Fórum Abrasca

NOVAS TECNOLOGIAS IMPÕEM UM NOVO LIMIAR PARA OS MERCADOS FINANCEIRO E DE CAPITAIS

Ao longo deste ano, a Abrasca realizou vários eventos para discutir novas tecnologias digitais que têm potencial para mudar profundamente os mercados financeiro e de capitais no Brasil e no mundo. As mudanças já deixaram sinais claros. Um deles foi a entrada de novos atores no mercado de capitais, que durante décadas foi acessado somente pelos especialistas iniciados e que conheciam em detalhes os meandros das operações. 

Hoje, os influenciadores digitais falam cada vez mais sobre investimento em ações. As ferramentas para efetuar aplicações em bolsa, desenvolvidas pela nova tecnologia, foram simplificadas e tudo agora pode ser feito por um celular. Esses foram alguns dos fatores que contribuíram para popularizar o mercado, que em poucos anos pulou de 500 mil para mais de 5 milhões de investidores individuais na bolsa brasileira. 

É um processo positivo que começa a minar a tradição de que o investimento apropriado para o pequeno investidor é a renda fixa. Estamos, portanto, falando de um processo de mudança estrutural, que está apenas começando. 

Foi justamente esta percepção que levou a Abrasca, no início de novembro, a convidar Otto Lobo, diretor da Comissão de Valores Mobiliário (CVM) para ajudar as associadas a compreenderem o entendimento da autarquia sobre os criptoativos, mercado que cresceu expressivamente nos últimos anos.

Afinal a CVM deu importante contribuição ao desenvolvimento deste mercado ao elaborar o Parecer de Orientação 40, se tornando o primeiro regulador do mundo a tratar da questão de criptoativos por meio de uma norma de orientação. O parecer foi bem visto e aceito pelos agentes que atuam neste segmento. Eles entendem que a presença da lei e do xerife aumenta a percepção de segurança pelos investidores.

Os segmentos do mercado de criptoativos não valores mobiliários, que são bens como outros quaisquer, são verdadeiros faroeste onde grandes oportunidades e grandes riscos, exigem mira certeira, rapidez no gatilho e muita coragem.

A CVM identificou os criptoativos que envolvem o fator que é a fidúcia para fazer um recorte desses que cabem na caracterização legal dos valores mobiliários. Assim, trouxe para si a responsabilidade e o papel de disciplinar esse mercados, o que amplia a segurança oferecida.

É relevante o fato da autarquia ter definido os limites de sua atuação, deixando claro que o parecer tem um caráter de recomendação e orientação. O objetivo é, precipuamente, garantir maior segurança, previsibilidade e proteção ao investidor. 

O Parecer reúne as decisões tomadas pelo colegiado da autarquia em processos sancionadores, em ofício de alerta ao mercado e outros documentos emitidos sobre criptoativos. Segundo Otto, foram consultados também contratos redigidos pelas empresas do setor, documentos que refletem experiências vividas com os clientes e que tem muito valor.

O Parecer revela o cuidado que a autarquia teve ao regulamentar esta nova categoria de ativos. É um passo importante que permite construir normas consistentes e duradouras sem desestimular iniciativas que podem ser relevantes para as empresas e o mercado.

Na verdade, a CVM já demonstrou estar aberta para este novo mundo: um exemplo disso é a sua experiência com o Sandbox Regulatório; na promoção de educação financeira e na forma de se comunicar e interagir nas redes sociais, adotando uma postura proativa e dinâmica.

Iniciativa elogiada
Na avaliação dos especialistas que debateram o tema no webinar, o Parecer 40 passou com louvor. Eles ressaltaram a coragem da autarquia em editar um parecer sobre uma questão sobre a qual ainda não há legislação específica. Otto Lobo, aliás, destacou que esse ponto foi o que travou o avanço da CVM na regulamentação. 

No Congresso, o Projeto de Lei 4.401/2021, que regula o mercado de criptoativos no Brasil, foi aprovado no Senado e encaminhado à Câmara dos Deputados para passar pela fase final de aprovação. No projeto, as exchanges de criptomoedas poderão vender ações, debêntures e outros ativos mobiliários tokenizados.

A regulamentação é aguardada por todos, principalmente pelas empresas que atuam neste segmento. Elas entendem que lei e normas são fundamentais para garantir o crescimento deste mercado, cujo potencial é imenso.

Apenas como exemplo cabe citar que dados consolidados pelo Banco Central mostram que em dezembro de 2021 o mercado de criptoativos movimentou no Brasil cerca de R$ 300 bilhões. Este valor equivale a 50% do montante (R$ 600 bilhões) de ativos de renda variável (ações, fundos, BDRs e ETFs) negociados na B3, no mesmo período, de acordo com dados reunidos pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). 

No webinar, a discussão não ficou restrita aos criptoativos. Foram avaliadas as mudanças profundas que estão a caminho e que já alteraram a forma de produzir, negociar, comunicar e viver. Foi sugerido aos reguladores repensar suas funções e valores.

Na verdade, esse é um desafio grandioso para os reguladores de todo o mundo e a única recomendação é seguir pelo caminho da adoção de normas mais amigáveis. 

Os novos sistemas tecnológicos têm por princípio derrubar barreiras, o que torna qualquer tipo de controle difícil e complexo. Se um país faz uma restrição, o investidor simplesmente vai operar em outro onde não existem tantas limitações.

O dilema para os reguladores está posto e a saída é sentar para conversar com quem tem que cumprir as regras.


Eduardo Lucano da Ponte
é presidente-executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).
abrasca@abrasca.org.br


Continua...