Remuneração de Executivos

ALINHAMENTO DAS METAS DE SUSTENTABILIDADE À REMUNERAÇÃO DOS EXECUTIVOS

Curioso no mínimo é o que podemos dizer quando surgiram as primeiras discussões sobre o ESG (Environmental, Social and Governance). Primeiro porque as discussões sobre sustentabilidade não são novas, mas adquiriram uma nova roupagem, mais atual. A discussão do tema da sustentabilidade e perenidade, por sua vez, traz à tona outro desafio, o de alinhar as metas de sustentabilidade com a remuneração dos executivos.

A história nos mostra que a falta de foco no tema foi responsável por uma série de acidentes que com alguns incentivos poderiam ter sido evitados.

Em 1952, Londres se viu coberta por uma neblina tóxica, criada por uma combinação de poluição industrial e condições climáticas, que resultaram na morte de mais de 4000 pessoas. Apesar de Churchill ter sido avisado à época, foi somente após o trágico incidente que o Clean Air Act, foi aprovado em 1956, estabelecendo regras mais rigorosas de controle de emissões para evitar que esse evento se repetisse.

Em 1976, uma explosão em uma fábrica em Seveso, na Itália, deixou os residentes expostos a uma substância altamente tóxica e cancerígena, causando a morte de 3,3 mil animais, o sacrifício de outros 80 mil e colocando mais de 220 mil pessoas em observação.

Verificou-se posteriormente que a fábrica possuía sistemas de segurança rudimentares e não estava preparada para uma explosão de maior magnitude, com alertas e protocolos de segurança para a comunidade local.

Em 1984, em Bhopal, na Índia, um vazamento de 45 toneladas de gás isocianato de metila, utilizado na fabricação de inseticidas, causou a morte de 20 mil pessoas e a contaminação de mais de meio milhão de habitantes. Investigações evidenciaram a falta de funcionários, de manutenção e de protocolos de segurança para casos de vazamento.

Em 2015, o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, MG, provocou 19 mortes e contaminação ao longo do Rio Doce. O acidente afetou mais de 360 mil pessoas, gerando R$8,71 bilhões em indenizações totais e auxílios financeiros emergenciais e cerca de 600 processos judiciais.

Em 2019, o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Vale do Rio Doce, em Brumadinho, MG, causou a morte de 270 pessoas e uma das maiores tragédias ambientais no Brasil. A Vale se comprometeu a pagar R$37,7 bilhões em um acordo de indenização, já incluídos os desembolsos realizados antes do acordo.

Todos esses acidentes têm um fator em comum, poderiam ter sido evitados se algumas medidas tivessem sido tomadas previamente.

Está muito claro que os gastos com processos, advogados, hospitais e indenizações podem envolver valores significativos para a empresa e muito superiores aos gastos com prevenção do problema. Seria muito mais lógico incluir ações preventivas para evitar que o problema ocorra. Para isso, é importante criar um sistema que estimule o administrador a não deixar as preocupações de sustentabilidade em segundo plano.

Incluir cláusulas malus (que permite deixar de pagar uma remuneração variável) ou de clawback (que permite recuperar remuneração paga) como fez a própria Vale são medidas que não resolvem o problema, porque não tratam sua origem, mas evitam que administradores que não fizeram sua lição de casa em ESG sejam premiados enquanto a companhia sofre prejuízos de suas ações ou omissões.

O grande incentivo deve ocorrer antes da materialização do problema. Por isso o sistema de bonificação precisa contemplar medidas de prevenção e redução de impacto ambiental e socioeconômico, permitindo que os executivos incorporem em sua agenda a discussão da sustentabilidade e da eficiência do negócio de forma ampla e integrada.

Em um estudo da PWC em 2021 com as companhias listadas no FTSE 100 index da bolsa de Londres, mostrou que 60% das empresas já possuíam um indicador ESG na remuneração variável dos executivos.

No ano passado, após a solicitação formal de um fundo de pensão para a inclusão de métricas ESG nos bônus de executivos, o McDonalds anunciou que iria atrelar 15% do bônus dos executivos a metas que incluíam diversidade e divulgação de informação sobre a diversidade étnica de sua força de trabalho, além de assumir o compromisso de incrementar a representação feminina e de minorias entre seus colaboradores em 35% até 2025.

A Danone, um dia após eleger seu novo CEO em 2021, anunciou ao mercado as métricas utilizadas no plano de remuneração de seu principal executivo, atrelando 20% do valor de sua remuneração variável ao cumprimento de metas sociais e ambientais.

As empresas multinacionais vêm buscando incluir a pauta ESG na agenda empresarial, balanceando temas sociais e ambientais com os temas econômicos, criando planos de curto, médio e longo prazo e atrelando indicadores e metas a remuneração de executivos.

No Brasil, porém, um estudo com 500 empresas realizado pelo Grupo FSB para a Confederação Nacional das Indústrias divulgado em outubro de 2021, identificou que 52% das empresas pesquisadas precisavam atender a critérios de sustentabilidade para se qualificarem como fornecedoras de outras empresas, mas apenas 33% exigiam a adoção de indicadores de sustentabilidade para seus próprios fornecedores.

Apesar da relevância do tema, a pesquisa mostrou que 57% das empresas pesquisadas ainda não possuíam uma estratégia ou agenda de sustentabilidade própria e apenas 33% delas possuíam metas de sustentabilidade para seus executivos.

Não se pode negar o avanço que tivemos nos últimos anos, mas o Brasil ainda está atrás quando se trata da inclusão de metas e indicadores de sustentabilidade na composição da remuneração de executivos.

Incluir indicadores e metas de curto, médio e longo prazo são essenciais para que se possa desenhar uma cultura que inclua as ações de sustentabilidade de forma equilibrada, planejada e balanceada na organização. A inclusão das metas permite o melhor alinhamento entre o discurso sustentável com a prática e cultura organizacional, prepara a empresa para se manter competitiva e trabalhar em cenários com riscos mais controlados.

Para isso, é necessário a mudança do racional de remuneração que vínhamos adotando até o momento, pois não podemos esperar obter resultados diferentes, baseados em uma remuneração exclusivamente centrada nos critérios econômicos. É necessário evoluir. É preciso equilibrar os indicadores sociais e de sustentabilidade no sistema de remuneração para que assim, seja possível abrir caminho para o desenvolvimento das práticas de ESG e de seu alinhamento com as expectativas dos acionistas, dos investidores e de seu mercado consumidor.


Plínio Shiguematsu

é sócio do PLS Law advogados; professor do Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa, membro do IDSA - Instituto de Direito Societário Aplicado, membro do IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e do IBRADEMP - Instituto Brasileiro de Direito Empresarial.
pliniojls1@insper.edu.br


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