Ponto de Vista

2023 É MAIS UM ANO NA DIREÇÃO DE UMA NOVA ERA...

Escrever e argumentar sobre o futuro é sempre uma tarefa dificílima, senão impossível. Além de opaco, o futuro depende da continuidade infinita do presente que construímos. Assim sendo, prefiro elaborar e argumentar a partir de tendências estruturais ao invés de especular sobre uma realidade que alguns denominam de “objetiva”. Uma coletânea de previsões comparadas posteriormente ao que ocorreu quase sempre demonstra que não há identidade entre elas.

Não resta dúvida que estamos numa era de crise continuada do capitalismo. Interessante notar que as crises modernas se tornaram de fato a “normalidade” do andamento das economias e das sociedades. Não se pode mais afirmar que as fortes oscilações dos mercados e a variação sistemática das expectativas sobre a economia e os fatores sociais caracterizam uma “estação temporária” que nos levará à normalidade no futuro. Estamos numa era onde os riscos se tornaram cada vez mais a essência dos processos políticos e sociais. Ademais, os próprios riscos têm sido engrandecidos.

Do ponto de vista estritamente econômico podemos afirmar que o cenário é mais dark que foi no ano de 2022. Afora os ajustes fiscais e monetários em curso nas economias centrais do capitalismo (o que inclui a China, por óbvio), estamos diante de dores mais profundas que descem aos temas geopolíticos – a possibilidades de conflitos crescentes como a guerra da Ucrânia -, bem como, crises que desorganizaram os canais de suprimento como no caso da pandemia do covid-19. Pesquisas junto aos líderes das maiores empresas do mundo, promovidas pelo World Economic Forum, indicam que, depois de longo período (1990-2015) de continuada globalização das economias, verifica-se uma perigosa fragmentação, derivada direta dos conflitos entre grandes interesses de Estados e empresas.

As movimentações da Rússia, para além da guerra da Ucrânia, o complicado status das relações entre os EUA e a China e a hesitação política da União Europeia perante o cenário mundial, são fundamentos que construíram este processo de fragmentação. De outro lado, as externalidades do clima e do meio ambiente se tornaram globais neste exato contexto de fragmentação. Aqui, o melhor exemplo é o relativo fracasso da COP-27, recentemente encerrada no Egito, frente aos avanços necessários para reduzir os riscos climáticos Em verdade, os temas supranacionais carecem de razoável enforcement  o que torna o campo diplomático calcado no terreno pantanoso das conveniências políticas de cada Estado. O ordenamento internacional é marcado pelo exclusivo exercício da força de quem mais pode em termos econômicos e militares.

No campo político, verifica-se uma dissociação entre a política e poder. De fato, a sociedade em rede, ao invés de propagar soluções comuns dos conflitos, passou a ser fonte de conflitos: as fake news são a manifestação clara de que o poder político legitimado pelos modelos historicamente construídos, estão sob forte contestação. As narrativas substituíram os programas políticos e sociais, a autoridade sucumbiu à necessidade de pactuar com as turbas virtuais e o exercício do poder tornou-se meramente funcional, segundo as conveniências do momento em detrimento da construção do médio e longo prazo. Parte importante do eleitorado das vinte maiores economias mundiais estão sob o risco do populismo e dos sistemas autoritários. A eleição de 2022 é mera ilustração do que ocorre mundo afora.

Nesse diapasão, as variáveis clássicas da análise econômica (crescimento do PIB, inflação, endividamento público e privado, salários, dinâmica fiscal, tributos e política monetária) se tornaram muito difíceis de serem projetadas e analisadas vez que fatores estruturais passaram a influir de forma determinante. Veja-se, a título de ilustração, o peso que o aumento do custo e a incerteza de suprimento de energia determinaram em relação ao andamento da economia mundial em 2022 em função da guerra da Ucrânia. A pandemia, de outro lado, foi o fato econômico mais relevante desde a II Guerra Mundial.

Os temas que de forma sumária foram elencados acima determinam que 2023 será mais um ano de forte teste da resiliência dos Estados e das sociedades em relação à solução de temas estruturais. A conjuntura está absolutamente condicionada pelas incertezas estruturais que reinam no mundo – estamos numa crise de enorme transformação social, política e econômica, cujo desfecho não temos como precisar minimamente.

O capitalismo atual dá sinais de esgotamento, em vista aos imensos gaps entre a renda dos mais ricos e mais pobres, bem como, pelo espalhamento de uma desigualdade funcional dos entes como jamais visto – o controle da tecnologia por uns em detrimento da maioria é a moderna face da submissão humana e, quiçá, uma nova modalidade de escravidão. A vestimenta neoliberal e os seus postulados políticos e econômicos desde os 1980s não serve mais aos propósitos deste momento histórico.

Os modelos políticos e sociais que precisam ser construídos necessariamente terão de ser cooperativos vez que os riscos, especialmente climáticos, não diferenciam empresas, nações e Estados. Para tanto, precisamos construir visões e objetivos comuns que sejam capazes de levar toda a humanidade ao progresso inclusivo, convergente, justo e que eleve os padrões de vida. Uma nova educação é necessária para todos, em novos padrões e com objetivos mais abrangentes. O Estado precisa ser reconstruído para atender aos anseios sociais, à distribuição de renda, ao novo balanceamento dos gastos fiscais e orçamentários, atrair os investimentos privados e públicos para as novas necessidades, criar uma economia sustentável, financiar a transformação do setor privado e diminuir as diferenças regionais das e dentro da nações. Ademais, isso tudo tem de contar com instituições internacionais que possam ser respeitadas e fortalecidas para liderar os processos globais.

As perspectivas de 2022 estão umbilicalmente ligadas ao que construiremos para sobrevivermos na nova era, de forma civilizada e sustentável.


Francisco Petros
é economista e advogado especializado em direito societário, ESG e governança corporativa. É membro de comitês e conselhos de administração de empresas e conferencista no Brasil e no exterior.
francisco.petros@fflaw.com.br


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