qual é a sua visão sobre a Governança Corporativa, no contexto ESG?

Sonia Consiglio: A Governança Corporativa é a base. No tripé da Sustentabilidade – Econômico, Ambiental e Social –, eu coloco a Governança na base, porque é a forma como fazemos as coisas, como nos organizamos, como tomamos decisões. Com que transparência, com quais mecanismos? Eles devem garantir que essas questões estejam acima das pessoas. Devem estar nas estruturas, nas políticas, nos mecanismos de proteção e de controle das estruturas de governança das organizações.

RI: Em um ambiente empresarial com grande concentração de propriedade, como convencer sócios controladores da importância da Sustentabilidade e de ESG?

Sonia Consiglio: Tenho falado muito com famílias, herdeiros, sócios controladores, conselhos de administração – com todos os níveis. O que faz a diferença? Fatos e dados. Quando as pessoas entendem, elas se mobilizam. Temos aqui um desafio de linguagem. Precisamos identificar bem com quem estamos falando e adaptar o conteúdo. Recentemente, fui entrevistada por uma aluna de 14 anos de uma escola de Ilhabela. O conteúdo compartilhado com ela foi o mesmo divulgado em outros contextos, mas mudei a abordagem. O desafio é de letramento (tenho usado muito essa palavra), das pessoas entenderem profundamente a agenda ESG. Por que um mercado de carbono? Por que a diversidade? Por que cuidar da desigualdade social? Por que tratar dessas questões na empresa? Minha narrativa, em palestras e aulas, se baseia em pesquisas, tendências e fatos, porque os líderes empresariais são pessoas lógicas. O papel que eles exercem é de controle e, historicamente, focado no mundo econômico-financeiro. Como trazer esses temas de maneira que sejamos ouvidos? De novo: organizo meu discurso com base em fatos e dados, adequando-o ao público. Houve um tempo em que os profissionais de sustentabilidade diziam muito: “As pessoas não entendem o que falamos”. O problema, então, eu respondia, é seu, que não soube passar sua mensagem. Identifico dois desafios clássicos para inserção da sustentabilidade na cultura de uma empresa: letramento e conhecimento. Quando o líder entende o impacto no seu business e o papel que tem que exercer na condução dos negócios em um mundo mais complexo, será quase intuitiva a obrigatoriedade de implementação das práticas ESG. Faço uma correlação com o movimento da Qualidade Total nos anos 90, com a implantação das ISOs. As áreas de qualidade eram enormes, tinham cerca de 80 a 100 pessoas só para cuidarem dessa temática. Essas áreas acabaram, porque ou se tem qualidade nos produtos e serviços, ou os produtos não serão colocados no mercado. Abriu-se mão da palavra “Qualidade”, porque ela se tornou atributo. Acredito que a Sustentabilidade terá um caminho semelhante, com uma complexidade maior, claro. Em algum dia no futuro, quando se for elaborar o planejamento estratégico, desenvolver produtos e serviços nas empresas, todas essas variáveis estarão juntas, e não será necessário mais pensar na sigla ESG.

RI: Você menciona a importância do letramento e da comunicação. Poderia haver algum ruído de comunicação entre quem defende questões econômicas e questões socioambientais? Seria esta a razão de parte dos líderes empresariais interpretar sustentabilidade e ESG como meramente “reduzir a poluição” e “praticar filantropia corporativa”?

Sonia Consiglio: Como especialista, não creio que o problema seja ruído de comunicação. Penso que é, ainda, uma necessidade de organizar as informações da agenda ESG e criar uma comunicação eficaz. Não é simples! Muitos líderes têm dúvidas: o que a desigualdade social e o aquecimento global têm a ver com o nosso negócio, se estamos aqui para gerar lucro para os acionistas? Por que temos que nos envolver com a desigualdade social na base da pirâmide? Com o aquecimento global? O que nós temos a ver com isso tudo? É preciso aproximar as águas, criar entendimento e fazer com que a sustentabilidade faça sentido para o negócio. O discurso ESG tem que estar conectado com o business, sempre. Apenas dizer que o mundo está se tornando mais aquecido e que o nível do mar está subindo não irá mobilizar, por mais que um líder seja sensível a esses fatos. É preciso aproximar as informações desses mundos da Governança, do Social, do Ambiental e do Econômico em uma lógica que faça sentido para o líder e para a empresa. É preciso o olhar com o sentido do negócio. E é preciso ter empatia nesse diálogo. Há algum tempo, passei cerca de duas horas com um executivo absolutamente cético e tive que trabalhar intensamente para abrir o seu espaço de escuta. Muitas vezes, esse espaço não está aberto, a pessoa já tem preconceitos, ideias formadas, ela deseja apenas falar e não quer ouvir. É preciso ter uma postura empática, entender o perfil daquela pessoa e refletir sobre como ela irá abrir a sua escuta, se “desarmar”. A linguagem é fundamental. O uso da sigla EESG (que propus em artigo no Valor Econômico / Valor Investe em abril de 2020) resume essa lógica de interconectar Ambiental, Social, Governança e Econômico também na linguagem.

RI: No plano da comunicação: se Sustentabilidade tem custos, como mudar o foco para sua importância e retorno econômico?

Sonia Consiglio: Se olharmos ESG como mais uma variável de um produto ou serviço, ela vai custar sim, assim como tecnologia, marketing e pessoas. De novo, o entendimento sobre ESG é muito importante. Tenho um exemplo do qual gosto muito e uso em minhas aulas e palestras, que é uma declaração do presidente da Vivo, Christian Gebara, que foi capa de uma revista Forbes dedicada a ESG. Perguntaram a ele: “Quanto você destina para ESG? Qual é o seu budget?”. Ele respondeu: “Depende do que você entende sobre ESG. Esse é o nosso negócio, mas quando você chega a uma cidade levando conexão de internet, você também está desenvolvendo aquela comunidade, está levando mais acesso a educação, a serviços bancários, cultura, entretenimento, saúde”. O presidente da Vivo parece ter entendido que ESG não é uma caixinha separada do produto, um puxadinho, e agirá de modo coerente com esse entendimento. Quando eu era executiva e me perguntavam sobre o custo das ações ESG, eu respondia: “Não sei, pois eu teria que considerar o orçamento da companhia inteira. ESG está em todas as áreas, é transversal”. A abordagem do “quanto custa” não faz sentido muito para mim, se for vista de forma isolada. Por exemplo, para atingir uma meta NetZero, é necessário transformar o sistema de produção da empresa e, portanto, fazer investimentos em novas tecnologias. Mas não são por causa do ESG esses investimentos, são por causa da sobrevivência do business. Se uma empresa é intensiva em combustível fóssil, daqui a determinado tempo não vai mais poder operar. Os investimentos em novas tecnologias para transformar os modelos de negócio são para se tornarem perenes, não são um custo ESG.

RI: Publicamos, na edição: Dez.2020 da Revista RI (no. 247), o artigo ESG: Modismo, Sobrevivência ou Conscientização. Qual é a sua opinião sobre essas possiblidades?

Sonia Consiglio: ESG é sobrevivência, que passa por conscientização. Sem conscientização, não é possível realizar. Tem um quê de modismo, porque ganhou o mundo, é “a sigla mais famosa das galáxias”, como costumo brincar. Mas se pensarmos em modismo como uma moda que vai passar, ESG está longe disso. Então, é sobrevivência. Atualmente, é interessante notar que quando as empresas entrevistam candidatos, elas é que são entrevistadas. Os candidatos querem saber: “Qual é o propósito da empresa? Qual é a política de diversidade? O que está sendo feito sobre a questão do clima?”. Para atrair ou reter talentos, é necessário ter essa agenda. Existem quatro forças que operam sobre as empresas, pressionando ou estimulando a adoção da agenda ESG: consumidores, investidores, funcionários e a legislação.

RI: Sobre a agenda ESG na empresa: como ela pode ser internalizada, tornando-se parte da estratégia e, portanto, de produtos e serviços?

Sonia Consiglio: Existem vários cenários diferentes quando tratamos de empresas. Quando uma organização tem na raiz do seu negócio um impacto ambiental, é óbvio que ela olha há mais tempo para essas questões. Pode olhá-las com mais ou menos paixão, com mais ou menos propósito. Mas quando existe impacto ambiental, utiliza-se de recursos da natureza, a empresa já nasce com uma lógica alinhada à agenda ESG. Gosto de encerrar minhas apresentações com essa frase: “A agenda ESG entrará na empresa por três caminhos: pelo amor, pela dor ou pela inteligência”. Amor é acreditar, desde o início, querer fazer dessa forma por uma questão de propósito. A dor é a perda de imagem, reputação, valor em bolsa, recursos financeiros por não ter implantado essa agenda. Talvez a empresa nem acredite nessa história, mas não quer “sofrer de novo” e, então, manda alguém cuidar dessas questões. A inteligência é a visão de que é para lá que a empresa e o mundo irão; quanto mais rápido for, mais a empresa se diferenciará e menos energia gastará. Que a agenda ESG venha pelo amor, pela dor, ou pela inteligência, não importa muito. Se fizer só “para se dar bem”, tudo bem, o importante é que venha. No meio do caminho, ela entenderá a importância. Mas claro que se for pelo amor e pela inteligência, será muito melhor!

RI: Como avalia ESG no Brasil, vis-à-vis do contexto internacional?

Sonia Consiglio: Meu ponto de vista é sobre o setor privado, o meu lugar de fala. Não existe hoje uma iniciativa internacional de sustentabilidade que não tenha brasileiro envolvido, liderando ou participando ativamente. Não existe nada no mundo sobre o assunto que não estejamos fazendo no Brasil, do ponto de vista das empresas. Há cerca de um mês, o prefeito da City Londrina, Vincent Keaveny, veio ao Brasil e participou de uma série de reuniões. Ele declarou na ocasião que os bancos brasileiros estão no mesmo patamar dos bancos londrinos, que a agenda é a mesma em termos de tecnologia, inovação e finanças verdes. E sempre vale lembrar: o Brasil, historicamente, tem um papel incrível nessa agenda. A ECO 92, no Rio de Janeiro, foi uma conferência emblemática, quando foi estabelecido para o Meio-Ambiente o similar à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nasceram na Rio+20.

RI: Sobre o ISE B3: pode-se afirmar que as empresas dessa carteira são sustentáveis?

Sonia Consiglio: Esta é uma ótima pergunta. Nenhuma empresa é sustentável. Isso não existe, pois seria algo estático e a agenda empresarial é dinâmica. É preciso implementar sempre novas práticas, a régua sobe, porque o mundo evolui e surgem novas demandas e cenários. Presidi, por 10 anos, o Conselho Deliberativo do ISE. Dizíamos que nenhuma empresa tirava “nota 10” no índice. Se uma empresa realmente fizer tudo que o índice exigir, o índice estará errado, porque os desafios são móveis. Esta é a complexidade do mundo em que vivemos! Então, na verdade, a ideia de empresa sustentável não tem sentido. Empresas estão em evolução permanente. O que sim, podemos afirmar, é que uma empresa que compõe um índice de sustentabilidade de qualquer bolsa de valores do mundo foi escolhida como uma referência, por adotar as melhores práticas dentro daquela metodologia. Quando me pedem para dar um exemplo de empresa sustentável, respondo: considere as empresas dos índices de sustentabilidade. Aproveito para lembrar que o Brasil lançou o 4º índice de sustentabilidade do mundo, o ISE, em 2005, após apenas os de NY, Londres e África do Sul. O ISE, na verdade, começou a ser pensado antes do índice da África do Sul. Mas o nosso processo de construção foi coletivo e foram feitas muitas discussões que levaram seu tempo, ótimo tempo investido.

RI: Como medir a evolução das empresas quando se pensa em Sustentabilidade? Qual deve ser o set mínimo de indicadores?

Sonia Consiglio: Mensuração é um dos pontos mais importantes; o que não se mede, não se gerencia. E é preciso dar fim ao mito de que questões ESG não são mensuráveis. Há uma série de instrumentos no mercado, é preciso entender o que faz mais sentido para cada empresa. É preciso buscar qual o framework, identificar o instrumento que mais faça sentido para aquilo que se pretende medir, dependendo da natureza da atividade. Toda empresa tem que olhar para sua ecoeficiência – quanto está consumindo de água, luz, fazer o inventário de emissões de gases de efeito estufa. Ter uma agenda mínima do social: medidas de contratação de fornecedores, compras, critérios ESG nos processos, boas práticas de mercado... E medir tudo isso. O importante é medir, acompanhar e dar transparência, criando, ao mesmo tempo, sentido para as pessoas dentro da empresa. Deve-se criar um dashboard para o Conselho de Administração acompanhar as métricas, ver o que está acontecendo. Quando o Conselho analisar, por exemplo, as demonstrações financeiras trimestrais, devem ser apresentadas também as informações sociais e ambientais. Esta é a lógica de integrar todas essas questões, de incluí-las na estrutura padrão; é assim que acontecerá a transformação. Quais são os melhores frameworks? A variedade grande ainda é um caos necessário. Mas sempre que possível, é importante convergir. Vários movimentos para tentar fazer convergência de frameworks já aconteceram e são superpositivos. Quando eu era presidente do Conselho do ISE, fazíamos correlações de suas perguntas com a GRI e o CDP. Hoje eu sou vice-presidente do conselho do CDP e ele tem total convergência com o TCFD. Esses movimentos vão acontecer cada vez mais. É importante que toda empresa tenha uma agenda mínima nesse contexto, que resumo em: 1) Elaborar Relatório de Sustentabilidade pelo modelo GRI, SASB (setorial), TCFD e/ou Relato Integrado; 2) Empresa - ser signatária do Pacto Global da ONU e responder ao CDP; e 3) Gestor de ativos, detentor de ativos, prestador de serviço - ser signatário do Principles for Responsible Investment (PRI).

RI: Como a pandemia tem impactado empresas e outras organizações nessa jornada?

Sonia Consiglio: A pandemia foi, de fato, um divisor de águas para o ESG. Por quê? Eu entendo que, pela dor de uma pandemia, nós percebemos que o mundo é interligado: uma questão de saúde/social, relacionada ao meio-ambiente, colocou as economias em lockdown. Como nunca, percebemos que não é possível separar esses fatores. Por óbvio, a pandemia deu muito destaque ao “S” do ESG - as questões sociais -, porque impactou nas pessoas diretamente. Emergiram preocupações com funcionários, fornecedores, cadeia de valor, interdependência, entre todos. O “S” saiu muito fortalecido dessa tragédia pela qual todos passaram. A conexão entre todas as dimensões é o maior ganho dessa dor, de realmente perceber que as questões são interligadas e não podem ser tratadas em caixinhas separadas. Demorará décadas para que possamos capturar tudo o que vivemos de 2020 a 2022: perdas de vidas, mudança de lógica (lockdown), de como gerar riqueza, de como alimentar as famílias, violência doméstica e muito mais, em uma complexidade de questões sociais, ambientais e econômicas que transformaram a nossa forma de ver o mundo – e ainda estamos absorvendo tudo isso. São grandes os desafios do mundo, e isso, sem mencionar uma guerra (Rússia-Ucrânia), antes mesmo do fim da pandemia.

RI: Poderia compartilhar um momento importante que destacaria em sua profícua trajetória profissional?

Sonia Consiglio: Um marco na minha trajetória é o reconhecimento que recebi do Pacto Global da ONU, em 2016 (1º ano da iniciativa), entre mais de 800 inscrições, como SDG Pionner, uma das 10 pessoas do mundo que trabalham pelo avanço dos ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Primeiro por que ele reforça que eu estou no caminho certo, que o que eu tenho feito há décadas é um caminho interessante para o mundo, para mim e para as pessoas. Ele reconhece a minha trajetória e me traz uma responsabilidade de continuidade, de engajar mais pessoas, promover mais a agenda dos ODS e de sustentabilidade como um todo – um contexto que muito me orgulha e me desafia a continuar fazendo a diferença, como a ONU reconheceu.

RI: Para finalizar, poderia comentar sobre como surgiu a ideia e a materialização de seu livro “#vivipraver”?

Sonia Consiglio: Como jornalista, sempre quis publicar um livro. Eu já tinha feito uma publicação independente das minhas crônicas. Mas, quando fiz a migração da carreira de executiva para conselheira e comecei a atuar em uma série de atividades diferentes relacionadas a ESG, parei para pensar que eu já tinha uma carreira bastante longa, com fatos que poderiam ser interessantes para outras pessoas. Uma amiga me apresentou à Heloísa Belluzzo, que é hoje a minha agente literária, uma pessoa incrível, e o livro nasceu. Nele, conto histórias que vivi nas empresas em que atuei relacionadas à sustentabilidade, relacionando-as com os ODS e com marcos da sustentabilidade no Brasil e no mundo, citando as pessoas que passaram pelas situações junto comigo. Porque ninguém faz nada sozinho. O “#vivipraver” é uma concretização de uma trajetória realizada com muito carinho e muita paixão, e é dedicado à minha mãe, minha grande inspiração na vida.

NOTA: Links recomendados pela conselheira Sonia Consiglio, citados na entrevista:

- Valor Investe: https://.globo.com/blogs/sonia-consiglio/
- Global Reporting Iniciative (GRI): www.globalreporting.org/
- Sustainability Accounting Standards Board (SASB): www.sasb.org/
- Integrated Reporting: www.integratedreporting.org/
- Principles for Responsible Investment (PRI): www.unpri.org/
- United Nations Global Compact: www.unglobalcompact.org/what-is-gc
- CDP: www.cdp.net/en


Cida Hess

é economista e contadora, especialista em finanças e estratégia, mestre em contábeis pela PUC SP, doutoranda pela UNIP/SP em Engenharia de Produção - e tem atuado como executiva e consultora de organizações.
cidahessparanhos@gmail.com

Mônica Brandão
é engenheira, especialista em finanças e estratégia, mestre em administração pela PUC Minas e tem atuado como executiva e conselheira de organizações e como professora.
mbran2015@gmail.com


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