Segundo um estudo de 2020 da consultoria Ocean Tomo, 90% do valor das empresas que compõem o índice S&P 500 se refere a ativos intangíveis. Desses, uma enorme parte tem a ver com um atributo que todos compreendemos em essência, mas cuja formação é bastante complexa: Reputação.
Reputação, em linhas gerais, é o conjunto de percepções que pessoas têm sobre você ou sobre sua empresa. É algo particularmente complexo no mundo atual porque, com a conexão virtual entre as pessoas crescendo exponencialmente, a maneira como alguma pessoa, em algum lugar do mundo, irá perceber você ou sua empresa é estruturada por dezenas, centenas, milhares de informações de múltiplas fontes. Muitas podem nem te conhecer ou ter tido contato direto.
Estudar reputações de maneira mais aprofundada, estruturada e baseada em dados é notoriamente difícil, devido à incrível complexidade do tema, com milhares de variáveis que dificultam uma medição mais direta, mas cada vez mais empresas globais se interessam pelo assunto. E elas estão corretas, porque uma boa gestão de reputação (corporativa e, também, pessoal) se torna, a cada dia, mais imperativo.
Um estudo muito interessante de uma consultoria de estratégia inglesa, a AMO (AMO Strategic Consulting, 2019), utilizando a metodologia de Simon Cole, da Reputation Dividend – antigos parceiros nossos, gente muito séria que estuda o valuation financeiro de reputações há décadas – chegou à uma estimativa de que a reputação corporativa corresponde a 35,3% do valor de mercado dos 15 principais índices de ações no mundo, incluindo o IBOV. Isso, em 2019, equivalia a um valor de 16,8 trilhões de libras esterlinas. Utilizando, para fins de comparação, essa participação para o IBOV em fevereiro de 2023 (Capitalização de mercado de R$ 3,5 trilhões), chegamos a um valor total teórico da reputação das empresas que compõem o índice de R$1,23 trilhão.
Um outro estudo bastante interessante da Weber Shandwick, de 2020 - (Weber Shandwick/KRC Research, 2020) - perguntou a centenas de CEOs de empresas do mundo inteiro quanto do valor de mercado de suas respectivas companhias se devia à sua reputação corporativa e, a média global foi de 63%, sendo que no Brasil esse valor atingiu 76%. Esses valores servem apenas como referências, porque os modelos de valuation de intangíveis ainda estão sendo refinados nos mais diversos centros acadêmicos e corporativos. Mas dão uma boa indicação da dimensão financeira desse ativo e da importância de sua gestão estratégica.
O megainvestidor americano Warren Buffett já disse, certa vez, que “se leva 20 anos para construir uma reputação e 5 minutos para destruí-la”. Ele tem toda a razão. O caso recente da Americanas mostra o quanto reputações corporativas e pessoais podem ser atingidas de forma profunda, com impactos financeiros enormes para seus acionistas e demais stakeholders. Mas a lista é longa, com casos como, por exemplo, Enron (2001), que resultou no fim da Arthur Andersen; British Petroleum (2010), com a plataforma Deep Horizons; Boeing (2019), com o 737 Max, e muitos mais. Todos com impactos enormes em seu momento, mas com implicações financeiras ainda mais agudas ao longo dos anos subsequentes.
Muito embora, na maioria dos casos, as empresas se dêem conta da importância de sua reputação em casos de crises, e enxerguem este ativo como uma fonte de riscos a serem mitigados, uma boa reputação é, na verdade, uma alavanca poderosa de crescimento. Empresas que são muito bem percebidas pelos mais diversos públicos conseguem captar recursos mais baratos, cobrar premiums por seus produtos/serviços, atrair os melhores talentos, os melhores investimentos, e muito mais.
O Caso Americanas é um bom exemplo recente da importância do tema: muitos de seus stakeholders – entre eles, bancos bastante afetados pela crise do risco sacado da empresa – que antes tinham condições especiais e favoráveis para as Americanas (de crédito, de prazos, etc.) por conta de sua boa reputação – reputação dos acionistas de referência (3G), ações no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, com diversos organismos de governança formais – perceberam que sua confiança não havia sido correspondida. Agora, não apenas a Americanas, mas outros investimentos de seus acionistas estão sofrendo as consequências de uma crise reputacional, com crédito mais caro, reflexões sobre suas práticas gerenciais, visão mais crítica da sociedade e outros impactos. Estes foram ainda mais pronunciados pela relativa pouca transparência no processo de notificação ao público e por práticas pouco efetivas de gestão da crise e da reputação da empresa.
Como qualquer outro ativo estratégico, uma reputação pode e deve ser gerenciada, monitorada e cuidada com toda a atenção. Deve fazer parte da agenda estratégica dos principais executivos e dos conselhos da empresa. Ela deve estar entremeada nos diversos tecidos da cultura corporativa e deve ser cultivada a todo momento e em todas as interações com outras partes. Através de planos bem desenvolvidos e executados, uma boa reputação pode ser cultivada diariamente, com o engajamento de todos os funcionários e um monitoramento contínuo. Deve, também, fazer parte do mapa de riscos da empresa – ainda que essa não deva ser a única preocupação.
Os conselhos – de administração, consultivo, comitês – têm um papel muito importante em dar direcionamentos estratégicos para suas empresas e têm a obrigação de se interessar pelo tema. Transparência, ética, honestidade estão entre os muitos atributos pelos quais uma empresa será avaliada por seus inúmeros stakeholders e conselhos atuantes e, com a capacidade de entender como a empresa deve traduzir estas características para seus públicos-alvo, trazem muito mais substância às suas atividades. No século XXI, boa governança e boa reputação andam juntas mais do que em qualquer tempo no passado.
Devido às características de relacionamento e comunicação entre as pessoas hoje em dia, com milhares e milhões de pontos de contato com outros, nunca foi tão difícil para as empresas gerenciarem suas reputações. Por essa mesma razão, nunca foi tão importante.
Daniel Medina
é CEO da Prestige Consulting - consultoria em Comunicação e Reputação Corporativa. Ex-presidente da Hill+Knowlton Strategies (WPP) no Brasil; Foi também diretor de Comunicações das Américas da Nokia Networks; diretor de Marketing da A.T. Kearney e diretor de Parcerias no Banco Santander.
daniel.medina@prestigeconsulting.com.br