Os últimos anos têm sido marcados pela intensificação do debate sobre como os aspectos ambientais, sociais e de governança corporativa, ou ESG, na sigla em inglês, impactam a análise de investimentos.
Um tema muito discutido é como fazer a análise das companhias em relação ao seu desempenho em cada uma das três dimensões, ou seja, em sustentabilidade. E, além disso, como os resultados desta análise podem ser incorporados aos resultados econômico-financeiros. Porém, antes de se aprofundar nos processos de análise ESG, é importante destacar barreiras e desafios que dificultam aplicação adequada desse valuation pelos analistas.
O primeiro desafio refere-se à falta de padronização de informações ESG. Embora haja esforços, ainda não há consenso sobre como padronizar informações tão diversas, que vão da composição de conselhos de administração e emissões de gases de efeito estufa ao monitoramento de práticas de direitos humanos de fornecedores, entre outros indicadores.
A falta de padronização causa problemas críticos em relação às informações analisadas: informações incompletas, inexistentes, inconsistentes, não auditadas ou verificadas levam à falta de credibilidade, o que compromete o monitoramento de determinados fatores ao longo do tempo. Do ponto de vista do analista, a falta de informação geralmente será considerada um fator negativo que proporcionará uma análise mais conservadora: a falta de informação também é uma informação.
Outra questão importante é a seleção de aspectos considerados materiais ou relevantes. Ou seja, dentro de determinados setores, geografias e contextos, como identificar os temas ESG que irão impactar o resultado financeiro das empresas.
Existem referências importantes, mas a materialidade pode ser dinâmica. Além disso, o julgamento sobre o que é relevante ou não pode ser subjetivo, resultando em análises inconsistentes e pouco comparáveis. Uma consequência natural é a dificuldade em comparar o desempenho das companhias em sustentabilidade. E como muitas das informações ESG são intangíveis, a comparabilidade acaba recaindo sobre a percepção dos analistas a respeito de critérios como cultura organizacional, inovação e propósito, entre outros.
Quando avaliamos ativos para um determinado portfólio, a comparação adequada entre os ativos é primordial para as recomendações dos analistas e tomada de decisão dos gestores. Isso recai sobre qualquer classe de ativos, cujas análises ESG podem variar.
Listamos esses desafios para poder explicar como o valuation ESG é feito, ainda que com essas restrições. Com a evolução do tema ESG no mercado de investimentos, houve também desenvolvimento das ferramentas adotadas, das referências sobre os temas e, principalmente, da pressão para que as companhias divulguem informações ESG com mais tempestividade e qualidade.
A formação adequada dos analistas é primordial para a qualidade do valuation. Ao agregar seu conhecimento aos temas ESG, as teses de investimentos tornam-se mais abrangentes, indo além dos resultados financeiros tradicionais.
O conhecimento dos analistas, aliado à identificação dos temas ESG relevantes, pode suplantar algumas das dificuldades. A informação disponível pode não ter a qualidade e a transparência esperadas, mas a experiência e a visão dos analistas são cruciais na elaboração das recomendações. O constante contato com o management das empresas, a participação em reuniões com especialistas nos temas ESG e o apoio do sell side são ferramentas fundamentais.
Somado a isso, temos cada vez mais agências especializadas em calcular scores ESG. Embora as metodologias sejam distintas entre si, é possível usar essas informações para ter um volume maior de conhecimento sobre quais aspectos ESG impactam o desempenho. As agências também agregam informações sobre temas controversos e atualizam o desempenho em sustentabilidade das companhias.
As abordagens de integração dos aspectos ESG no valuation podem ser qualitativas ou quantitativas. A mais utilizada é a qualitativa, na qual a avaliação sobre determinado aspecto ESG (ou uma combinação deles) é incorporada à tese de investimento da companhia ou utilizada para ajustar algum múltiplo e o modelo financeiro aplicado (por meio do custo de capital, crescimento, margens).
Nesse caso, o impacto dos fatores ESG leva a ajustes nas estimativas financeiras de acordo com os resultados das análises. Esses fatores podem influenciar a análise tradicional por meio da avaliação dos seus impactos em vendas, modelo de negócios, fluxo de caixa, valor intrínseco, preço etc.
Por exemplo, se o analista considera que a gestão ambiental de uma empresa não é adequada e pode impactar negativamente os resultados, ele pode ajustar o custo de capital usado na análise de fluxo de caixa descontado. Isso vale para temas sociais (por exemplo, se as relações trabalhistas apresentam alto risco de processos ou multas), de governança ou pelo conjunto dos fatores ESG traduzidos pelos scores de cada ativo. Um score que venha decaindo ou que esteja abaixo da média do setor pode sugerir um ajuste nas premissas utilizadas para estimar o crescimento desta companhia.
Já a análise quantitativa usa ferramentas, técnicas e algoritmos para agregar dados ESG, sejam de bancos de dados terceirizados ou da combinação de dados proprietários e de terceiros. Ao considerar os temas ESG, pode-se fazer ajustes em relação aos pesos dos ativos a fim de otimizar o retorno das carteiras. Vale lembrar que, para modelos quantitativos, uma boa base de dados com histórico relevante é necessária. Portanto, diante da limitação de dados ESG (se comparados aos históricos de informações financeiras), o que geralmente ocorre é uma combinação das técnicas quantitativas e qualitativas à integração ESG ao valuation.
No caso de ativos de crédito privado, o risco de crédito em função de fatores ESG pode ser ajustado de acordo com volume ou duration, por exemplo. Aqui, é mais comum que os aspectos ESG estejam vinculados à análise de riscos, acrescentando outros fatores não considerados tradicionalmente.
O valuation de ativos integrando aspectos ESG já é uma realidade nas análises de companhias no mercado de capitais. A aplicação dessas análises na definição do universo de investimentos dos portfólios de ativos agrega valor quando feita por profissionais capacitados e com ferramentas apropriadas. Mas é importante acompanhar o desempenho dos portfólios e compreender como as teses de investimentos ESG contribuem para o resultado. Dessa forma, poderemos, enfim, entender pragmaticamente quando uma tese ESG traz retornos financeiros, seja no curto ou no longo prazo.
Luzia Hirata
é gerente ESG do Santander Asset Management (SAM), responsável pelas análises ESG dos portfolios e dos processos internos da gestora. É membro do Grupo Consultivo de Sustentabilidade da ANBIMA e membro do Conselho Deliberativo da AMEC. Professora dos cursos de especialização ESG da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e da Fundação Instituto de Administração (FIA).
luzia.hirata@santanderam.com