Entrevista

RICARDO AMORIM, ECONOMISTA, EMPREENDEDOR, CONSULTOR E PALESTRANTE

Em entrevista exclusiva para a Revista RI, o maior influenciador brasileiro no LinkedIn e, segundo a revista Forbes, o economista mais influente do Brasil, Ricardo Amorim analisa o cenário atual no Brasil e no mundo, abordando temas como: Sustentabilidade, Agenda ESG, Transformação Digital, Criptomoedas, entre outros, fazendo projeções para a política, economia e o mercado de capitais em 2023. Ganhador, entre outros, dos prêmios “iBest de Economia e Negócios” e “Os + Admirados da Imprensa de Economia, Negócios e Finanças”, Amorim é CEO da Ricam Consultoria, prestadora de serviços na área de negócios e economia global, em forma de consultoria e palestras; sócio e membro do Conselho de Administração da 2W Energia; e co-fundador da AAA Inovação. Acompanhe a seguir a entrevista.

RI: Tendo em vista o conturbado cenário global atual, quais são as projeções e perspectivas para a Economia e o Mercado de Capitais no Brasil e no mundo em 2023?

Ricardo Amorim: Olhando hoje para o mercado externo, há três principais fatores que devem determinar o que acontece na Economia Mundial e nos Mercados de Capitais Mundiais, não só nos próximos meses, mas ao longo do próximo ano. O primeiro desses fatores é o que acontece com a inflação e a taxa de juros mundial. Em geral, há um bom tempo a taxa de inflação mundial, não só vem subindo, mas surpreendendo positivamente. Positivamente, no sentido que ela vem sendo mais alta do que o esperado. No último mês, isso não foi verdade nos Estados Unidos, a gente começou a ter a inflação diminuindo, sendo até um pouco mais baixa do que a expectativa. Se isso for uma nova tendência, vai ser muito positivo. Mas ainda assim, a inflação mundial continua em alta, principalmente por pressões ainda muito grandes na Europa. Mesmo que a taxa de inflação comece a ceder, é provável que a alta de juros global tenha que ser maior do que a que está projetada nos mercados, para conseguir fazer com que a inflação caia. Isso porque hoje, nós ainda temos, nos Estados Unidos, na Europa, taxas de juros bastante inferiores ao que é a taxa de inflação corrente. Em outras palavras, não há estimulo nenhum para consumidores deixarem para consumir amanhã, ao invés de consumir hoje, sendo que se eles deixassem o dinheiro no banco, o dinheiro que eles teriam daqui a 1 ano, por exemplo, seria mais do que ele tem hoje, mas comprariam menos, porque a elevação de preços seria maior. Pegando os Estados Unidos como exemplo, se você tivesse US$ 1.000 você teria depois de um ano, arredondando, US$ 1.040, mas você precisaria de US$ 1.070 para comprar o que você compra hoje por US$ 1.000. Portanto, não é um bom negócio. É melhor consumir hoje, se a gente considerar, mais uma vez pegando os Estados Unidos como exemplo, que hoje há para cada pessoa desempregada, há quase 2 vagas abertas, são 1,9 vagas abertas, nunca na história americana houve mais empresas procurando gente para contratar, do que gente desempregada. Isso está pressionando os salários para cima. Desta forma, tem mais pressão do salário, que aumenta custo e, por outro lado, pessoas consumindo. Não dá para imaginar que nesse cenário, a inflação vai cair da forma que o Mercado hoje projeta. A única forma de isso acontecer, é com uma freada bem maior da economia, através de uma puxada bem maior da taxa de juros e, por conseqüência, o encarecimento do crédito, uma redução de consumo e uma recessão. Então, esse é o primeiro risco que vamos ter que monitorar. E esse risco, por ordem, é maior na Europa, que é o lugar onde a situação é mais complicada, em função de uma pressão de custo de energia maior que em outros locais do planeta, seguida por Estados Unidos. O segundo grande fator a ser monitorado, é a evolução da guerra da Rússia x Ucrânia, e eventuais desdobramentos. O que temos visto nos últimos meses é a Rússia perdendo essa guerra, do ponto de vista militar, e uma das perguntas que fica é até que ponto ela pode, em função disso, aumentar a tensão, seja militar, por exemplo, levando a guerra para além das fronteiras da Ucrânia, eventualmente se espalhando pela Europa de alguma forma, e qual vai ser a reação da OTAN, caso isso aconteça, ou com respostas econômicas ainda maiores. Já teve uma redução muito grande da exportação de gás natural da Rússia para a Europa, exatamente como represália. Esse é um segundo fator que pode trazer novos impactos geopolíticos globais, importantes, em particular no mercado de commodities. E o terceiro grande fator global, é o que acontece na China. E aí, há várias questões envolvidas. A primeira, é a que a gente começou a ver na China recentemente tensões sociais e políticas, contra um lockdown muito duro, muito amplo e muito duradouro, que no fundo é contra a política de Covid Zero, que vem tendo inclusive um impacto econômico significativo. É bom lembrar que esse ano, talvez pela primeira vez, em mais de 50 anos, a economia brasileira cresça mais do que a chinesa, e não porque a economia brasileira vai crescer tanto assim, mais porque a chinesa vai ter a menor taxa de crescimento em pelo menos 50 anos, talvez mais do isso, mas ainda é cedo para a gente saber. Mas o resultado disso tudo é, será que isso pode levar a uma desestabilização, até política, significativa na China? Vamos acompanhar, e vê o que acontece. O segundo, é que em algum momento, seja em função dessas pressões ou não, a China vai ter que acabar com a política de lockdown, e quando ela acabar, haverá um aumento de demanda global de commodities e, em particular, considerando que as duas commodities, que a diferença entre o que a China importa e o que ela produz, e é mais significativa, são exatamente as duas commodities que o Brasil mais exporta, que são minério de ferro e soja. Isso acontecendo, deveria levar, tanto a quantidade exportada brasileira a crescer, como os preços também. Em outras palavras, a gente deveria ter uma melhora significativa nas contas externas brasileiras, com uma maior entrada de dólares - e, esse movimento, quando eventualmente acontecer, que não parece ser a curtíssimo prazo, mais em algum momento do ano que vem, deveria levar a cotação do dólar e das moedas estrangeiras em relação ao real, a cair... e cair bastante, admitindo tudo mais constante, e que não vai ter outros fatores importantes. Então esse é outro fator fundamental para a gente acompanhar. E, por fim, a própria questão geopolítica da China com Taiwan, que uma vez depois que aconteceu a invasão da Ucrânia pela Rússia a gente abriu essa caixa de pandora, também lembrando que para China, Taiwan é China. Então, esses são os principais fatores geopolíticos e basicamente, quanto mais alta for a taxa de juros global, quanto mais tensa for a situação geopolítica na Europa e por sua vez quanto mais conturbada estiver a situação política chinesa, mais negativamente a economia chinesa tiver desempenhando, pior o desempenho da economia mundial e mais vai demorar para o Mercado de Capitais voltar a se abrir. Por outro lado, se a gente tem um cenário onde a demanda chinesa por commodites voltar antes, eventualmente, a gente não tem uma alta tão significativa de juros nos Estados Unidos e na Europa e não tem novos desdobramentos geopolíticos de mercado vindo da guerra da Rússia, o que a gente vai vê é que o mercado de capitais no mundo inteiro vai abrir e no Brasil, em particular, onde a gente já está bem mais adiantado que o resto do mundo no combate à inflação, com taxa de crescimento que a maior parte que o resto do mundo, as condições para a reabertura do mercado de capitais são ainda melhores, desde que a gente mantenha o mínimo de equilíbrio fiscal, que é o grande desafio interno da parte brasileira. Vamos ver como essa parte evolui também.

RI: Como você avalia a reação do mercado à eleição de Lula? O que deve ser levado em conta?

Ricardo Amorim: A reação dos mercados à eleição do Lula, até agora, precisa ser dividida em três fases. A primeira: na primeira semana após a eleição, ainda com a expectativa de que o equilíbrio fiscal seria preservado, o mercado reagiu até de forma positiva. A gente teve a bolsa subindo, o dólar caindo... e caindo até bastante. Depois disso, Lula veio com declarações dizendo que ia “chutar o pau da barraca” do equilíbrio fiscal. Ele colocou o equilíbrio fiscal como sendo um inimigo da possibilidade de gastos sociais, o que na verdade não acontece. E, que portanto, a sua estratégia - para abrir espaço para maiores gastos sociais - seria acabar com o respeito ao teto de gastos. Aí vimos o mercado basicamente desabar, com a taxa de juros do swap pré-fixada de um ano passando de 15%, o que não acontecia desde 2016, o dólar subindo a níveis muito altos e a bolsa caindo bastante. E hoje, o que nós temos é um grande ponto de interrogação de como efetivamente será essa política econômica. O próximo passo que vai determinar muito para que lado o mercado vai, é a definição da equipe econômica. Então, é isso que a gente vai ter que acompanhar agora nas próximas semanas, nos próximos meses, qual é a equipe e o que efetivamente ela faz. Se, o equilíbrio fiscal for preservado, o Brasil está muito bem posicionado, por hoje ser um dos poucos países do mundo onde a inflação já caiu muito. A inflação hoje no Brasil é metade do que ela chegou a ser recentemente, e continua numa trajetória de queda, o que basicamente abre espaço no Brasil, mantido o equilíbrio fiscal, para que a taxa de juros no Brasil caia, e caia muito em breve. Por outro lado, se o equilíbrio fiscal for embora, os juros vão subir, a gente vai ter o crédito cada vez mais caro, a economia vai frear, e isso vai frear o nosso mercado de capitais também.

RI: Com a difícil situação fiscal que o novo governo vai encontrar, que ações deveriam ser prioritárias? E, quais reformas são necessárias serem feitas já no próximo ano?

Ricardo Amorim: A primeira reforma que o governo Lula deveria realmente focar é uma reforma administrativa ampla e significativa. Uma reforma administrativa em primeiro lugar é uma questão de justiça no Brasil. Nós temos cidadãos no Brasil que são de primeira e de segunda classe. Enquanto no setor privado, nós temos determinadas regras e condições, a gente tem condições completamente diferentes do setor público. Na prática, na média, segundo um estudo do Banco Mundial, cada funcionário público no Brasil - com a mesma qualificação, com o mesmo tempo de experiência e exercendo a mesma função - ganha na média duas vezes mais o que uma pessoa fazendo a mesma coisa na iniciativa privada. O que obviamente não é justo, porque o que paga o salário desses funcionários públicos são os impostos que todo mundo, e a grande maioria está na iniciativa privada, paga. Isso sem falar de casos extremos de privilégio, como a gente acabou de ver agora, por exemplo, de ter uma decisão sobre o quinquênio, que não apenas a cada cinco anos, juízes federais têm um benefício adicional de 5% do seu salário, mas isso foi uma decisão retroativa à 2006, que faz com que na prática esses juízes vão receber até R$ 2 milhões a mais. Isso deixa claro uma outra coisa, que o desafio fiscal que o governo recebe vem de um excesso de gastos públicos e de gastos públicos de péssima qualidade. Em particular, um outro estudo do Banco Mundial mostra que de todos os programas sociais brasileiros, que se eu não me engano são dezessete, apenas dois merecem ser chamados de sociais porque eles beneficiam mais os mais pobres do que os mais ricos. Os outros quinze, têm mais gente entre os 20% de renda mais alta no Brasil sendo beneficiado pelo projeto chamado de “social” do que entre os 20% de mais pobres. Portanto, eu diria que a grande maioria dos chamados programas “sociais” brasileiros, são anti-sociais. Isso é um dinheiro que não tem porque ser gasto. O fato é, se a gente fizer uma boa reforma administrativa, se acabar com esses programas absurdos, se acabar com privilégios que não deveriam existir, haveria dinheiro para: primeiro, manter sim o equilíbrio fiscal e com isso conseguir atrair mais investimentos, gerar mais emprego no Brasil, gerar mais crescimento econômico, acelerar a economia brasileira, melhorar todo o estado em geral. Em segundo lugar, ainda sobraria dinheiro para conseguir reduzir imposto. Sem isso, se a gente começa pela reforma tributária saindo do princípio, que o que a gente precisa é arrecadar mais pra cobrir gastos, que parecem crescer sem fim, a gente vai acabar penalizando ainda mais quem produz no Brasil. O resultado disso aqui, vai ser um processo onde produzir no Brasil fica muito caro, fazendo com que grande parte da produção deixa de acontecer no Brasil, e a gente passa a trazer produtos de fora e as pessoas perdem o emprego. Segundo lugar, quem consome acaba pagando por produtos muito mais caros no Brasil, isso piora a qualidade de vida de todos os brasileiros. É exatamente por isso que essa deveria ser a primeira reforma que basicamente é: se a gente reduz gasto, a gente cria condição de fazer uma boa reforma tributária que deveria ter os seguintes princípios: primeiro, reduzir a carga tributária total; segundo, ser mais justa, porque no Brasil a gente tem uma situação maluca que é pobre paga mais imposto do que rico, porque a gente concentra muito o imposto sobre consumo no Brasil. E como toda a renda do mais pobre é gasta em consumo, toda ela paga imposto sobre consumo. O mais rico tem uma parte da renda que é poupada e não paga imposto sobre consumo. Na média, quando a gente soma todos os impostos, os mais pobres pagam mais imposto no Brasil. Isso é um absurdo e precisa acabar. Como é que a gente faz isso? É menos imposto em cima de consumo e mais imposto em cima de renda. Agora, fazer isso não deveria significar mais uma vez um aumento da carga tributária total, até porque se a gente reduzir imposto em cima de produção e de consumo, a gente vai ter uma economia mais competitiva, vai produzir mais, gerar mais empregos, e isso, mais uma vez, fortalece toda a economia brasileira.

RI: Como o novo perfil do Congresso, que tomará posse no próximo ano, pode afetar o encaminhamento dessas propostas? Você acredita que o novo governo enfrentará dificuldades para aprová-las?

Ricardo Amorim: Quando a gente vê a composição do novo Congresso, mais à direita do que o Congresso atual, a primeira impressão que temos é que o Lula poderia ter dificuldades de navegar nesse cenário. Eu não acredito que isso seja provável. Eu acho que o Lula vai formar um Ministério gigante, entre outras coisas, exatamente pra poder abrigar as diferentes forças políticas que ele pretende contar com o apoio no Congresso. E a julgar por outras passagens do próprio Lula no governo, ele sempre foi muito hábil em conseguir trazer apoio político. Portanto, não dá para usar como desculpa, para não avançar nas reformas, que o governo não vá contar com apoio para isso... ele vai contar. O que ele tem que fazer de fato, é trazer as bandeiras que são necessárias. A começar por uma bela reforma administrativa, uma reforma tributária, mas a gente não deveria parar por aí. A gente deveria ter uma bela reforma do Judiciário, com uma proposta que eu fiz antes da eleição de 2018, de acabar com a indicação política seja para o STF, o STJ, o Tribunal de Contas da União, o Tribunal de Contas do Estado, o Tribunal Superior Eleitoral. Em outras palavras, não tem porque os políticos determinarem quem vai, ou monitorá-los no caso dos Tribunais de Contas ou muitas vezes julgá-los. Não faz o menor sentido que isso funcione dessa forma. Isso deveria ser uma indicação técnica e não política. Porque aí a gente politiza a justiça, que é o que não deveria acontecer. Além disso, a gente precisa de uma bela reforma política, exatamente pra melhorar as condições de governabilidade, sem que a gente precise ter ministérios gigantes e gastos associados. Eu acho que se a gente for por esse caminho, conseguiremos ter um ganho gigantesco para o país.

RI: Sobre a questão da Sustentabilidade, como avalia a evolução da agenda ESG ao longo do tempo? Qual o papel do Estado, das organizações e dos investidores nesse contexto?

Ricardo Amorim: Eu acredito que a grande oportunidade que o Brasil tem nos próximos anos, associada a Nova Economia, está primordialmente ligada a questão ambiental. O Brasil tem tudo para ser um líder no que está relacionado às questões ambientais. Hoje, infelizmente, o Brasil é visto como um vilão ambiental, de uma forma absolutamente injusta. Quando a gente vê o uso da terra no Brasil, e compara com outros países de território amplo, dos 10 países com maior território, o Brasil é disparado o que protege a maior parte do seu território, para ser específico é 66% do território brasileiro. Dois terços, são, ou áreas de propriedades rurais que precisam ser preservadas, e que não podem ser plantadas ou usadas para pecuária. Temos a parte dos parques florestais, as APPs - Áreas de Preservação Permanente, por exemplo, áreas de nascentes dos rios ou pequenas matas e as reservas indígenas, somando tudo, representa 2/3 do território brasileiro. Quando comparamos com os outros nove países com maior território, o segundo que mais preserva são os Estados Unidos, que preservam 20%. Portanto, o Brasil preserva pelo menos três vezes mais do que o segundo que mais preserva, e é visto como vilão ambiental. Então, em função da importância não apenas da Amazônia, mas de todos os vários biomas que nós temos, em função, o Brasil deve ser disparado o líder do mercado de crédito de carbono, mas tem uma segunda razão, que é a questão de energia. Das 20 maiores economias mundiais, o Brasil é hoje o que tem a matriz de energia mais limpa. A energia elétrica no Brasil é mais da metade energia hídrica, que é a energia renovável. E, o mais importante é o que mais está crescendo aqui, aliás em ritmo muito acelerado, é a energia eólica e solar, que é ainda mais limpa. Então, esse processo da gente trocar energia que vem ou de queima de carvão ou de queima de petróleo, por energia limpa deveria gerar crédito de carbono também. E a demanda por esses créditos, em particular, por empresas européias, onde o consumidor exige cada vez mais essa consciência ambiental, ela é absolutamente gigante. Só para deixar claro, que esse papel dessa mudança da matriz energética, não só é uma oportunidade gigante no Brasil, lembrando que inclusive que nos próximos anos a gente vai ter uma expansão importante do mercado livre de energia no Brasil. Agora em 2024, a gente já expande significativamente o número de empresas que podem ter o direito de escolher quem vai ser o seu supridor de energia, coisa que hoje está limitado apenas aos 10 mil maiores consumidores no Brasil, isso vai aumentar muito agora a partir de Janeiro de 2024. Segundo, o que está para se decidido, a partir de 2026 a gente expande para baixa tensão, a gente está falando para milhões de médias e pequenas empresas que vão ter acesso a mesma coisa, e em 2028 seriam os consumidores pessoas físicas. Então, tem uma revolução de energia que pode, em primeiro lugar, tornar a energia no Brasil muito mais limpa e mais barata. O resultado desse processo é grande competitividade para o Brasil. Mais, tem uma outra questão importante, particularmente na questão de geração de energia eólica e solar, no Brasil, as melhores regiões para isso estão no Nordeste e em geral no sertão nordestino, nas regiões mais pobres. Isso está gerando renda e riqueza nessas regiões. Eu tive a oportunidade recentemente, há coisa de 2 ou 3 meses, de visitar o parque eólico da 2W Energia - empresa da qual sou conselheiro e sócio - em Currais Novos, no Ceará. E, sendo franco, a minha expectativa indo para lá, um local pequeno no sertão nordestino, era encontrar um lugar muito pobre e não foi o que eu encontrei. E, essa mudança vem acontecendo a partir do impacto das empresas de energia. Isso para dizer o seguinte além do impacto ambiental, há o impacto social importante acontecendo aqui. Isso, para dizer que eu vejo o Brasil muito bem posicionado, até porque eu acredito que a onda ESG veio para ficar, que essa cobrança por parte dos investidores não vai diminuir, ela só vai aumentar e, mais do que isso, ela vai se expandir cada vez mais para os consumidores e para os reguladores. Eu imagino que em pouco tempo, governos não vão fazer compras de empresas que não cuidam das questões tanto ambiental, social e de governança, acelerando esse movimento que já é muito forte. Isso significa que hoje essa questão já é uma preocupação gigante de empresas grandes, as vezes de empresas média, mais isso vai se generalizar porque entre outras coisas essas empresas vão ser cobradas por todos os seus ecossistemas, pelas cadeias produtivas que elas têm. Então eu diria, que uma empresa que não tem uma boa estratégia para isso, nos próximos anos, não consigo ver como ela não vai ter dificuldades.

RI: O que a pandemia COVID agregou às discussões sobre Sustentabilidade e ESG? Quais medidas práticas as empresas devem adotar para enfrentar estes desafios nas questões: ambiental, social e de governança?

Ricardo Amorim: Eu acompanho as discussões sobre políticas sociais, ambientais e de governança, há muito tempo pelas razões mais diversas. Especificamente sobre a questão ambiental, em 1993, participei de um concurso global de monografia, patrocinado pela IBM e pela Scania, que no Brasil teve como co-patrocinadores, na época, o Banco BCN e a Gazeta Mercantil. Acabei ganhando concurso, e como prêmio passei um mês na Suécia, vendo o que tinha de mais moderno em uso de tecnologia pra cuidar das questões ambientais. E com isso, eu fiquei ainda mais apaixonado pelo tema, acompanhei muito, e por muito tempo eu ouvi muito papo e pouca ação. Depois da pandemia isso mudou completamente. A pandemia fez com que as pessoas passassem a olhar com muito mais atenção, muito mais carinho, para o sentido da vida, do que elas têm, das ações e os impactos que elas têm. E elas falaram, como é que eu, de fato, contribuo para um mundo melhor? Do ponto de vista dos investidores, foi falar o seguinte, olha, preciso de empresas que não apenas gerem resultado - elas têm que gerar porque senão uma empresa que não tem sustentabilidade - mas além disso, ela precisa ter um impacto social positivo, um impacto ambiental positivo E por fim, pra que ela seja sustentável, a governança tem que funcionar. Especificamente o lado social, é um outro lado que pra mim é importante, que eu sempre acompanhe muito de perto, porque no final das contas empresas/negócios só existem por uma única razão, para servir as pessoas! Não adianta servir poucos, quando deixamos de fora um monte de gente, porque, além de ser injusto, gera um monte de efeitos negativos muito importantes em qualquer sociedade. Especificamente sobre governança, há um bom tempo sou apaixonado por inovação e tento fomentar com várias iniciativas. Neste sentido, fundei há cinco anos, junto com dois sócios, a “Triple A - AAA Inovação”, e na época eu acreditava que a inovação tinha que vir de baixo, a gente tinha que fazer que o assunto passasse a interessar cada vez mais gente, e essas pessoas cobrariam das suas empresas, colocando isso como algo mais fundamental pra acontecer. Com o tempo eu vi que é bacana que venha de baixo, mas sozinho isso não acontece, tinha que vir de cima. Aí acabei criando uma segunda iniciativa que é a “Mentoria Ricardo Amorim”, para falar com os níveis mais altos nas grandes organizações ou startups, para realmente colocar inovação na agenda. Percebi que no caso das grandes organizações tinha um problema. Se o Conselho de Administração não tratava isso como prioridade, não adiantava o C-Level fazer isso. Aí percebi que precisava chegar nos Conselheiros também. E tudo isso me fez entender a importância da governança para definir tudo, para definir estratégias, para cobrar implementação, para fazer e cobrar que determinados assuntos sejam tratados como prioritários. Juntando isso tudo, pelo que eu venho acompanhando, nas últimas três décadas, a respeito da parte ambiental, social e de governança, a mudança que nós tivemos nos últimos anos é algo que não têm precedentes, e não consigo ver que ela seja revertida. O ESG veio para ficar.

RI: A distância social da “Favela para a Faria Lima” é de 9 gerações. Quais são os desafios que o Brasil precisa enfrentar para reduzir esse abismo?

Ricardo Amorim: É absolutamente inaceitável que ainda tenhamos 9 gerações de distância entre a Favela e a Faria Lima, que é a realidade que temos hoje, principalmente que ao longo do tempo isso não tenha se reduzido. E por que isso acontece? Na minha opinião, disparado o grande problema brasileiro, ao contrário do diagnóstico quase generalizado, não é de uma má distribuição de renda. A questão é de uma má distribuição de oportunidades educacionais. A má distribuição de renda é consequência, e não a causa. A causa vem de um modelo onde um número muito pequeno de pessoas tem acesso à educação de primeiríssimo nível no Brasil, que não deve nada para nenhum lugar do mundo, mas são muito poucos. E uma grande massa não tem acesso a educação de qualidade mínima. Isso acaba gerando uma oferta muito grande de mão de obra pouco qualificada, que são esses que tiveram uma má educação. E uma oferta muito pequena de mão de obra superqualificada. O resultado é um diferencial de salários no Brasil, que é muito mais alto do que em qualquer outro lugar do mundo, porque se falta gente muito qualificada, quem é muito qualificado no Brasil acaba ganhando mais do que no resto do mundo. Por outro lado, há uma oferta gigante de mão de obra menos qualificada e a consequência é que quem tem menos qualificação no Brasil ganha muito menos do que em outros lugares do mundo. Como é que você resolve isso? A resposta é: educação, educação e educação. Basicamente, é investimento pesado em educação básica, de primeira qualidade para todo mundo. E, diga-se de passagem, esse foi o modelo de desenvolvimento de todos os países asiáticos que ao longo do século passado, e mesmo no início desse, considerou dar grandes saltos de desenvolvimento e de aumento da geração de renda em seus países. Começando com o Japão, na década de 1960. Primeiro a gente vê a educação japonesa melhorando muito, algum tempo depois essas crianças bem preparadas, se tornam alunos que entram bem preparados nas Universidades. O Japão começa a se desenvolver copiando o modelo de fora, e começa a ter capacidade de desenvolvimento de tecnologia própria, fazer pesquisa e desenvolvimento. A gente vê o mesmo círculo na Coreia do Sul, basicamente a partir dos anos 1980, vendo essa geração formada se destacando nos exames do PISA, que avalia a qualidade dos estudantes de quinze anos, onde a Coréia vem sendo um dos líderes com grande freqüência. Em função disso, a qualidade das universidades coreanas melhorou muito, a parte de pesquisa melhorou, e a Coréia, nas últimas décadas, vem se destacando em empresas líderes dos setores que mais importantes da economia mundial. Se a gente pegar o setor automotivo com empresas como Hyundai, do setor de celulares LG e Samsung, que tiveram ou têm um papel de liderança nesses setores. Isso a gente não vê no Brasil, exatamente porque não houve esse investimento em educação básica. E mais recentemente, vemos um processo muito parecido na China, que aliás vem sendo o país que vem liderando os resultados dos exames do PISA nas últimas edições. A receita está aí, e não é complicada. O que falta no Brasil é foco pra para implementar. O problema não é a falta de recursos públicos para educação, é o uso errado desses recursos. No Brasil, temos um gasto por aluno na educação básica, e se a gente for comparar com os países ricos, ele é mais ou menos 1/5 da média dos países da OCDE. Em compensação, temos um investimento ajustado pelo pelo PIB no Brasil na educação pública universitária que chega a ser de quatro à cinco vezes maior do que dos países desenvolvidos. Em outras palavras, a gente gasta absurdamente com a universidade pública, só que não se gastou no aluno que chegou lá. E aí não tem mais solução. Esse aluno chega lá despreparado e pior, isso gera aquela injustiça que eu falava no começo, que quem acaba indo pra universidade pública é o aluno que pode ir, ou para uma universidade privada ou para os raros e poucos centros de excelência das escolas públicas antes. Então, é absolutamente injusto o nosso sistema e com um detalhe adicional, além da injustiça para o país, é um desperdício gigante de potencial de cérebros, porque a gente pega um monte de gente boa, que se tivesse sido bem preparada, não só ia gerar riqueza pra eles, mas gerar riqueza para o país, e a gente está desperdiçando esse nossos cérebros. Sem falar, que boa parte dos melhores cérebros, em função de oportunidades melhores, acabam saindo do país.

RI: Hoje, investidores globais estão cada vez mais atentos, focando seus investimentos - em dívida e equity - em empresas alinhadas a agenda ESG. Como você avalia esse processo? Atingimos um nível ideal de consciência sustentável ou ainda estamos no meio do caminho?

Ricardo Amorim: As exigências ambientais, sociais e de governança dos investidores em relação as empresas cresceram muito e eu acredito que elas ainda vão crescer ainda mais. E as empresas tiveram que responder a isso. Em particular empresas que querem de alguma forma acessar o mercado de capitais. Ainda há alguns passos importantes que tem que acontecer. Hoje ainda existe, muito menos do que no passado, mas ainda existe muita empresa que acha que o importante é “parecer” que ela cuida disso. Em outras palavras é o que chamamos de greenwashing. Muita empresa quer se mostrar muito preocupada com o meio ambiente, mas na prática não vê isso como parte do seu DNA. O que eu vejo como mudança, é que cada vez mais há empresas que estão nascendo já de fato com esse compromisso, mais do que com esse compromisso, com essa forma de ver o mundo. E outras, que são empresas já estabelecidas, que sim estão passando por mudanças absolutamente significativas, e que de fato passaram a ver as questões ambiental, social e de governança como algo que é parte do fazer negócio. Não há “fazer negócio” sem levar isso em consideração. Eu acredito que cada vez mais, isso vai ser verdade e, principalmente, vai ser levado para todo o ecossistema. Não vai ficar limitado à empresa. Isso vai, desde fornecedores à impacto em clientes. Posso dar um exemplo de uma causa que estou envolvido. A 2W Energia, empresa em que sou conselheiro e sócio, uma das coisas que ela quer fazer é ajudar os seus clientes, a partir do momento em que eles, através do Mercado Livre de Energia, compram energia da 2W que é uma energia limpa de fonte eólica, a mostrar para os seus clientes, comunicando de forma correta o que está efetivamente sendo feito, tomando medidas para ter um impacto mais positivo para o meio ambiente. Acredito que temos que causar uma mudança de mentalidade que não fique limitada às grandes empresas. Precisamos de fato, ter algo que vai no bom sentido contaminar todo o ecossistema no qual essas empresas atuam.

RI: Com relação a questão de Inclusão e Diversidade, a B3, bolsa brasileira, publicou edital de audiência pública com novas regras para que as companhias listadas aumentem a diversidade de gênero e a representatividade de grupos minorizados em cargos de alta liderança dentro das empresas. O que você acha dessa iniciativa?

Ricardo Amorim: As iniciativas de inclusão e diversidade são absolutamente fundamentais. Em primeiro lugar por uma questão de justiça, mas e segundo, por uma questão de melhorar a capacidade de empresas à responderem a ambientes que tão mudando cada vez mais rapidamente, e compreenderem o ambiente de uma forma mais significativa. Agora, o que eu diria que paradoxalmente mais falta nas políticas de inclusão das empresas, é o que eu costumo chamar de inclusão com “I” maiúsculo, é algo muito significativo relativo à questão etária. Porque paradoxalmente quando a gente sai das lideranças das empresas, organizadas numa estrutura piramidal, tem pouca gente no topo e uma quantidade muito maior no resto da empresa, na base dessa pirâmide. Temos muito pouca gente com mais idade, e isso acho bastante preocupante, considerando que temos a população brasileira e mundial envelhecendo, e envelhecendo rapidamente. Cada vez a parcela da população, que chamamos hoje de “idoso”, acima de 60 anos, que é a outra coisa que vamos precisar repensar, mas ela é cada vez maior, inclusive como o mercado consumidor, e cada vez menos representada nas empresas. Uma das coisas que as empresas precisam olhar com muito carinho, é como ter gente que de fato vai representar uma parte cada vez maior dos seus consumidores. Em particular, no mundo onde a tecnologia é cada vez mais predominante, em geral as pessoas com mais idade tem mais dificuldade com tecnologia e essas tecnologias estão sendo desenvolvidas por pessoas em geral muito mais jovens do que a idade média de quem vai usá-las. Isso gera às vezes barreiras e dificuldades importantes. O que eu diria, e aí eu não estou falando das lideranças, mas das empresas como um todo, precisamos pensar como expandir a inclusão etária. Tem um outro detalhe, essa é uma inclusão que de uma forma ou de outra vai acabar incluindo a todos nós, salvo uma hipótese que é muito pior, um dia vai acabar com mais idade. Isso significa que precisamos pensar como ter uma legislação trabalhista flexível o suficiente para lidar com as necessidades e com os interesses de quem quer trabalhar com mais idade, mas que talvez não queira trabalhar por períodos ao longo do dia tão longos, e que queira regimes mais flexíveis. Então flexibilidade é do interesse até pra que isso possa vir acontecer.

RI: Com relação a chamada “Economia Azul”, Peter Thomson, secretário-geral para Oceanos da ONU apregoa que: “até 2030 os oceanos poderão produzir 40 vezes mais energia que temos atualmente, seis vezes mais alimentos, 12 milhões de novos empregos e US$ 15 trilhões de investimentos sustentáveis”. Como você avalia essa questão? E, o que é necessário fazer para que isso se realize, revertendo o declínio dos oceanos?

Ricardo Amorim: Como praticante de mergulho há várias décadas, sou absolutamente apaixonado pelos oceanos. A paz que você consegue encontrar fazendo um mergulho é algo que fora da água eu não me lembro de ter sentido. Só por aí, já sou um grande defensor de todos os tipos de cuidados associados aos oceanos. Sem dúvida, há um potencial econômico associado ao oceano gigantesco. Começando por energia, a gente tem disparado as maiores turbinas eólicas, que estão associadas a produção que acaba acontecendo no oceano. No caso específico brasileiro, ainda existe muito espaço pra gente aumentar a produção ainda em terra. Mas isso não é verdade, em vários países da Europa, e é por isso que vários deles já estão muito mais avançados do que o Brasil, nessa produção de energia eólica offshore. Mas isso vai acontecer no Brasil também, inclusive pode ser uma fonte importante de exportação de energia através do hidrogênio verde. O Brasil tem uma característica que é particular no Nordeste brasileiro, uma característica por uma sorte, do tipo de vento que nós temos faz com que a mesma turbina eólica consiga gerar aqui mais ou menos 30% mais energia do que ela geraria com a mesma turbina na Europa, por características diferentes de vento. Do ponto de vista de geração de energia solar os números são relativamente parecidos. Isso significa que o Brasil vai ter um papel importante. O mundo vai precisar de mais energia, porque a gente está dando acesso ao consumo para cada vez mais gente, sem falar no próprio crescimento populacional. Vai precisar de mais alimento, aliás o Brasil tem um papel fundamental, pois hoje alimenta anualmente 700 milhões de pessoas, é o grande celeiro do mundo. E, sim os oceanos podem e devem ter também um papel mais importante. Especificamente na parte de alimentos, isso precisa ser feito com muito cuidado, para consigamos expandir produção de alimentos sem colocar em risco todo o ecossistema marinho que existe. E isso não é um desafio fácil. É possível, mas bastante complicado, pois exige regulamentação, exige fiscalização, precisa ser muito bem feito. Eu vejo as oportunidades em energia como mais fáceis de serem exploradas do que as oportunidades associadas à questão alimentar, pelo menos no curto prazo.

RI: Em referência a emissão de carbono, o Brasil emite apenas 5% equivalentes aos créditos do mercado voluntário? Há projeções que o país pode auferir algo em torno de US$ 120 bilhões ao ano com esses recursos. Como você avalia o Mercado de Carbono como fonte de riqueza potencial para o Brasil?

Ricardo Amorim: Considerando as florestas brasileiras, a energia limpa que já é produzida no Brasil e principalmente o crescimento muito acelerado da produção dessa energia, projetado para os próximos anos, o Brasil tem tudo para ser um dos líderes, se não o maior líder na emissão de créditos de carbono. Hoje, o tamanho desse mercado é limitado pelo fato de que é um mercado voluntário, portanto, só compra crédito de carbono, empresa que quer comprar. Então, é uma questão de empresas que viram que, primeiro, elas têm um compromisso ambiental sério, segundo, que elas não têm capacidade de zerar a sua pegada ambiental, são empresas de setores diferentes, que por razões diferentes, não tem como fazer isso na sua produção, aí elas compram esses créditos de carbono pra compensar o que elas não conseguem ainda fazer. O que eu acho, é que a cobrança por parte dos consumidores de que empresas tenham esse tipo de comportamento vai ser cada vez maior. O que significa que empresas que larguem na frente, fazendo isso antes, vão conseguir ter um posicionamento daí pra frente, falando: “olha, eu não fiz porque eu fui obrigada, eu fiz porque é o certo, eu fiz porque eu acredito. Essas empresas que estão tendo esse custo financeiro agora, vão ter um ganho de imagem e, por conseqüência, um ganho financeiro por muito e muito tempo. Porque, mais cedo ou mais tarde, isso vai virar uma imposição regulatória. Quanto tempo exatamente vai levar para que haja uma regulação particularmente internacional que diga: “todas as empresas vão ter necessidade de zerar a sua pegada ambiental e, se não zerarem, terão a necessidade de comprar o crédito carbono”, isso vai acabar acontecendo. Isso significa que o valor desses créditos de carbono vai subir e vai subir muito. Como o Brasil tem tudo pra ser um dos maiores emissores, se não o maior emissor, de crédito de carbono global, isso vai se tornar sim uma fonte muito importante de geração de recursos para o país.

RI: Quais aspectos a pandemia COVID acelerou o mundo corporativo rumo a adesão as questões ESG e também à Nova Economia?

Ricardo Amorim: A pandemia fez com que as pessoas se preocupassem mais com o que é humano. Se preocupassem em ter uma qualidade de vida melhor, se preocupassem em passar mais tempo com a família, se preocupassem em deixar legados melhores para o planeta. E como empresas são feitas de pessoas, empresas tiveram que fazer exatamente a mesma coisa. Primeiro, porque os seus gestores, que são pessoas que passaram a se preocupar mais com isso, também levaram isso para as empresas. Segundo, porque os seus consumidores passaram a exigir mais isso. E isso deu dois grandes impulsos, um para toda a agenda ESG, e o segundo para a Nova Economia. A gente falar de economia criativa, de cidades inteligentes, de buscar formas melhores, tanto de viver quanto de trabalhar, de produzir coisas que são melhores para as pessoas e para o planeta, se tornou algo comum. E isso, era limitado a grupos específicos antes da pandemia. Eu acho que essa é a grande virada. O que a gente não pode é perder é esse senso de urgência que a pandemia nos trouxe.

RI: Num mundo em constante transformação, com novas tecnologias disruptivas - como Metaverso, Criptoativos, Blockchain e etc - como você vê o mercado e a sociedade se estruturando para enfrentar esses desafios?

Ricardo Amorim: A gente vive hoje o maior processo de transformação tecnológica que a humanidade já viu, e a razão é que várias tecnologias disruptivas chegaram ao que eu chamo de ponto de maturação, que é quando elas estão suficientemente maduras pra causar profundas transformações na forma como a gente produz, consome e vive, ao mesmo tempo. Estamos falando de blockchain, de inteligência artificial, de veículos autônomos, de 5G, de Metaverso, que por sua vez vem de realidade virtual e realidade aumentada. O que eu quero dizer, é que essas são tecnologias que permitem que novos modelos de negócios, que novas empresas, que novos serviços, que novos produtos, possam vir a surgir, que sem elas não seriam possíveis. Por exemplo, uma cirurgia a distância exige uma baixa latência que sem o 5G não teria como acontecer, e agora pode. Isso muda muita coisa. O que significa, que a gente já viveu nos últimos anos as maiores transformações de tecnologia, de modelos de negócios, que a humanidade já viu e, provavelmente, isso vai acelerar nos próximos anos. Eu chamo isso de grande aceleração. Isso é importante porque significa que a gente deve estar pronto para mudar com mais agilidade. O mais fundamental é uma mudança de cultura, que é para o que eu chamo de uma Cultura de Inovação. Não basta você inovar, criar um produto novo, você precisa estar pronto para estar mudando continuamente. E isso está sendo o grande desafio que muitas empresas estão passando, como mudar essa cultura, que tem dois eixos. Um eixo é excelência operacional, porque fala-se muito que inovar é não ter medo de errar, e é verdade. Mas, para que você possa experimentar, errar e não ter conseqüências, você precisa garantir que o seu dia a dia operacional e o da empresa funcione que nem o relógio suíço. E aí está tudo bem. No resto, você experimentar é quiz, pode dar tudo errado, e se uma dessas coisas der certo, te abrir grandes novos horizontes. Mas enquanto você está preocupado com o operacional do dia a dia, você não consegue ousar do outro lado. Então eu acho que essa é a grande mudança. Em particular, quando a gente fala de blockchain e criptomoedas, é exatamente isso que eles permitem. A gente pensar diferente em novos modelos, experimentar, ver o que acontece, e aí ver quais são os melhores usos. Uma parte disso virá para ficar e, provavelmente, vai mudar a forma como a gente faz negócio e vive. E outra vai ficar pra trás. É meio parecido com o que aconteceu com as empresas “ponto.com”. Há pouco mais de vinte anos, quando elas surgiram, se criaram expectativas gigantes, empresas tiveram a valorização imensa, a grande maioria delas são empresas que não existem mais hoje, mas as que existem mudaram o nosso mundo, como é o caso da Amazon, Google, etc. Enfim, acho que é mais ou menos a mesma coisa que a gente vai ver a respeito de várias dessas tecnologias e, particularmente, associadas à criptomoedas e blockchain.

RI: Como você avalia o mercado de cripto? Você investe, já investiu, ou aconselharia investimento em criptomoedas?

Ricardo Amorim: Eu acredito que o mercado de criptomoedas veio pra ficar, o que não significa que todas as criptomoedas que estão aí vão sobreviver. Pelo contrário, acredito que a maioria das criptomoedas que existem hoje, daqui à vinte anos não existirão mais. Mas, algumas poucas vão existir e vão ter um papel ainda muito mais importante do que já tem hoje e, provavelmente, uma valorização muito significativa em relação a valores de hoje. O porquê disso? Porque as criptomoedas vieram com regras de emissão que impedem que elas tenham um aumento de oferta, que é equivalente ao que está acontecendo com as moedas fiduciárias controladas pelos governos. Então, se as moedas tradicionais estão tendo um aumento de oferta muito maior que o das criptomoedas, em termos de preço relativo, o produto que tem um aumento de oferta menor, que são as criptomoedas, tem que ao longo do tempo valer mais, que é o que aconteceu desde o surgimento do Bitcoin. A essa altura, estamos falando de há 13 anos. De lá pra cá, houve um aumento brutal do preço do Bitcoin e de outras criptomoedas, com uma volatilidade também brutal. Isso significa, que a cada dois, três, quatro anos - pegando o Bitcoin como exemplo, e outras criptomoedas que são ainda mais voláteis que o Bitcoin - costuma ter ajustes de preço de pelo menos 80 / 90%. Então, o Bitcoin sobe muito e cai oitenta, noventa por cento do que subiu, sobe de novo muito, cai de novo e, recentemente, está num processo de uma dessas quedas muito significativas. Esses são os momentos, na minha opinião, nos quais a gente deve sim comprar um pouco dessas criptomoedas, por uma razão muito simples, se você não tiver nada de criptomoedas, e elas vieram pra ficar, como elas vão se valorizar muito em relação as outras moedas, você vai ter uma perda do valor da sua riqueza, porque quem tiver criptomoeda vai ficar muito mais rico. Isso vai puxar o preço de outros ativos. Por outro lado, por que deve ser uma parte pequena? Porque há um risco de que governos num determinado momento, que é quem perde poder, porque o que as criptomoedas estão fazendo é tirando poder de Bancos Centrais, de governos, então é natural que eles reajam contra, e há um risco de que num determinado momento vários dos principais governos mundiais podem se unir contra isso, podendo sim causar problemas brutais para o mercado de criptomoedas, no longo prazo. Então o que eu diria é, não dá pra ter uma parte muito significativa da tua riqueza em criptomoedas, e não dá pra não ter nada em criptomoedas. É assim que eu olho, e o último ponto: quando comprar? Depois de quedas muito significativas. Quando eu falo muito significativas eu estou falando de pelo menos 80% em relação ao pico anterior.

RI: Qual o impacto da recente quebra da FTX, até então uma das maiores corretora de criptomoedas do mundo, representa para o mundo cripto? Neste sentido, falta ainda efetivo controle e regulação para evitar novas quebras?

Ricardo Amorim: A quebra da FTX foi uma grande chacoalhada no mercado de criptomoedas, longe de ter sido a primeira. Desde o surgimento do mercado de criptos já tivemos outras chacoalhadas até maiores do que essa. E a forma de medir isso é o tamanho dos ajustes negativos de preços das principais criptomoedas, quando elas aconteceram. Mas ela foi muito significativa, porque o que ela mostrou é que esse mercado “não regulado” está sujeito a mais manipulações do que mercados regulados. Especificamente, no caso da FTX, o que se viu, é que havia um uso de recursos das pessoas que tinham investimentos na corretora, estavam correndo risco que elas não sabiam o que estavam correndo. Esse é o problema de mercados “não regulados”. A questão, é que isso cria um incentivo pra que haja mais regulação. Só que a lógica de criação dos mercados criptos, foi exatamente escapar das regulações governamentais. Então a gente tem uma tensão aqui, que vai ser difícil ser resolvida. Provavelmente, vão surgir soluções de diferentes níveis. É provável, que haja criptos que surjam com níveis maiores e menores de regulação, exatamente para lidar com apetites diferentes de pessoas. Algumas que vão se sentir mais seguras com mais regulação e outras que, ao contrário, vêem como um problema, exatamente, o fato de que possa haver determinado governo que tenha acesso à determinada informação, determinado controle, porque estão exatamente querendo fugir do controle governamental. Vai ser interessante ver como o mercado de cripto vai se reorganizar a partir disso. Eu não tenho dúvida, que ocorrerão chacoalhadas e mudanças. Mas, pra mim, ainda não está muito claro quais serão, e acredito que elas vão surgir por caminhos diferentes. Aí, alguns desses novos caminhos irão vingar e outros não.

RI: Uma palavra que pode definir a Nova Economia é “disruptura”, que acredita em um rompimento com o velho mercado e a abertura para o novo, mais tecnológico, flexível e prático. Como empresas bem-sucedidas no modelo tradicional podem fazer parte da Nova Economia, migrando para esse novo cenário?

Ricardo Amorim: O que o mercado exige hoje de empresas tradicionais é a capacidade de se reinventar. A pandemia deixou isso muito claro. Se a gente for ver casos mais simples, como um restaurante que não conseguiu montar um sistema de delivery muito rápido, provavelmente não está mais vivo hoje. Isso significa que empresas que tem na sua cultura a ideia de que as pessoas devem o tempo inteiro estar buscando por novas soluções, e que está tudo bem se essa nova solução que foi tentada não der certo, elas vão ter vão ter maior capacidade de resposta para um ambiente que está numa mutação, não apenas constante, mas cada vez mais acelerada. Em segundo lugar, empresas, em geral, que tem o uso maior de tecnologia, têm também uma capacidade de resposta maior. Para usar um termo do Nassim Taleb, dá para dizer que não é só que elas tem mais flexibilidade, é que de fato em vários casos que a gente viu na pandemia, empresas com uso mais intensivo de tecnologia saíram ganhando, e se provaram de fato antifrágeis. Talvez o terceiro ponto importante, está relacionado à diversidade. Empresas com mais diversidade, provavelmente, têm não só uma capacidade de detectar primeiro as mudanças que estão acontecendo, porque tem mais olhos olhando de perspectivas diferentes e percebendo isso antes, mas tem uma maior capacidade de resposta também. Então, o que eu diria, sejam novas empresas ou empresas tradicionais, o que elas precisam é olhar pra esses três componentes, adoção de tecnologia, diversidade e cultura de inovação.

RI: Levantamento recente, divulgado pela Pegasystems, demonstra que a velocidade das mudanças é maior que a capacidade das organizações de se adaptarem a transformação digital. Neste contexto, o que as empresas precisam fazer para sobreviver e evoluir seus negócios?

Ricardo Amorim: A aceleração das transformações que temos vivido gera muita ansiedade, por várias razões. A primeira delas, é que tínhamos uma falsa sensação de controle, a impressão que era possível controlar a situação de como as coisas estavam acontecendo. Era uma impressão, pois as mudanças já aconteciam, muitas vezes de surpresa. A própria pandemia, um bom exemplo. Não dá para gente falar que isso é um evento que veio completamente do nada. Já tinha acontecido uma parecida cem anos antes. Aliás, cinco anos antes, o Bill Gates já alertava que esse era o maior risco que a gente enfrentaria. Então não dá pra falar que é uma surpresa completa. Mas o fato, é que ela pegou todo mundo completamente de surpresa. Não estávamos prontos para responder à ela. E essas mudanças estão ficando cada vez mais frequentes. Então o que isso significa? A primeira coisa, é que precisamos aceitar que não temos todas as respostas. Do ponto de vista dos líderes, isso cria um desafio gigantesco, que é: a liderança estava acostumada a ser quem estava na posição de trazer de cima para baixo as respostas. Só que ninguém tem todas as suas respostas. Já não tinha antes, agora menos ainda. O que significa que o próprio modelo de gestão muda. Se eu preciso responder rápido, da melhor forma possível, quanto mais gente puder me trazer inputs, e eu puder pegar as melhores ideias, inclusive refiná-las, juntando a ideia de um com a de outro, é muito melhor. Então, acabar com a ideia de que há um líder iluminado com todas as respostas. Empresas e pessoas que sejam capazes de fazer isso melhor, vão estar numa posição muito mais benéfica para lidar com esse mundo. O que eu diria, é que a grande nova habilidade que ganhou uma importância maior do que já tinha antes, se chama humildade. A humildade em reconhecer as limitações, tanto de conseguir perceber todas as mudanças que estão acontecendo, como de trazer todas as respostas. Portanto, a estrutura que permite que toda a equipe contribua, se tornará mais importante.

RI: A Economia Laranja, sem uma definição única – originalmente conhecida como economia criativa – reúne, segundo a UNESCO, setores cuja finalidade principal é a produção ou reprodução, promoção, divulgação e/ou comercialização de bens e serviços cujo insumo principal é a criatividade. Como você avalia essa questão como um ativo potencialmente gerador de crescimento e desenvolvimento econômico?

Ricardo Amorim: Acredito que a Economia Laranja, ou economia criativa, terá um crescimento muito superior ao da economia tradicional. E a razão é muito simples, quanto mais a gente se desenvolve e avança em duas tecnologias fundamentais, que vão avançar muito nos próximos anos, que são: Inteligência Artificial e Robótica, mas o que sobra para nós seres humanos, é o lado criativo. Não apenas do ponto de vista do que fazer, mas como consumidores. Portanto, esse é o mercado que vai crescer mais. Isso significa que as habilidades que precisamos desenvolver são as que estão associadas a isso, a questão de criatividade, de geração do que é novo, de expressão artística e humana em geral. Estou absolutamente convencido que, como o país, é estratégico que a gente se desenvolva por esse lado, que aliás é uma característica muito forte do Brasil. O Brasil tem um histórico de ser muito forte em música, em futebol, e por aí vai... e eu acho que cada vez mais precisamos olhar para isso. Como a gente tem cada vez mais as pessoas conectadas, plugadas em tudo, o mercado de audiência para o que é a expressão artística ou esportiva, é cada vez maior e portanto o valor disso é enorme. Por isso, que jogador de futebol ganha cada vez mais, times são cada vez mais valiosos, e que a geração de riqueza associada a esporte é cada vez maior. E vale a mesma coisa para arte e a criatividade em geral.

RI: Para finalizar, quais conselhos você pode fornecer aos profissionais de Relações com Investidores que almejam o protagonismo em companhias que convergem para a Nova Economia? Como você vê o papel estratégico da área de RI das empresas no futuro?

Ricardo Amorim: Num ambiente de negócios que está se transformando muito rapidamente, não tem como o papel de ninguém não se transformar. E, é exatamente, a mesma coisa para os profissionais de RI. Na minha visão, a principal habilidade do profissional de Relações com Investidores, que se torna cada vez mais importante e estratégico, é conseguir captar as mudanças que estão acontecendo no ambiente de negócios em geral, como isso reflete na empresa e como isso impacta no papel do próprio RI. Para ser mais específico, quando temos, por exemplo, o crescimento da importância dada ao ESG por investidores, um dos principais filtros que deveria captar isso com grande velocidade, conseguir transmitir e contaminar toda a cultura da empresa, têm que ser o profissional de RI. Só que esse é um exemplo de algo que em alguma medida já aconteceu, mas que eu acho que em grande medida vai continuar acontecendo nos próximos anos. E acontecerão outros. Então, o que vejo é que um dos papéis do RI se tornou mais importante é conseguir mostrar como uma empresa deve se posicionar internamente, para que ela esteja pronta pra lidar com os desafios e oportunidades externos, não apenas presentes, mas que vão acontecer ao longo dos próximos anos.


Continua...