ESG E A EMPRESA CIDADÃ: DA ESTRATÉGIA À EXECUÇÃO
Como nos comprometemos na edição anterior, damos continuidade ao projeto ESG: uma partitura que está sendo escrita, apresentando os insights e contribuições da quinta entrevistada, Debora Santille, conselheira de administração e fiscal, certificada pelo IBGC desde 2016 - de uma sequência de 12 conselheiras de administração altamente qualificadas, certificadas pelo IBGC. Observamos que o projeto em questão abrange 12 conselheiras com experiência sólida em temas de grande importância para corporações e os mercados financeiro e de capitais, como governança corporativa, gestão, business, sustentabilidade, ESG, inovação, tecnologia e transformação entre outros.
Debora Santille tem mais de 20 anos de atuação como executiva em empresas nacionais e multinacionais. Exerceu posições C-Level, em Finanças, Estratégia, Governança Corporativa e Administração Geral. Vem atuando em Conselhos de Administração, Fiscal, Comitês de Auditoria e de assessoramento em Conselhos Consultivos.
Débora tem conhecimentos multidisciplinares adquiridos em diversos setores da economia e da Administração Pública e Privada, com destaque para o bancário, de serviços financeiros, mercado de capitais, seguros, tecnologia da informação, turismo, saúde, comércio exterior, logística integrada & armazéns, alfandegário (porto seco), construção civil, telecomunicações, infraestrutura e agronegócios, com ampla experiência com empresas holdings, conglomerados econômico-financeiros e grupos de empresas com controle multifamiliar. E conhece em profundidade vários mercados desregulamentados e altamente regulamentados. A seguir, acompanhe a entrevista.
RI: Como fazer com que o propósito da organização, relacionado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, se materialize na realidade prática e, portanto, nos resultados organizacionais?
Debora Santille: Antes de tratar do propósito, é importante fazer um retrospecto sucinto sobre como esse conceito surgiu. Sua origem é a responsabilidade social corporativa, que evoluiu da ideia preliminar de filantropia, limitada, para o conceito de cidadania corporativa e, portanto, de empresa cidadã. A empresa cidadã é a base subjacente aos ODS da ONU. O propósito tem a ver com a razão de ser da organização – no Brasil, está relacionado ao seu objeto social – e a empresa cidadã é aquela comprometida com diversos públicos stakeholders e o planeta em que vivemos. Após muitas discussões e amadurecimento, várias grandes empresas lançaram e seguem expressando seus respectivos propósitos, alinhados aos ODS ou mesmo a outras referências, por elas consideradas importantes como contribuição para um mundo melhor. A empresa cidadã tem compromissos que vão além dos sócios e precisa responder a diversas perguntas, tais como: onde estou? Para onde vou? Quais populações minhas atividades impactam? O quanto dependo dessas populações? De quais recursos naturais renováveis e não renováveis preciso para produzir e entregar produtos e serviços sustentáveis? Qual é o meu compromisso com as gerações presentes e futuras? Como devo capacitar meus empregados para atender a esses compromissos? E quanto aos clientes? Se a empresa está atuando com tomadores de seus produtos e serviços, é preciso entender o que ocorre com os clientes: eles podem não mais comprar por desinteresse, perda de poder aquisitivo e outras razões. É importante entender que a empresa cidadã se comporta independentemente do modelo ou modelos de negócio que adotar, inclusive em sua criação. Podemos identificar, não apenas no Brasil, na economia global, muitas empresas que mantêm, desde os primórdios, o mesmo modelo de negócio, mesmo com diversificação de suas linhas de produtos e serviços. E existem empresas que mudaram significativamente ou totalmente seu modelo de negócio com o passar do tempo. Para a cidadania corporativa, manter o modelo de negócio original ou evoluir não é o cerne da questão, pois o que importa é o comprometimento de sócios e líderes organizacionais com um propósito que reflita algo maior e além da visão econômica, o que tem a ver com princípios e valores internos. Modelos de negócios se mantêm ou se renovam, mas o comprometimento nasce dentro dos sócios e líderes da organização, de suas convicções pessoais. Dito isso, noto que se os ODS da ONU ou outras referências externas consideradas válidas pelos sócios e líderes não têm relação direta com a empresa, é possível criar um propósito consistente com um ou mais ODS e tornar a empresa cidadã, por meio de objetivos estratégicos consistentes com o propósito estabelecido. Sendo assim, essa empresa terá uma atuação que faz sentido para o seu modelo ou para os seus modelos de negócio, revisando ou criando processos em busca de uma atuação sustentável.
RI: A senhora poderia discorrer mais sobre a cidadania corporativa e a empresa cidadã? Em sua visão, ser uma empresa cidadã é requisito de uma Orquestra Societária?
Debora Santille: Em setembro do ano de 2000, líderes de 189 países se encontraram na sede das Nações Unidas em Nova York e aprovaram a Declaração do Milênio, um compromisso para trabalharem juntos na construção de um mundo mais seguro, mais próspero e mais justo. Penso que, naquele momento, eles fizeram um pacto que continha, entre seus pressupostos mais importantes, a cidadania corporativa, a ideia de empresas cidadãs. Cidadania corporativa significa a maneira como as corporações se envolvem com a sociedade como um todo. Para isso, são levados em consideração todos os tipos de relações, incluindo aquelas com governos, clientes, parceiros, funcionários e a comunidade em torno da empresa. Isso abrange, ao final, todos os stakeholders ou partes interessadas. Conforme expressamos anteriormente, a cidadania corporativa aporta os princípios e valores de seus sócios à frente do negócio e esses elementos são mais importantes do que os fenômenos de mercado impostos. Esses princípios e valores vêm de dentro, da essência dos executivos que são, afinal, seres humanos que também exercem sua cidadania. A cidadania corporativa, no fundo, é criada por questões éticas. Implica não apenas responsabilidade econômica, como também social e ambiental das organizações, que têm compromissos legais, regulatórios e vários outros, de acordo com a visão de seus acionistas e líderes. A cidadania corporativa tem se tornando cada vez mais importante, à medida que investidores individuais e institucionais começam a procurar empresas que tenham orientações e práticas ambientais, sociais e de governança responsáveis. Com base no exposto, a Orquestra Societária requer sócios e líderes com princípios e valores que extrapolam a visão econômica, que refletem ética e propósito (aliás, expressos na figura da Orquestra). Sendo assim, podemos afirmar que, sim, que ser uma empresa cidadã é imprescindível a uma Orquestra Societária. Sem isso, como se poderá alcançar um Modelo de Gestão Sustentável (MGS)?
RI:. Para cada um dos cinco vértices da estrela, elementos básicos da arquitetura de uma organização, perguntamos: quais são os fatores críticos mais relevantes para que a sustentabilidade e ESG seja bem-sucedidos nas organizações, à luz do propósito?
Debora Santille: Modelo de negócio e estratégia – considerando o G, de ESG, o principal desafio que desponta é definir um modelo de governança que seja adequado à empresa e, nesse sentido, precisa-se levar em consideração o nível de rigor que se deseja incorporar. Modelos de governança excessivamente zelosos podem, por vezes, incomodar partes interessadas; por outro lado, a ausência de governança pode levar à falta de envolvimento dessas partes ou a falsas escalações. Estabelecer o modelo de governança correto não é uma tarefa trivial. No entanto, com base na experiência, a organização deve reunir uma linha de referência dos principais elementos necessários para a governança – complexidade, risco e maturidade –, definindo como seu sistema de governança precisa ser e quais componentes são obrigatórios ou não. Como exemplo, mencionamos, quando se faz necessário, o tamanho, a composição e a dinâmica dos órgãos estatutários, conselho de administração, comitês de assessoramento, ou a adoção de outros formatos de governança, tais como ingresso de conselhos consultivos para assessoramento aos sócios e/ou conselheiros de administração; ou mesmo, onde e quando fizer sentido, grupos específicos de trabalho. Em todos esses tópicos, pode-se introduzir as representatividades previstas pelos ODS da ONU que tangenciam ESG, as quais a Orquestra Societária aborda em sua arquitetura de uma forma prática. Estrutura – sobre este vértice, o desafio mais relevante é ficar fora da interrupção/disrupção, tendo a ver com gestão de riscos e oportunidades, inerentes às práticas de sustentabilidade. A velocidade com que os avanços tecnológicos se apresentam impõe às empresas maior assertividade na construção e no dimensionamento de sua estrutura, a fim de que as operações organizacionais realmente permitam efetuar realinhamentos sempre que necessário, sem rigidez, mantendo a flexibilidade necessária. Processos e tecnologia – aqui, o primeiro desafio é estabelecer sequências de atividades, interligadas entre si, as quais visam a alcançar determinados efeito finais – por vezes, previstos em lei –, e de maneira que a administração possa tomar decisões. Destaco, ainda, a necessidade de estabelecer mecanismos de execução, controle, monitoramento de performance e correções de rota. Ainda, sobre tecnologia, o primeiro desafio é manter atualização tecnológica para ficar fora da interrupção, seja por obsolescência, inovação de competidores ou atuação de novos entrantes que operam mais eficazmente (mais rápidos, com menores custos ou atendendo aos anseios de clientes de forma mais atual). Além disso, é preciso avaliar com cuidado as tecnologias empregadas, para não embarcar em soluções desnecessárias, ondas ou modismos. Projetos – é fundamental aplicar metodologias de gestão de projetos, que permeiam um conjunto de técnicas utilizadas para planejar, executar, monitorar e controlar projetos. Fazer a gestão de projetos é muito diferente de fazer a gestão de processos e quando essa diferença não é bem compreendida na prática, o risco de fracasso de projetos é elevado. Fora isso, é preciso implementar projetos que façam sentido, quando se considera a atuação da empresa, sejam esses de natureza institucional, estratégica ou operacional, atentando a questões ESG, como equidade, diversidade e muitas outras. Pessoas, reconhecimento e cultura – este vértice, a meu ver, exige discorrer mais longamente sobre questões críticas. De imediato, eu diria que é preciso considerar que pessoas são seres humanos, não devem ser tratadas como recursos. É importante considerar fatores críticos de sucesso relacionados à gestão de pessoas, ter políticas corporativas de contratação e remuneração, métrica de avaliação de desenvolvimento alinhadas ao planejamento estratégico. As avaliações de desempenho são ferramentas com muitos potenciais, usadas pelas organizações para estimularem os colaboradores a serem mais participativos e colaborativos. Tudo isso sem pretender esgotar o que pode ser dito.
RI: Diante da importância diferenciada que as pessoas ou seres humanos têm na organização, em sua perspectiva, como a senhora discorreria mais detalhadamente sobre esse vértice? A seu ver, quais são os fatores críticos de sucesso da gestão de pessoas, considerando a sustentabilidade e ESG?
Debora Santille: Adotar e demonstrar princípios e valores que considerem as necessidades dos seres humanos – seres humanos desejam respeito, o que significa reconhecer que o outro existe e integra a sociedade. Buscam justiça, isto é, igualdade na diferença; afinal, somos indivíduos singulares, mas iguais em direitos. Além disso, necessitamos de solidariedade, que é o respeito levado às últimas consequências, quando se pensa no outro genuinamente, diante de suas dificuldades. Entendo que a transmissão de princípios e valores como esses, que são apenas alguns dos vários exemplos possíveis, deve ser uma preocupação constante dos sócios e líderes empresariais. Eles devem mostrar, de maneira clara, por meio de palavras e exemplos (dizer e fazer) e ações altruístas (dar sem exigir nada em troca), que realmente têm princípios e valores, os quais levam a sério. Ter pessoas alinhadas com os princípios e valores da organização – acredito ser fundamental que as pessoas tenham princípios e valores alinhados com os princípios da organização, os quais refletem, por sua vez, aqueles que emergem de dentro dos sócios e líderes organizacionais, de suas convicções pessoais. O alinhamento é desejável do topo até o chão e pode ser buscado não apenas por meio de boas técnicas de seleção, mas também por capacitação e treinamento, além de bons sistemas de recompensa, retenção de talentos, desenvolvimento profissional, e sucessão em todos os níveis, incluído os estratégicos e posições-chave. Buscar equidade – isso significa condições de trabalho equivalentes para pessoas com necessidades especiais, de maneira que estas possam ter um desempenho tão bom quando o desempenho daquelas que não têm tais necessidades. A clareza na contratação de pessoas com vistas à busca de equidade permitirá um ambiente corporativo equânime e saudável. Buscar inclusão em um ambiente saudável – busca-se atualmente mais equilíbrio na representação da sociedade em organizações, visando aportar às mesmas mais conhecimentos sobre clientes, fornecedores e outros públicos stakeholders. Entretanto, a diversidade de gênero, idade, etnia e outras possibilidades significa não apenas incluir pessoas com visões muito importantes para a gestão, mas fazer isso em um ambiente saudável, produtivo e no qual todos estejam inseridos de fato. Colocar as pessoas certas nos lugares certos– Jim Collins, um dos maiores especialistas em gestão da atualidade, afirma que as pessoas certas no lugar certo não precisam ser gerenciadas com rigor, o que acaba poupando o tempo dos líderes para que eles cuidem de outras atividades. Elas são mais produtivas, já que são apaixonadas pela organização e por seu trabalho, além de cumprirem com aquilo que prometeram entregar, algo que, por vezes, pode ser crítico. Liderar – as organizações requerem líderes, cuja liderança deve assegurar alinhamento das pessoas aos princípios e valores organizacionais, diretrizes claras de trabalho, nos vários níveis da organização, planejamento, execução, o controle e as correções de rumo, a integração entre atividades e processos e muito mais. Criar comunicação eficaz – a comunicação é imprescindível em todas as situações práticas da vida corporativa, nas relações com seres humanos e aos líderes e seus liderados. A comunicação interna, também tratada como endomarketing, é eixo fundamental para que se possa introjetar o propósito e contribuir para que haja engajamento das pessoas com os ODS da ONU. Neste ponto, ressalto a grande importância da coerência – falo e faço a mesma coisa; sem o qual, se perde credibilidade. Quanto à comunicação externa, que tem como sua principal função, trabalhar a imagem corporativa e de seus produtos ou serviços, esta é feita utilizando vários meios e disclosure adequados – website, campanhas corporativas, informes para stakeholders (com destaque para o pratique e explique) e outras alternativas. Em suma, é fundamental comunicar de maneira eficaz, isto é, buscando ampla compreensão, para dentro e para fora, em um ciclo que se retroalimenta, fortalecendo e solidificando a imagem corporativa. Desenvolver habilidades pessoais – todo trabalho exige um conjunto específico de habilidades que os profissionais devem ter para serem bem-sucedidos. Ainda que alguém tenha grandes pontos fortes pessoais e uma grande “facilidade de se adaptar”, não estará, de fato, trabalhando onde tem pontos fortes, se não tiver essas habilidades desenvolvidas. O desenvolvimento de habilidades dos seres humanos nas organizações deve ser uma preocupação permanente. Construir sistemas de remuneração justos – um sistema justo de reconhecimento de pessoas permitirá a percepção clara sobre as igualdades, similaridades e diferenças de atribuições, funções e graus de responsabilidades entre os colaboradores. Mecanismos de premiação à meritocracia são absolutamente necessários. Promover e preservar uma cultura orientada por princípios e valores – a cultura contribui para o desenvolvimento dos indivíduos de uma forma que vai muito além do profissional, perpassando a esfera pessoal. Compete à liderança contribuir para que as pessoas compreenderem os conceitos de princípios, valores e comportamentos da organização, onde já existe um conjunto de regras, normas e leis. Todos esses elementos devem ser disseminados entre as pessoas, para benefício comum de todos.
RI: Considerando o Modelo de Gestão Sustentável (MGS), coordenador, na Orquestra Societária, dos cinco vértices avaliados pela senhora em pergunta anterior: quais seriam seus fatores críticos de sucesso para a sustentabilidade e ESG?
Debora Santille: Em minha visão, um dos fatores críticos mais importantes de um modelo de gestão que possamos chamar de sustentável é a execução. A materialização da estratégia, em especial, costuma ser o seu maior gargalo. É preciso, coerentemente, fazer a mesma coisa que se diz. Acredito que muitos executivos acham que falam e fazem a mesma coisa, mas não é bem assim. E por vezes, alguns se detêm em debates improdutivos, de natureza meramente filosófica, pouco fazem acontecer; ocorre que no contexto corporativo, isso pode ter péssimas consequências. Outro ponto relevante de um modelo de gestão sustentável é a necessidade de clareza nos conceitos importantes para a organização, da teoria à prática. Estamos tratando de conhecimento. Vivemos em um mundo Google; quando se necessita de um conceito sobre o qual se tem dúvida, recorre-se à busca na internet e, frequentemente, julga-se satisfatório o que foi retornado. Só que, muitas vezes, isso não é verdadeiro. E mesmo quando se conhecem os conceitos, sua aplicação pode remeter a erros. Um exemplo que eu apresentaria, já mencionado, é o de confundir, na prática, processos, fluxos estruturados e repetitivos de atividades, com inputs e outputs, e projetos, iniciativas que criam intervenções em processos existentes ou implantam novos processos, com começo, meio e fim. Além dos dois fatores críticos citados, entendo ser preciso superar assertivamente o analfabetismo funcional. Os sistemas de ensino em muitos países, inclusive no Brasil, não provêm os requisitos necessários para que as pessoas possam ajudar empresas e evoluir em suas carreiras. Por vezes, percebemos grandes dificuldades de capacidade crítica e analítica, apenas para exemplificar, o que cria gaps de mão de obra qualificada. Ora, as dificuldades de capacidade crítica e analítica prejudicam as organizações, que necessitam de pessoas preparadas em várias frentes, seja em situações corriqueiras de trabalho, seja no enfrentamento de crises, e ainda, nos processos de tomada de decisão. ESG descortina estas e outras questões e obriga a organização a buscar alternativas para a transformação organizacional. Resgata conceitos adequados e pode criar arquiteturas de negócios mais inteligentes, rápidas e competitivas, e também focadas em sustentabilidade.
RI: Considerando o Processo de Gestão Estratégica, compreendido no vértice Processos & Tecnologia da Orquestra Societária, perguntamos: como sincronizar o “PDCA estratégico” e o “PDCA de ESG”? Dito de outra forma, como trazer ESG para dentro do Processo de Gestão Estratégica? Poderia dar um exemplo prático dessa sincronização, para uma empresa hipotética usada como exemplo?
Figura: PDCA genérico
Debora Santille: Na resposta à pergunta inicial desta entrevista, afirmamos ser possível tornar a empresa cidadã, por intermédio de objetivos estratégicos consistentes com o propósito estabelecido para a organização (relacionado, por sua vez, aos ODS da ONU ou a outras referências válidas). E ao tratarmos dos processos organizacionais, comentando fatores críticos de sucesso dos cinco vértices da Orquestra Societária, mencionamos a importância de mecanismos de execução, controle, monitoramento de performance e correções de rota. O processo de gestão estratégica é um dos mais importantes da organização e o seu PDCA é crítico para o sucesso de objetivos estratégicos. Ora, ESG também tem um PDCA próprio. Em minha visão, a sintonização entre ambos os PDCA´s se dará por meio da escolha de objetivos que sejam, concomitantemente, objetivos estratégicos e de ESG. Para uma empresa, um bom exemplo seria compensar plenamente a emissão de GEE´s – gases de efeito estufa. Este seria o caso, por exemplo, de uma empresa que atua no setor de mobilidade urbana ou de transportes aéreos ou terrestres. Para outra empresa, o objetivo seria outro, em conformidade à sua atividade.
RI: Qual é, em sua visão, o set mínimo da agenda de sustentabilidade?
Debora Santille: Primeiramente, cumpre entender o que é ser sustentável. Importante ressaltar que sustentabilidade não é um alvo, é uma jornada. Implica manter o equilíbrio em itens como estrutura financeira, gestão assertiva de custos e atualização tecnológica, buscando a perpetuidade do negócio e do cliente, bem como a exploração do negócio que não gere impacto ou contingência ambiental. Significa, ainda, respeitar os direitos humanos e, mais do que isso, pessoas, base da convivência, mantendo um ambiente de negócios saudável, práticas éticas (nos negócios e nos comportamentos), e educando para contribuir na formação do ser responsável; afinal, direitos implicam obrigações. Trata-se de algo que vai além do checking the box, é viver de forma sustentável, com equilíbrio, entendendo o ecossistema no qual se explora o negócio, ser o menos nocivo e reparar o impacto negativo causado pela atividade empresarial. Compensar, reparar o meio ambiente, como, por exemplo, no setor papel e celulose, em que árvores são matéria prima. Adotar o reflorestamento. Em prestação de serviços, como ser sustentável? Usando e oferecendo logística reversa. Estamos tratando de geração de renda com o processo de reciclagem, de ensinar como ganhar dinheiro e criar renda, de empregabilidade. A padronização do disclosure – GRI e Relato Integrado (CPC 09) – obriga a empresa a praticamente montar um business plan completo. Ninguém nasce com um relato integrado estruturado, é necessária a integração da estratégia aos riscos e a definição da trajetória empresarial. A tendência, com o amadurecimento desse processo, é chegar ao relato integrado, no qual, sustentabilidade e administração fazem parte integrante e necessária da visão holística do negócio, desde a definição e comunicação de uma estratégia ampla, passando por operacionalizar e analisar se o que foi planejado, de fato, foi executado, e verificando resultados, desvios e plano de ação para correção. Poucas empresas têm relato integrado, dada a dificuldade de execução. Existem diversos relatórios, com distintos nomes – parciais, de sustentabilidade, de administração; por questões regulatórias, empresas de capital aberto, são obrigadas à auditoria desses relatórios. E existe uma variedade de estruturas, incluindo a Global Reporting Initiative (GRI), os Princípios para o Investimento Responsável (PRI) e o Sustainability Accounting Standards Board (SASB) entre outros. As estruturas ajudam a garantir que os dados sejam consistentes, padronizados e comparáveis entre organizações e entre setores. As empresas que não são de capital aberto podem publicar relatório anual e relatório sustentabilidade. Há que considerar, ainda, exigências específicas de mercados regulados e não regulados. E com respeito ao Formulário de Referência, a massa crítica não é madura o suficiente para uma ampla visão das abordagens das ODSs nos negócios e entrelaçamento com ESG. Independentemente desses aspectos, quanto mais madura a organização estiver, mais dados críticos e melhores seu relatório terá. Em tempo, se a empresa é tomadora de crédito, torna-se mais crítica a situação, pois os bancos serão obrigados, a partir do ano que vem, a prestar contas sobre recursos que emprestam, através da Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC), de acordo com a Resolução nº 4.945, de 15/09/21 do CMN.
RI: Em sua opinião, práticas adotadas na pandemia COVID podem ajudar ESG e mesmo integrar o set supracitado? Se positivo, pedimos-lhe mencionar alguns exemplos de práticas interessantes.
Debora Santille: A pandemia acelerou a adoção de algumas tendências de modelos de negócios, a exemplo o e-commerce, da aplicação do trabalho em formato híbrido, do delivery por aplicativos e das plataformas de marktplace, telemedicina e outras. Basicamente, tudo isso que diz respeito a aplicações tecnológicas e agregou novas práticas de trabalho, cujo ponto comum é o uso intensivo de TI. Acredito que, sim, a tecnologia continuará a ajudar a integrar ESG nos modelos de negócios, propiciando escalabilidade no acesso a bens e serviços por populações que antes não o tinham, integrando cadeias de fornecimento, propiciando divulgação, treinamentos e qualificações de todos os atores em vários temas, como valores éticos, práticas sustentáveis e muito mais.
RI: Quais tendências mais amplas a senhora vislumbra para a sustentabilidade e ESG?
Debora Santille: Vejo, como tendência muito importante, a busca pelo estabelecimento de padrões para reports e disclosures, bem como por métricas para avaliação e mensuração cada vez mais assertivas. Também penso ser tendência o forte alinhamento de processos e práticas de governança e sustentabilidade que, nos próximos anos, seguirão nas pautas dos reguladores e conselhos de administração. Destaco, ainda, como impulsionadores dessas tendências, a pressão do capital e os incentivos voltados para o investimento baseado em práticas de gestão sustentável.
RI: Finalizando, poderia compartilhar com os leitores da Revista RI um momento altamente gratificante de sua carreira de profissional?
Debora Santille: A maior satisfação que tenho, como profissional, é quando constato que boas práticas corporativas recomendadas são adotadas na empresa onde atuo como conselheira. Mas também me sinto altamente gratificada em outras situações; por exemplo, quando me sinto solista, contribuindo para o aconselhamento de jovens profissionais, que estão ingressando e entendendo o ambiente corporativo. E também contribuindo positivamente para a trajetória de jovens empreendedores, que estão desenvolvendo suas empresas, produtos e serviços. Destaco, ainda, o compartilhamento de valores e princípios, por meio dos quais esses talentos mencionados podem vislumbrar que o mundo sempre pode ser melhorado, que a busca pelo aperfeiçoamento continuo é uma trajetória. Juntos, todos construímos hoje o futuro que queremos amanhã e tudo isso materializa o sentido de missão cumprida, de propósito de vida.
Cida Hess
é economista e contadora, especialista em finanças e estratégia, mestre em contábeis pela PUC SP, doutoranda pela UNIP/SP em Engenharia de Produção - e tem atuado como executiva e consultora de organizações.
cidahessparanhos@gmail.com
Mônica Brandão
é engenheira, especialista em finanças e estratégia, mestre em administração pela PUC Minas e tem atuado como executiva e conselheira de organizações e como professora.
mbran2015@gmail.com